Luís Nassif publica em seu site um texto que mostra com clareza a quantas anda a volta a um passado que todos procuramos esquecer. Em uma série de artigos denominados "Xadrez" envolvendo a política nacional, ele revela a recriação pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) por decreto que tem a os dedos e a inspiração do General Sérgio Etchegoyen - militar de extrema direita que contraria toda a política nacionalista que caracterizou o Exército Brasileiro durante bom tempo.
O caráter antidemocrático, retrógrado, truculento e que nos lembra o malfadado Serviço Nacional de Informação (SNI) da ditadura, o tal decreto faz parte de um conjunto de medidas que buscam a desconstrução da Política Nacional de Defesa e a preocupação com a Amazônia Azul - leia-se Pré-Sal - e o reaparelhamento das Forças Armadas sob a inspiração de Etchegoyen que parece cumprir ordens do exterior e acabar de vez com qualquer pretensão brasileira de se tornar respeitado em matéria de Defesa Nacional. O novo decreto de Temer faz parte do processo que começa com a entrega do setor nuclear à General Eletric e à Westinhouse, americanas e deve ser concluído com essas empresas substituindo a Marinha no Pro-Sub, o Projeto de construção do Submarino Nuclear.
Toda essa política de entreguismo é aplicada sob o silêncio cúmplice das Forças Armadas
A criação do novo SNI veio por decreto e Nassif o revela neste texto:
O Xadrez da volta da doutrina da segurança nacional
Em
um Xadrez passado alertamos para a tendência do governo interino de
intensificar as ações de segurança nacional, como uma ameaça concreta à
democracia.
O decreto no. 8.793, de 29 de junho passado, que fixa a Política Nacional de Inteligência é o passo mais ousado nessa direção (http://migre.me/ufH0w).
Assinado pelo interino Michel Temer e pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional
(GSI) Sergio Westphalen Etchegoyen, o decreto visa criar uma política
para armar o país contra ameaças trazidas por esses tempos cibernéticos e
de terrorismo.
Contempla
a proteção de forças de conhecimento nacional, medidas contraespionagem
cibernética, contraterrorismo etc. Mas confere poderes e atribuições
que podem facilmente resvalar para o autoritarismo e para o desrespeito
aos direitos humanos. E isso, em uma etapa da vida nacional de
radicalização e de instrumentalização política dos instrumentos de
investigação.
Confere
ao GSI e à Política Nacional de Inteligência o poder de monitorar
movimentos, manifestações, cooptar funcionários públicos para a função
de segurança e até monitorar cientistas brasileiros no exterior.
O decreto define assim as atividades de inteligência e contrainteligência:
I – Inteligência: atividade que objetiva
produzir e difundir conhecimentos às autoridades competentes, relativos
a fatos e situações que ocorram dentro e fora do território nacional,
de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório, a ação
governamental e a salvaguarda da sociedade e do Estado;
II – Contrainteligência: atividade
que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a Inteligência
adversa e as ações que constituam ameaça à salvaguarda de dados,
conhecimentos, pessoas, áreas e instalações de interesse da sociedade e
do Estado.
Movimentos
populares podem ser facilmente enquadrados nessas categorias. Hoje em
dia, procuradores açodados montam ações até para impedir manifestações
políticas em universidades. Mas suas decisões são submetidas ao
Judiciário. No caso das ações de inteligência, não há instância capaz de
monitorar e contar os abusos.
O parágrafo seguinte é significativo:
Cumpre
à Inteligência acompanhar e avaliar as conjunturas interna e externa,
buscando identificar fatos ou situações que possam resultar em ameaças
ou riscos aos interesses da sociedade e do Estado. O trabalho da
Inteligência deve permitir que o Estado, de forma antecipada, mobilize
os esforços necessários para fazer frente às adversidades futuras e para
identificar oportunidades à ação governamental.
E tudo isso protegido pelo manto do silêncio.
A
atividade de Inteligência exige o emprego de meios sigilosos, como
forma de preservar sua ação, seus métodos e processos, seus
profissionais e suas fontes. Desenvolve ações de caráter sigiloso
destinadas à obtenção de dados indispensáveis ao processo decisório,
indisponíveis para coleta ordinária em razão do acesso negado por seus
detentores. Nesses casos, a atividade de Inteligência executa operações
de Inteligência - realizadas sob estrito amparo legal -, que buscam, por
meio do emprego de técnicas especializadas, a obtenção do dado negado.
Mais
que isso, o decreto define que “capacidades individuais e coletivas,
disponíveis nas universidades, centros de pesquisa e demais instituições
e organizações públicas ou privadas, colaborem com a Inteligência”.
Como
ameaças ao Estado nacional, o decreto define “a espionagem, propaganda
adversa, desinformação, a sabotagem e a cooptação”. Propaganda adversa
era o termo utilizado pelos militares para coibir qualquer crítica ao
regime.
O decreto estipula também “ações
preventivas concertadas entre os organismos de Inteligência de
diferentes países, e desses com suas estruturas internas”, visando
impedir a “deflagração de crises em áreas de interesse estratégico do
Estado”.
Quem define o interesse estratégico, obviamente, é o GSI.
Há
algumas ameaças óbvias, como “criminalidade organizada; narcotráfico;
terrorismo e seu financiamento; armas de destruição em massa; e
atividades ilegais envolvendo comércio de bens de uso dual e de
tecnologias sensíveis”.
Mas
o decreto inclui um vasto campo de possibilidades que permitem o
subjetivismo na análise dos riscos. Como, por exemplo, quando menciona “interferência
externa no processo decisório ou que autoridades brasileiras sejam
levadas a atuar contra os interesses nacionais e em favor de objetivos
externos antagônicos. A interferência externa é uma ameaça frontal ao
princípio constitucional da soberania”.
O
que seria “interferência externa”? Um movimento popular pode ser
enquadrado como interferência externo de um bolivarianismo, castrismo ou
outro ismo qualquer?
“Deve
constituir também motivo de constante atenção e preocupação a eventual
presença militar extrarregional na América do Sul, podendo ser
caracterizada como ameaça à estabilidade regional”.
O capítulo 6 define as “Ações Contrárias ao Estado Democrático de Direito”.
“São
aquelas que atentam contra o pacto federativo; os direitos e garantias
fundamentais; a dignidade da pessoa humana; o bem-estar e a saúde da
população; o pluralismo político; o meio ambiente e as infraestruturas
críticas do País, além de outros atos ou atividades que representem ou
possam representar risco aos preceitos constitucionais relacionados à
integridade do Estado.
Identificar
essas ações e informar às autoridades governamentais competentes é
tarefa primordial da atividade de Inteligência, que assim estará
proporcionando aos governantes o subsídio adequado e necessário ao
processo de tomada de decisão”.
Mais uma vez, caberá ao GSI definir quem se enquadra nessas ações.
Não ficará nisso. Monitorará também os cientistas brasileiros que forem trabalhar no exterior.
Paralelamente,
a cooperação técnico-científica mundial demanda a presença de
especialistas brasileiros em vários pontos dos cinco continentes.
Nesse
cenário, torna-se imprescindível para a Inteligência conhecer as
principais ameaças e vulnerabilidades a que estão sujeitas as posições e
os interesses nacionais no exterior, como forma de bem assessorar o
chefe de Estado e os órgãos responsáveis pela consecução dos objetivos
no exterior.
Assim como no período militar, o decreto prevê “treinamento
de servidores públicos encarregados de temas e missões sensíveis e pela
implementação efetiva de contramedidas de segurança corporativa
indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento da atividade de
Inteligência”.
No final, há um capítulo relativo à proteção das infraestruturas críticas nacionais.
“Ameaças
como terrorismo, organizações criminosas transnacionais e grupos de
diferentes origens e com distintos interesses ligados a atos de
sabotagem devem ser monitoradas, como forma de minimizar as
possibilidades de sucesso das ações que visem a interromper ou mesmo
comprometer o funcionamento das infraestruturas críticas nacionais.
Nesse
cenário, a Inteligência deve participar do processo de avaliação de
riscos e vulnerabilidades relativos a alvos potenciais daquelas ameaças,
visando a concorrer para a proteção das infraestruturas críticas
nacionais”.