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sábado, 25 de outubro de 2014

Os dois beijos de Dilma...

Emoção é o que se sente ao ler este texto de Urariano Mota publicado pelo Viomundo do Azenha. Eu me emocionei ao imaginar a emoção pernambucana...


Urariano Mota, com sabor de mangaba e cajá: Uma noite com Dilma


Foto 2 maniefstacao Dilma
Foto do motorista na manifestacao
Foto 3 manifestacao dilma
Fotos Filipe Mendes

Dilma, a querida do Recife

por Urariano Mota, especial para o Viomundo

Roberto Carlos costuma falar que “são muitas emoções” em sua vida. Mas o Rei canta e não sabe o que são emoções de amor político, com afeição despudorada, num coletivo de paixão, porque não esteve presente  na mais feliz terça-feira do Recife. Assim falo porque ontem, 21 de outubro de 2014 — mas terá mesmo sido ontem? – digo, agora, mas um agora contínuo até domingo e adiante, em resumo, vou tentar escrever o que vi a partir da tarde de 21.

Aquilo que Dom Pedro II certa vez revelou, numa visita à cidade, que Pernambuco era um céu aberto, Lula, Dilma e o povo ontem atualizaram: o Recife é um coração aberto, pulsante, vermelho e pleno.

Assim falo porque as pessoas gritavam, cantavam “Dilma, eu te amo”. Não digo que tiravam a roupa, mas fizeram coisas mais impulsivas, desbragadas e delirantes.

Na Avenida Conde da Boa Vista, contente com o engarrafamento de carros que se formava em razão da caminhada com Dilma, o  motorista de um ônibus largou o volante e subiu para o teto. Para quê? De lá de cima, com uma bandeira vermelha, ele  dançou ao som de “Dilma, coração valente”.

A massa foi ao delírio. Achando pouco, o louco e sincero motorista fazia passos e voltas sobre o teto do ônibus, agarrado à bandeira, como se ela fosse a própria presidenta. Um crítico de música ao meu lado observou que ele estava em seu momento Michael Jackson. Mas para a massa da multidão, o motorista era, depois  de Lula e Dilma, o cara. E nós sorríamos, e acenávamos, e ele posava e pousava para as fotos dos celulares.

O recifense, o homem do povo, tem um modo de recepcionar, de receber, que é fora de esquadro, fora de governo, de regras de boas maneiras e da boa educação do colégio das damas. O povo é total, efusivo, de alegria.

Sim, achei a palavra que desde ontem procurava: alegria. Foi com a multidão alegre, a sorrir, a gargalhar, a dar vivas que Dilma foi recebida no Recife.

Quando lhe anunciaram o nome, lá na tarde às margens do Parque 13 de maio, uma corrente elétrica, de alta voltagem do frevo Vassourinhas correu a multidão.

Foi um fenômeno como uma ola nos estádios de futebol, não, foi como um urro, ainda não, foi como uma respiração em voz alta, um ar que correu em ondas e crescendo num som que não se distingue em palavras. E todos correram para a origem do fenômeno, porque havia chegado a presidenta.

Durante o percurso, nos ônibus pudemos ver mais gente que não podia descer, que voltava do trabalho e que não pôde vir, mas que gostaria muito de estar com toda a gente. Diante do gigantesco engarrafamento na Conde da Boa Vista, na hora, não, mas agora percebo que eu só podia ter pena das ambulâncias. Os pacientes que entendessem o momento histórico de Dilma na cidade. Fora das sirenas, o Recife era mais urgente. Parecia o Galo da Madrugada fora de época.
A multidão mostrava que Dilma é amada pelo povo do Recife. O povo lhe dedica uma afeição que já deixou de ser política, virou um caso pessoal. Ela virou o nosso caso na República.

Lula, para nós, é como um sogro, o nosso querido sogro que nos deu a sua filha num lance raro de generosidade. A multidão ontem, no comício, se comportava como se falasse para ela, “Dá licença, presidenta, o povo pede a sua mão”. E ela respondeu e correspondeu:

– Eu amo vocês, esta é a primeira coisa que eu queria falar. A segunda coisa é que eu nunca vi na minha vida um ato tão bonito, tão alegre, tão carinhoso como este.

Tentando chegar mais perto da sua afeição, um escritor amigo foi barrado quando desejou ficar mais junto do palanque. O pobre do literato só queria estar mais perto da pessoa da presidenta. Mas um dos seguranças lhe falou: “Aqui só passa se tiver credencial”.

Ao que o escritor respondeu: “Eu não tenho credencial, mas tenho todas as palavras”. Falou e amargou. Mas convenhamos, o escritor estava magoado, porque as palavras todas não saíram ali nem agora, como ele queria. É como um poema não escrito, porque as palavras mais eloquentes, as que vêm da ação, estavam sendo escritas ali, no ato, em gestos, canções e suspiros.

Dilma poderia falar o que quisesse. Poderia cantar “o cravo brigou com a rosa”, e todos aplaudiriam. Poderia ficar diante do microfone repetindo “sapo-sapo-sapo-sapo”, e o povo iria ao delírio.

Diriam, “como ela fala bem sapo-sapo-sapo!”. Sabem aquele afeição conquistada, que vê em tudo quanto vem da pessoa amada a coisa mais linda? Mas a presidenta, em lugar de palavras sem nexo, falou:

– Vamos mostrar que este país tem coluna vertebral, tem mulheres de coragem e fé. O estado de Pernambuco me honra estando perto de mim.

E abriu a bandeira do estado. Em Pernambuco, a bandeira que vem da revolução de 1817 é sagrada e acima de todas as coisas. E se estabeleceu então mais alta a corrente de afinidade. É uma relação de tal modo apaixonada, que uma senhora do povo me falou, com a maior intimidade, embora nunca nos tivéssemos conhecido antes, o que é raro entre pernambucanos, um povo em seu natural tímido.

Mas como a situação ali era outra, ela me disse com a voz embargada: “quando Dilma passou mal, depois daquele debate na televisão, eu fiquei… olhe, eu fiquei…” e não conseguia completar a frase, porque a lembrança lhe voltava em forte emoção.

E porque eu a compreendia eu pensava em lhe falar na língua de imbu, mangaba, graviola, cajá, azeitona, pitomba, abacaxi, goiaba, maracujá, manga, cana doce, numa fala de salada do Nordeste. Mistura de tudo, porque o povo mais misturado que já vi numa eleição estava presente.

No final, depois do comício, corremos feito loucos para flagrar a passagem da presidenta, que sairia por trás do palanque. Eu não era mais um cidadão de cabelos brancos, barrigudo, de fôlego curto, a léguas de distância de atleta de qualquer condição.

Eu era, todos éramos, voltávamos a ser mais uma vez meninos. Éramos a infância do que manda o coração.  A presidenta entendeu a nossa meninice. 

Na passagem, ela nos enviou 2 beijos.