Jovem Aécio: “Eu nunca fiz minha própria cama”
Jornal de Nova Jersey registrou passagem do futuro candidato a presidente pelos Estados Unidos, em 1977
Em
fevereiro de 1977 o jovem Aécio da Cunha Neves talvez nem pensasse que
um dia estaria na reta final para disputar a presidência da República
mas viveu uma aventura curiosa fora do país.
Como tantos jovens brasileiros de sua condição social, naquele ano
Aécio foi cumprir um programa de intercambio escolar nos Estados Unidos.
Certa vez, durante um momento de descanso, Aécio visitava uma
estação de esquí quando conheceu um rapaz de sua idade, Glenn, que o
convidou a passar um fim de semana hospedado na casa de seus pais, o
casal Pat e Roger Davis, em Middlebush, em Nova Jersey.
Ali, numa pequena comunidade que hoje possui 2000 habitantes,
distribuidos em pouco mais de 800 casas, a presença de um jovem
brasileiro logo se tornou motivo de atração. Com direito a foto e tudo,
Aécio foi parar nas páginas do FranklinNews-Record, pequeno jornal da
região, que na edição de 24 de feveiro de 1977 publicou uma pequena
reportagem a seu respeito.
Descrevendo Aécio como um adolescente “igual a todos os outros”, o
reporter Bob Bradis registrou seus conjuntos de rock prediletos: Led
Zeppelin, The Who, Crosby, Stills, Nasch and Young e sublinhou que ele
“realmente gosta de Bob Dylan.” O jornal fala dos programas de TV
favoritos do rapaz: Kojak, série policial que fazia muito sucesso na
época em torno de um detetive careca, e Waltons, sobre a vida de uma
família da zona rural dos Estados Unidos, às voltas com os rigores da
Grande Depressão da década de 30. Esportes favoritos? Futebol e volei.
Demonstrando um interesse por automóveis bastante comum entre garotos de
sua idade, ele contou ao Franklin News que a idade mínima para tirar
carta de motorista no Brasil é 18 anos mas que não é incomum ver jovens
dirigindo carros antes de chegar a essa idade.
Falou de automóveis americanos, como Ford e Chevrolet, mas também elogiou o Puma, um carro nacional, “muito confortável.”
Mas nem tudo era igual entre jovens norte-americanos e brasileiros — e
isso não escapou a observação de Bob Bradis. No frescor dos 17 anos,
Aécio expressou várias observações sobre a vida social brasileira.
Falando sobre a condição feminina no Brasil, Aécio disse, conforme o
Franklin-News, que a vida das mulheres é fácil no Brasil. Segundo as
palavras de Bob Bradis, Aécio lhe disse que as mulheres brasileiras
não tem necessidade financeira de trabalhar, e podem passar a maior
parte de seu tempo na praia ou fazendo compras. Era uma diferença
importante em relação à sociedade norte-americana, onde, desde a Segunda
Guerra Mundial, muitas mulheres saiam de casa para trabalhar e dividir
despesas com o marido.
Falando da vida doméstica, Aécio disse: “todo mundo tem uma empregada
ou duas; uma para cozinhar, outra para limpar.” Falando de sua rotina
dentro de casa, no Brasil, assinalou outra novidade: “Eu nunca fiz minha
própria cama.” Outra diferença, como se sabe.
Bob Bradis conta que Aécio lamentava, naquele fevereiro de 1977, que
estivesse fora do Brasil por causa do carnaval. Há uma grande festa
antes do início da Quaresma, disse Aécio. O jovem brasileiro contou como
todos dançam nas ruas, comem, bebem até altas horas e então vão para
casa dar um mergulho, para aí retornar para mais festas. “É a melhor
época do ano.” Segundo o Franklin-News, Aécio disse ainda: “Essa é a
única época em que a classe baixa e a classe alta se reunem.”
Perguntado sobre seu próprio futuro, Aécio disse que pretendia
estudar engenharia mas falou que provavelmente acabaria entrando na vida
política, como seu pai, que era deputado pela Arena, o partido de
sustentação do regime militar, e seu avô, que era um dos principais
líderes do MDB, partido da oposição civil.
Dois anos depois do fim de semana em Middlebush, Aécio Neves obteve
um emprego na Câmara de Deputados. Foi contratado como assessor do
próprio pai. A Câmara funcionava em Brasília, mas Aécio continuou
morando no Rio de Janeiro. Cuidava da agenda do pai à distância, embora
não houvesse internet naquele tempo. Mas não era um trabalho ilegal. A
Câmara só passou a obrigar assessores parlamentares a atuar em Brasília a
partir de 2010.
Mas, se pudesse refletir ao longo dos anos, o repórter Bob Bradis
poderia avaliar o duradouro significado de uma frase em seu caderno de
notas: “Eu nunca fiz minha própria cama.”