Pra gente mais velha que sempre viu nos mascarados o símbolo do banditismo ou do super heroísmo - este nos casos de Zorro, Batman e outros quetais e aquele nos assaltos e crimes - o surgimento dos blocos negros parece mais uma incógnita. Há gente louvando esses black-blocs e outros os satanizando.
No andar dessa carruagem, Paulo Moreira Leite, no seu Blog da IstoÉ põe às claras sua visão do assunto. Uma visão correta e acertada.
Mascarados vieram para criminalizar democracia
Por Paulo Moreira Leite (*)
A máscara é um convite para a ação da tropa de choque, pois demonstra que as autoridades se mostram incapazes de manter a ordem
Os protestos de junho de 2013 trouxeram a
novidade das máscaras. É um debate importante, que mobilizou prós e
contras em vários lugares. Cinco meses depois, os mascarados continuam
em atividade, cada vez mais intensa.
As principais alegações a favor das máscaras envolvem argumentos simplórios.
Dizem que os mascarados são indivíduos no exercício de seus direitos
políticos e têm direito de se proteger de qualquer ação repressiva.
Será?
Nós sabemos que a Constituição garante a liberdade de expressão, mas
veda o anonimato – como aprendi recentemente durante almoço em plena
Vila Madalena.
Não vamos falar de certas situações de opressão geral que em alguns países podem justificar o uso de máscaras.
Num país democratizado, como o Brasil, as máscaras teriam outro
efeito político se o País se encontrasse numa situação revolucionária de
duplo poder, em que é razoável colocar em questão o monopólio da
violência sobre o Estado.
No país de 2013, seu único efeito prático é ajudar a criminalizar os
protestos e a própria luta política extraparlamentar, necessária a todo
momento para avançar determinadas reivindicações que o Congresso ignora.
A máscara é um convite para a tropa de choque entrar em ação porque é
uma demonstração irrefutável de que as autoridades se mostram incapazes
de manter a ordem, mesmo que momentaneamente.
O sujeito que saiu de casa mascarado se autodenuncia e manda um recado: vai aproveitar a mobilização para cometer atos ilegais.
É tão óbvio que a polícia, se tiver um mínimo de responsabilidade, de
sentido de cumprir seu dever legal, irá prestar atenção redobrada a
seus movimentos e contra-atacar na primeira oportunidade.
Está na cara que a PM, primeiro instrumento criado pela ditadura
militar para reprimir as mobilizações populares, e que não foi reformada
como ser necessário depois da democratização, fala a língua da
violência. Atira para machucar e bate para ferir. Admite matar – mesmo
que teoricamente por acidente -- com uma bala de borracha.
Por isso todas as intervenções da PM tendem a dar errado quando
vistas pela atual consciência democrática do país. E é o caso de evitar
pensamentos ingênuos quando se discute porque ela não é reformada nem
reeducada. Porque não interessa, vamos combinar. E nós sabemos quem tem
força e articulação para definir, estruturalmente, o que interessa e o
que não interessa mudar, certo?
Estudantes serão feridos de forma bruta. Manifestantes serão
conduzidos para a cadeia de modo arbitrário, cumprindo temporadas
ridiculamente longas de detenção. E aí o foco do protesto, com
justiça, será a própria polícia e, por essa via, a ação do Estado.
Estive em Washington quando grupos ultrarradicais queriam impedir uma
reunião do FMI e foram paralisados por uma ação preventiva, pacífica e
sem violência, da polícia local. Então há diferença entre uma situação e
outra.
Há outras questões nestas máscaras. Sem responder a uma situação
política especifica, onde pode ser necessária, sua violência permanente
auxilia no reforço da ordem.
O discurso de quem esconde o rosto é que ele se dedica a destruir
“símbolos” do capitalismo. Bobagem. Seus atos destroem patrimônio real
do capitalismo, que custou trabalho de assalariados, que serão, de uma
forma ou outra, forçados a pagar pelo prejuízo. Como empregados,
enfrentarão pressões nos salários e benéficos. Como cidadãos, serão
forçados a pagar sua parte no prejuízo pelo aumento de taxas e tarifas.
Como consumidores, podem perder um automóvel ou mesmo serem obrigados a
pagar a reforma de sua casa.
Simbólico, aqui, é outra coisa -- o show -- sob medida para reforçar clamores por lei e ordem.
A sociedade do espetáculo despreza os homens simples do povo, os
verdadeiros cidadãos que podem ser protagonistas de mudanças relevantes e
duradouras porque estimula símbolos que combinam com a ideologia que
ela defende e divulga: o individualismo, o meio como substituto do fim. O
caráter puramente destrutivo de sua atividade determina que sua função
seja produzir impasses.
Seu universo não é o da política, pois pertence a sociedade de
consumo. Não aceita heróis dde pessoas de carne, osso – e rostos – mas
personagens que poderão ser promovidos e descartados ao saber das
conveniências.
Há um elemento narcisista no militante mascarado mas sua força de
atração é outra. Ele tem uma postura de busca permanente pelo confronto,
que sempre poderá ser objeto de consumo num tempo em que faltam opções
revolucionárias reais no horizonte.
Ao contrário do que ocorria em outros momentos históricos, a partir
da chegada de Lula no Planalto temos um governo que procura encaminhar
as reivindicações de trabalhadores e da população mais pobre, com
avanços, recuos, acertos e muitos erros mas um saldo geral positivo,
mesmo que limitado, mas suficiente para exasperar os setores
historicamente dominantes.
Estes mantêm uma relação ambígua com os mascarados. Declaram-se
horrorizados com seus atos mas não deixam de enviar mensagens de
estímulo e tolerância, pois a máscara sempre será muito útil enquanto
servir para desgastar o governo Dilma, paralisar instituições e impedir
reformas necessárias – inclusive do sistema político.
A máscara tem a vantagem de que nunca se sabe quem é o rosto por
trás dela e sempre será possível permitir o governo de incapaz de manter
a ordem e defender a democracia, um desses argumentos obviamente
ululante em toda intervenção contra os direitos do povo.
Qualquer que seja o discurso e a ideologia dos mascarados, a função
real de sua violência é retirar a legitimidade do processo histórico que
o país vive hoje.
O resultado dessa atividade não beneficia a maioria da população e cria obstáculos a novas conquistas.
Desmoraliza organizações dos trabalhadores, por mais que dê a
impressão de ajuda-las – e até possa se mostrar útil diante da extrema
violência da PM. Sua violência não corresponde ao momento político real
e, como todo gesto político feito sob estas condições, cedo ou tarde se
voltará com contra os mais fracos. Todas gerações de brasileiros
assistiram a este filme.
Quanto o serviço de desmoralizar os símbolos da democracia tiver
terminado, os mascarados serão retirados de cena – e aí sobrará menos
liberdade e mais repressão para quem nada tinha a ver com machadinhas,
máscaras e violência.
***
Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".