Faço minhas as palavras do Professor Aldo Fornazieri nesta análise:
No labirinto da crise não há um Teseu
No labirinto da crise brasileira não há um Teseu disposto a libertar a
nossa Atenas. Não há saídas, não há um fio de novelo, não há uma
Ariadne. O governo Temer representa a medonha figura do Minotáuro.
Melhor dizendo: do Chupa-cabras. A cabeça racional desse monstro é a
equipe econômica. Ela está aí para tentar manter vivo esse monstro
sangrento. Monstro que é fruto de uma cópula antinatural realizada entre
a Enganação e a Conspiração. Para que o monstro viva é necessário muito
sangue que será sugado dos desempregados, dos cortes no SUS, na
Educação, na Cultura, nos direitos e programas sociais. Sangue que virá
do ataque a órgãos de Estado como o IPEA, a áreas como Ciência e
Tecnologia e aos ministérios sociais em geral. Bastará que o golpe seja
consumado em definitivo para que essa sangria toda seja desatada.
A única forma que o governo Temer terá para sobreviver consiste na
promoção dessa devastação. O Fiesp não pagará o pato. O centrão de
Eduardo Cunha quer que Temer pague o jantar. Cunha, prensado entre o
risco de cassação somado às investidas do Ministério Público e a
covardia do STF ameaça arrastar o que resta dos escombros da República
para o fundo do labirinto. Chantagista maior, prostrou o Brasil e boa
parte da opinião pública com sua participação decisiva na queda de
Dilma. Agora, persistindo na senda da chantagem, ameaça promover uma
terra arrasada no governo e no Congresso. Quer ser salvo. Poderá ser
salvo se o STF continuar no caminho da escandalosa omissão.
Diante desse cenário, se esse governo sedento de sangue se consolidar
teremos ondas de choque crescentes nas ruas. O Ministro da Justiça
acionará os governadores para que a repressão policial aos movimentos
sociais aumente. Mesmo assim, o governo Temer não conseguirá sair do
labirinto, pois se encontra sitiado de vários lados. Rejeitado pela
população – sua rejeição é maior do que a de Dilma – é visto como
golpista e ilegítimo. Os seus representantes são chamados de golpistas
em todos os lugares. Nas ruas, cresce a contestação. Temer vive o terror
da chantagem de Cunha e tem noites de insônia em face da dívida para
com o centrão. A Lava Jato é outro tormento. Como ele não sabe o que o
Ministério Público sabe, Temer vive o desconforto do medo de que o MP
saiba muito e fagulhas de esperança de que saiba pouco. Abrigado no
labirinto do Palácio do Planalto e sedento pede que lhes levem presas.
Esse pedido se tornará excepcionalmente alto se o Senado aprovar o
impeachment.
Temer teve uma enorme oportunidade histórica, oferecida pela crise do
governo Dilma e pela conspiração. Enredado com compromissos
inconfessáveis, provavelmente enredado ele mesmo com coisas mal feitas,
ambicioso e sem grandeza, não aproveitou a ocasião oferecida pelas
circunstâncias e deverá ter a inglória de um enorme desabono das páginas
da história.
No outro lado da praça, a Câmara dos Deputados é um corpo sem cabeça
ou, talvez, com uma cabeça externa, oculta, ameaçadora – a de Cunha. O
Senado, por sua vez, parece uma cabeça sem corpo. A única coisa que
prospera aí, mesmo com a prisão decretada, é Renan Calheiros. O resto é
jogo de acomodação, os conciliábulos de sempre, a salvação dos
interesses próprios. A falta de coragem dos senadores petistas, tirante
um ou outro, é lamentável.
O PSDB, principal fiador do golpe, começa assistir a sua ilibada
imagem de senhores de camisas engomadas se estatelar na lama que sempre
tentaram esconder. O seu cacique maior, o inconformado, o incontrariável
Aécio Neves, mesmo com a proteção do capitão do mato do STF, terá que
começar a responder para a Justiça – se é que essa coisa existe para
esses ilustres senhores. Surgem escândalos e mais escândalos com a marca
de plumas e bicos tucanos. Existem enormes evidências de que o PSDB foi
beneficiário de um fantástico petropropinoduto durante o governo FHC.
De principal patrocinador do golpe, o PSDB se tornou um coadjuvante
envergonhado de um governo sitiado.
Sem Ariadne e sem fio de novelo
Dilma Rousseff não é uma Ariadne. Não sabe e nem pode ajudar um Teseu
que não existe. Não tem um novelo para indicar uma saída do labirinto.
Incapaz de reagir em 2015 ensaia agora oferecer uma saída pelo
plebiscito que o PT e os demais partidos não querem. O PT já encontrou o
seu modo de acomodação: torce para que o impeachment seja consumado
para fazer uma forte oposição, classificando o governo Temer de
ilegítimo. Pude ouvir a defesa dessa tese pessoalmente na manifestação
de sexta-feira da boca de dirigentes do partido. Declaram-se felizes
pela primeira vez depois de 2011: estar na oposição.
Trata-se de um cálculo – de um cálculo que olha o calendário
eleitoral. Não é o cálculo dos movimentos sociais, não é o cálculo dos
desempregados, não é o cálculo daqueles que têm e terão direitos
cortados. O PT imagina que a possível desgraça do governo Temer poderia
significar a sua recuperação. O cálculo está errado, pois não resta
dúvida de que futuro próximo será definido por duras batalhas nas quais o
conservadorismo e a direita usarão meios legais e meios repressivos
para derrotar os movimentos sociais e progressistas. Essas saídas são
clássicas em governos ilegítimos e fracos. Buscarão a força e a lei
severa para compensar a falta de legitimidade. Buscarão impor uma
derrota de logo prazo aos movimentos sociais e às esquerdas.
Para quem participou dos protestos da última sexta-feira ficou
patente a falta de uma saída do labirinto da crise. Na Avenida Paulista
respirava-se o ar melancólico da acomodação e da aceitação do status quo
da crise. Os discursos tinham o tradicional caráter de protesto e de
contestação, mas sem indicar rumos. Os movimentos sociais e as esquerdas
mostram-se incapazes de atrair a imensa maioria social que não quer o
governo Temer. Querem permanecer nos seus redutos e, ainda, divididos.
As eleições municipais de 2016 mostrarão que as esquerdas continuarão
construindo sua tragédia, sua incapacidade de se unir. Num momento de
ofensiva da direita e do conservadorismo, Luiza Erundina, um emblema de
lutas, lança sua pré-candidatura para atacar Fenando Haddad. Em suma,
não há um Teseu, não há uma Ariadne, não há um fio de novelo. Há apenas
um labirinto, um escuro labirinto e um monstro medonho querendo ser
alimentado pelo sangue dos mais fracos, dos trabalhadores, dos que mais
sofrem.
Diante desse cenário desolador parece ser desejável que aconteçam
duas coisas: 1) que o Ministério Público se institua como uma Legião
Romana armada de gládios e que as portas de Roma sejam abertas pelos
pretorianos do STF, ou arrombadas, para que os políticos do governo e os
senadores e representantes da República sejam passados no fio da espada
da lei; 2) que o populus da República seja tomado de virtude e, pelas suas lutas, faça valer os seus direitos.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.