atrai polícia e evoca Bastilha
Bob Fernandes
Casamento de Beatriz Barata, neta de Jacob Barata, o "Rei dos ônibus" no
Rio. Terminou com protestos e agressões diante do Copacabana Palace.
Difícil separar o que é indignação de quem usa ônibus caro e ruim do que
é apenas rancor contra quem tem mais.
De um lado, os que pouco ou nada têm e são submetidos à vida dura, às
vezes humilhante. Vida onde o recalque, o ressentimento podem ser o
resultado. O outro, é o mundo dos que mesmo tendo tudo é como se não
tivessem nada.
Nas manifestações recentes e legítimas vimos representantes desse mundo.
Um mundo onde alguns despejam um ódio que nada tem a ver com falta de
condições materiais, ou de oportunidades. Esse ódio de quem já tem é
ainda mais assunto para a psicanálise e a sociologia.
Essa gente pede adjetivos, daqueles que nascem do estomago. Do que se
sente diante de tipos como um que, desde o Copacabana Palace, atirou um
cinzeiro contra quem protestava na calçada.
Uma gente que fez ainda pior, como Daniel, irmão da noiva. Da sacada do
hotel o jovem neto do "Rei" jogou aviõezinhos com notas de R$ 20. Daniel
é acusado ainda de ter descido do baile e agredido dois manifestantes.
O neto do "Rei " é a expressão de certa porção do país. De quem mesmo
sem ter motivos, ao menos sem ter carências materiais, carrega
sentimentos quase incompreensíveis.
É uma gente que não esconde o ódio. Ódio que só pode ser explicado por
uma vasta e profunda ignorância. Ignorância e incultura que o dinheiro
não consegue esconder.
Gente que encontramos no cotidiano. Que usa as expressões "nordestinos" ,
"nortistas" e "operário" como se cuspisse. Que se vale da palavra
"negro" como se fosse um palavrão.
"Favelado" e "Maloqueiro" são sinônimos do que essa gente entende como o
pior que pode acontecer a um humano. E o Rio de Janeiro dos Barata tem 1
milhão e 700 mil humanos morando em 1.071 favelas.
Em momentos como esse, nossa realeza grita como gritava o neto Barata
enquanto atirava notas de R$ 20 pela sacada do hotel. Grita e xinga com o
que entende ser a pior ofensa da língua portuguesa: "Pobre".
Felizmente o Brasil é muito melhor do que isso. E tem quem, com
inteligência e humor extraordinários, perceba e traduza esses Brasis que
se chocam e chocam.
Há dias, perguntado sobre que cartaz levaria a uma manifestação, Luis
Fernando Veríssimo resumiu tudo isso de maneira minimalista. Verissimo
levaria um cartaz perguntando: "Pra que lado fica a Bastilha?".
A propósito: o baile do "Rei" e netos dos Barata se deu na madrugada do 14 de julho, a data da Revolução Francesa.