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segunda-feira, 13 de junho de 2016

O veredito final...

Faço minhas as palavras do Professor Aldo Fornazieri nesta análise: 


No labirinto da crise não há um Teseu 





 


No labirinto da crise brasileira não há um Teseu disposto a libertar a nossa Atenas. Não há saídas, não há um fio de novelo, não há uma Ariadne. O governo Temer representa a medonha figura do Minotáuro. Melhor dizendo: do Chupa-cabras. A cabeça racional desse monstro é a equipe econômica. Ela está aí para tentar manter vivo esse monstro sangrento. Monstro que é fruto de uma cópula antinatural realizada entre a Enganação e a Conspiração. Para que o monstro viva é necessário muito sangue que será sugado dos desempregados, dos cortes no SUS, na Educação, na Cultura, nos direitos e programas sociais. Sangue que virá do ataque a órgãos de Estado como o IPEA, a áreas como Ciência e Tecnologia e aos ministérios sociais em geral. Bastará que o golpe seja consumado em definitivo para que essa sangria toda seja desatada.

A única forma que o governo Temer terá para sobreviver consiste na promoção dessa devastação. O Fiesp não pagará o pato. O centrão de Eduardo Cunha quer que Temer pague o jantar. Cunha, prensado entre o risco de cassação somado às investidas do Ministério Público e a covardia do STF ameaça arrastar o que resta dos escombros da República para o fundo do labirinto. Chantagista maior, prostrou o Brasil e boa parte da opinião pública com sua participação decisiva na queda de Dilma. Agora, persistindo na senda da chantagem, ameaça promover uma terra arrasada no governo e no Congresso. Quer ser salvo. Poderá ser salvo se o STF continuar no caminho da escandalosa omissão.

Diante desse cenário, se esse governo sedento de sangue se consolidar teremos ondas de choque crescentes nas ruas. O Ministro da Justiça acionará os governadores para que a repressão policial aos movimentos sociais aumente. Mesmo assim, o governo Temer não conseguirá sair do labirinto, pois se encontra sitiado de vários lados. Rejeitado pela população – sua rejeição é maior do que a de Dilma – é visto como golpista e ilegítimo. Os seus representantes são chamados de golpistas em todos os lugares. Nas ruas, cresce a contestação. Temer vive o terror da chantagem de Cunha e tem noites de insônia em face da dívida para com o centrão. A Lava Jato é outro tormento. Como ele não sabe o que o Ministério Público sabe, Temer vive o desconforto do medo de que o MP saiba muito e fagulhas de esperança de que saiba pouco. Abrigado no labirinto do Palácio do Planalto e sedento pede que lhes levem presas. Esse pedido se tornará excepcionalmente alto se o Senado aprovar o impeachment.

Temer teve uma enorme oportunidade histórica, oferecida pela crise do governo Dilma e pela conspiração. Enredado com compromissos inconfessáveis, provavelmente enredado ele mesmo com coisas mal feitas, ambicioso e sem grandeza, não aproveitou a ocasião oferecida pelas circunstâncias e deverá ter a inglória de um enorme desabono das páginas da história.
No outro lado da praça, a Câmara dos Deputados é um corpo sem cabeça ou, talvez, com uma cabeça externa, oculta, ameaçadora – a de Cunha. O Senado, por sua vez, parece uma cabeça sem corpo. A única coisa que prospera aí, mesmo com a prisão decretada, é Renan Calheiros. O resto é jogo de acomodação, os conciliábulos de sempre, a salvação dos interesses próprios. A falta de coragem dos senadores petistas, tirante um ou outro, é lamentável.

O PSDB, principal fiador do golpe, começa assistir a sua ilibada imagem de senhores de camisas engomadas se estatelar na lama que sempre tentaram esconder. O seu cacique maior, o inconformado, o incontrariável Aécio Neves, mesmo com a proteção do capitão do mato do STF, terá que começar a responder para a Justiça – se é que essa coisa existe para esses ilustres senhores. Surgem escândalos e mais escândalos com a marca de plumas e bicos tucanos. Existem enormes evidências de que o PSDB foi beneficiário de um fantástico petropropinoduto durante o governo FHC. De principal patrocinador do golpe, o PSDB se tornou um coadjuvante envergonhado de um governo sitiado.

Sem Ariadne e sem fio de novelo

Dilma Rousseff não é uma Ariadne. Não sabe e nem pode ajudar um Teseu que não existe. Não tem um novelo para indicar uma saída do labirinto. Incapaz de reagir em 2015 ensaia agora oferecer uma saída pelo plebiscito que o PT e os demais partidos não querem. O PT já encontrou o seu modo de acomodação: torce para que o impeachment seja consumado para fazer uma forte oposição, classificando o governo Temer de ilegítimo. Pude ouvir a defesa dessa tese pessoalmente na manifestação de sexta-feira da boca de dirigentes do partido. Declaram-se felizes pela primeira vez depois de 2011: estar na oposição.

Trata-se de um cálculo – de um cálculo que olha o calendário eleitoral. Não é o cálculo dos movimentos sociais, não é o cálculo dos desempregados, não é o cálculo daqueles que têm e terão direitos cortados. O PT imagina que a possível desgraça do governo Temer poderia significar a sua recuperação. O cálculo está errado, pois não resta dúvida de que futuro próximo será definido por duras batalhas nas quais o conservadorismo e a direita usarão meios legais e meios repressivos para derrotar os movimentos sociais e progressistas. Essas saídas são clássicas em governos ilegítimos e fracos. Buscarão a força e a lei severa para compensar a falta de legitimidade. Buscarão impor uma derrota de logo prazo aos movimentos sociais e às esquerdas.

Para quem participou dos protestos da última sexta-feira ficou patente a falta de uma saída do labirinto da crise. Na Avenida Paulista respirava-se o ar melancólico da acomodação e da aceitação do status quo da crise. Os discursos tinham o tradicional caráter de protesto e de contestação, mas sem indicar rumos. Os movimentos sociais e as esquerdas mostram-se incapazes de atrair a imensa maioria social que não quer o governo Temer. Querem permanecer nos seus redutos e, ainda, divididos. As eleições municipais de 2016 mostrarão que as esquerdas continuarão construindo sua tragédia, sua incapacidade de se unir. Num momento de ofensiva da direita e do conservadorismo, Luiza Erundina, um emblema de lutas, lança sua pré-candidatura para atacar Fenando Haddad. Em suma, não há um Teseu, não há uma Ariadne, não há um fio de novelo. Há apenas um labirinto, um escuro labirinto e um monstro medonho querendo ser alimentado pelo sangue dos mais fracos, dos trabalhadores, dos que mais sofrem.

Diante desse cenário desolador parece ser desejável que aconteçam duas coisas: 1) que o Ministério Público se institua como uma Legião Romana armada de gládios e que as portas de Roma sejam abertas pelos pretorianos do STF, ou arrombadas, para que os políticos do governo e os senadores e representantes da República sejam passados no fio da espada da lei; 2) que o populus da República seja tomado de virtude e, pelas suas lutas, faça valer os seus direitos.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.