A força simbólica no ato com Dilma e Lula na PUC de São Paulo
Desde a campanha de 89 que não se via um ato político com tamanha 
carga de emoção em São Paulo. Os paulistas que votam no PT (e também 
aqueles que, apesar de não gostarem tanto do PT, resolveram reagir à 
onda de ódio e conservadorismo que tomou conta das ruas) foram nesta 
segunda-feira/20 de outubro para o TUCA – histórico teatro da PUC-SP, no
 bairro de Perdizes.
O TUCA tem um caráter simbólico. E o PT, há tempos, se descuidara das
 batalhas simbólicas. O TUCA foi palco de manifestações contra a 
ditadura, foi palco de atos em defesa dos Direitos Humanos. Portanto, se
 há um lugar onde os paulistas podem se reunir pra dizer “Basta” à onda 
conservadora, este lugar é o teatro da PUC.
O PT previa um ato pra 500 ou 800 pessoas, em que Dilma receberia 
apoio de intelectuais e artistas. Aconteceu algo incrível: apareceu 
tanta gente, que o auditório ficou lotado e se improvisou um comício do 
lado de fora – que fechou a rua Monte Alegre.
Em frente ao belo prédio, com suas arcadas históricas, misturavam-se 
duas ou três gerações: antigos militantes com bandeiras vermelhas, 
 jovens indignados com o tom autoritário e cheio de ódio da campanha 
tucana, e também o pessoal de 40 ou 50 anos – que lembra bem o que foi a
 campanha de 89.
No telão, a turma que estava do lado de fora conseguiu acompanhar o 
ato que rolava lá dentro. Um ato amplo, com gente do PT, do PSOL, PCdoB,
 PSB, além de intelectuais e artistas que estão acima de filiações 
partidárias (como o escritor Raduan Nassar), e até ex-tucanos (Bresser 
Pereira).
Bresser, aliás, fez um discurso firme, deixando claro que o centro da
 disputa não é (nunca foi!) corrupção, mas o embate entre ricos e 
pobres. “Precisou do Bresser, um ex-tucano, pra trazer a luta de classes de volta à campanha petista” – brincou um amigo jornalista.
Gilberto Maringoni, que foi candidato a governador pelo PSOL em São 
Paulo, mostrou que o partido amadurece e tende a ganhar cada vez mais 
espaço com uma postura crítica – mas não suicida. Maringoni ironizou o 
discurso da “alternância de poder” feito pelo PSDB e pela elite 
conservadora: “Somos favoráveis à alternância de poder. Eles 
governaram quinhentos anos. Nos próximos quinhentos, portanto, 
governaremos nós”.
O “nós” a que se refere Maringoni não é o PSOL, nem o PT. Mas o povo –
 organizado em partidos de esquerda, em sindicatos, e também em novos 
coletivos que trazem a juventude da periferia para a disputa.
Logo, chegaram Dilma e Lula (que vinham de outro ato emocionante e 
carregado de apelo simbólico – na periferia da zona leste paulistana). 
Brinquei com um amigo: “bem que a Dilma agora podia aparecer nesse balcão do TUCA, virado pro lado de fora onde está o povo…”. O amigo respondeu: “seria bonito, ia parecer  Dom Pedro no dia do Fico”. Muita gente pensou a mesma coisa, e começaram os gritos: “Dilma na janela!”
Mas a essa altura, 10 horas da noite, só havia o telão. As falas lá 
dentro, no palco do Teatro, foram incendiando a militância que seguia 
firme do lado de fora – apesar da chuva fina que (finalmente!) caía 
sobre São Paulo. Vieram os discursos do prefeito Fernando Haddad, de 
Roberto Amaral (o presidente do PSB que foi alijado da direção 
partidária porque se negou a alugar, para o tucanato, a histórica 
legenda socialista), e Marta Suplicy…
Vieram os manifestos de artistas e professores – lidos por Sergio 
Mamberti. E surgiram também depoimentos gravados em vídeo: Dalmo Dallari
 (o antigo jurista que defende os Direitos Humanos) e Chico Buarque.
Quando este último falou, a multidão veio abaixo. A entrada de Chico 
na campanha teve um papel que talvez nem ele compreenda. Uma sensação de
 que – apesar dos erros e concessões em 12 anos de poder – algo se 
mantem vivo no fio da história que liga esse PT da Dilma às velhas lutas
 em defesa da Democracia nos anos 60 e 70.
Nesse sentido, Chico Buarque é um símbolo só comparável a Lula na esquerda brasileira.
Aí chegou a hora das últimas falas. Lula pediu que se enfrente o 
preconceito. Incendiou a militância. E Dilma fez um de seus melhores 
discursos nessa campanha. Firme, feliz.
O interessante é que os dois parecem se completar. Se Lula simboliza 
que os pobres e deserdados podem governar (e que o Estado brasileiro não
 deve ser um clube de defesa dos interesses da velha elite), Dilma 
coloca em pauta um tema que o PT jamais tratou com a devida importância:
 a defesa do interesse nacional.
Dilma mostrou – de forma tranquila, sem ódio – que o PSDB tem um 
projeto de apequenar o Brasil. Lembrou os ataques ao Brasil nas 
manifestações contra a Copa (sim, ali o que se pretendia era rebaixar a 
autoestima do povo brasileiro, procurando convencê-lo de que seríamos 
um povo incapaz de receber evento tão grandioso), lembrou a incapacidade
 dos adversários de pensarem no Brasil como uma potência autônoma.
Dilma mostrou clareza, grandeza e calma. Muita calma.
Quando o ato terminou, já passava de 11 da noite. E aí veio a 
surpresa: Dilma foi – sim – pra janela, para o balcão do Teatro voltado 
pra rua.
No
 improviso, sem microfone, travou um diálogo com a multidão, usando 
gestos e sorrisos. Parecia sentir a energia que vinha da rua. Dilma, uma
 senhora já perto dos 70 anos (xingada na abertura da Copa, atacada de 
forma arrogante nos debates e na imprensa), exibiu alegria e altivez.
Foram dez minutos, sem microfone, sem marqueteiro. O povo cantava, e 
Dilma respondia – sem palavras. Agarrada às grades do pequeno balcão, 
pulava e erguia o punho cerrado para o alto. Não era o punho do ódio. 
Mas o punho de quem sabe bem o lado que representa.
Dilma não é uma oradora nata, não tem o apelo popular de um Lula. Mas
 nessa campanha ela virou líder. O ato no TUCA pode ter sido o momento a
 marcar essa passagem. Dilma passa a ser menos a “gerente” e muito mais a
 “liderança política” que comanda um projeto de mudança iniciado há 12 
anos.
Dilma traz ao PT uma pitada de Vargas e Brizola, de trabalhismo e de 
defesa do interesse nacional. E o PT (com apoio da  militância popular, 
não necessariamente petista) finalmente parece ter incorporado Dilma não
 como a “continuadora da obra de Lula”, mas como uma liderança que se 
afirma por si. Na luta concreta.
Uma liderança que – na reta final, nessa segunda-feira de garoa fina 
em São Paulo – pulava feito menina no ritmo da rua, pendurada no 
histórico balcão da PUC de São Paulo. Dilma ficou maior!

 
