A inspiração da "redentora"...
Se alguém procurava ligações entre o golpe militar de 1964 e o obscurantismo medieval, a Biblioteca Nacional acaba de dar uma inestimável contribuição.
Nos chamados "anos de chumbo" da ditadura militar, dezenas de obras e produções literárias e artísticas foram censuradas pelo mais bizarros motivos, entre eles um elástico "princípio de preservação dos bons costumes e das tradições da família cristã".
Pois, agora, na exposição "É proibido... mas a Rainha pode" vem a público algumas obras banidas por Dona Maria I, a Rainha Louca, mãe de Dom João VI e autora da sentença que condenou a morte os Conjurados de Minas Gerais em 1792.
A Agência Brasil publica matéria que mostra que livros com imagens do corpo humano, a possível existência da papisa Joana e outros quetais fizeram parte da listagem de fazer inveja ao Julinho da Adelaide - pseudônimo usado por Chico Buarque para fazer passar pela censura algumas de suas mais singelas composições.
A matéria é a seguinte:
Livros proibidos de dona Maria I, a Louca, podem ser vistos na Biblioteca Nacional
Vladimir Platonow
Repórter da Agência Brasil
Rio
de Janeiro – Obras banidas da sociedade, por motivos políticos ou
religiosos, faziam parte do acervo pessoal de dona Maria I, rainha de
Portugal e mãe de dom João VI. Livros proibidos pela Santa Inquisição,
que deveriam ter sido queimados, na verdade permaneceram guardados nas
estantes da corte, escapando da destruição.
Quando a Família Real veio
para o Brasil, em 1808, trouxe de navio um acervo estimado em cerca de
60 mil obras, incluindo aquelas que deveriam ter sido destinadas à
fogueira.
Uma pequena parte desses livros pode ser vista na Biblioteca Nacional (BN), na exposição É Proibido... mas a Rainha Pode.
São 20 obras escolhidas pela curadora da mostra, a bibliotecária Ana
Virgínia Pinheiro, chefe da Divisão de Obras Raras. Segundo ela, a
criação da BN - historicamente reconhecida a dom João VI - deveria ser
creditada à dona Maria I, uma personagem pouco estudada e que ficou
conhecida para os brasileiros como Maria, a Louca, por conta de seus
problemas mentais, mas que em Portugal era conhecida como Maria, a
Piedosa.
“O objetivo é resgatar um pouco a imagem
dessa mulher, que enlouqueceu por conta de todos os filhos que perdeu
[dos sete que gerou, apenas dom João VI sobreviveu]. Ela foi a primeira
rainha portuguesa, mas, para isso, a legislação da época teve que ser
alterada, e ela precisou casar com um tio, para que a coroa continuasse
sob o controle da família Bragança.”
Segundo a bibliotecária, os livros eram
censurados ou banidos por motivos que desagradassem a Igreja ou os reis.
Em alguns casos, as páginas tinham trechos riscados ou cobertos por
panos. Em outros, páginas ou capítulos inteiros eram suprimidos.
No raríssimo Margarita Philosophica Nova Cui Annexa Sunt Sequentia,
de Gregor Reisch, publicado em 1515, considerado a primeira
enciclopédia moderna, a figura do corpo humano, onde aparecem os órgãos
internos, tem a genitália escondida por uma peça de roupa desenhada
posteriormente. Em outra obra, Dialogos de Varia Historia,
de Pedro Mariz, publicada em 1598, sobre biografias de reis e rainhas
de Portugal, o verbete sobre a rainha Santa Isabel acabou suprimido,
provavelmente pelo Tribunal da Inquisição, pois ela era apresentada como
uma rainha milagrosa.
No livro Regitrum Huius Operis Libri Cronicarum cum Figuris et Ymagibus ab Inicio Mundi,
conhecido como Crônica de Nuremberg, publicado por Hartmann Schedel, em
1493, que se propõe a contar a história do mundo, o verbete sobre a
papisa Joana foi rasurado e coberto por papeis colados. A papisa Joana
teria vivido no século IX e, com identidade masculina, ingressou em um
mosteiro, chegando a cardeal e depois a papa, sucedendo a Leão IV,
adotando o nome de João VII. A história, porém, coloca em dúvida sua
existência, pois há falta de documentação. Para alguns, os registros
teriam sido destruídos para apagar sua memória.
“Havia a censura moral, a autocensura, a
censura política, a censura religiosa, a censura social. Eram várias
formas de controlar o circuito da informação, a partir do ponto de vista
de uma determinada época”, destacou Ana Virgínia. Ela lembra que cada
período histórico teve seus episódios de censura. Durante a ditadura
militar brasileira, por exemplo, exemplares condenados pelos censores
não podiam ser exibidos na Biblioteca Nacional e tinham de ficar fora de
catálogo, embora os bibliotecários, pelo amor e dedicação aos livros,
dessem um jeito de esconder os exemplares, para que não fossem
eliminados.
A exposição pode ser vista de
segunda-feira a sexta-feira, das 10h às 17h, até 5 de julho. A entrada é
gratuita. Outras informações podem ser obtidas na página da Biblioteca
Nacional na internet: www.bn.br.
Edição: Davi Oliveira