Emoção é o que se sente ao ler este texto de Urariano Mota publicado pelo Viomundo do Azenha. Eu me emocionei ao imaginar a emoção pernambucana...
Urariano Mota, com sabor de mangaba e cajá: Uma noite com Dilma
Fotos Filipe Mendes
Dilma, a querida do Recife
por Urariano Mota, especial para o Viomundo
Roberto Carlos costuma falar que “são muitas emoções” em sua vida.
Mas o Rei canta e não sabe o que são emoções de amor político, com
afeição despudorada, num coletivo de paixão, porque não esteve presente
na mais feliz terça-feira do Recife. Assim falo porque ontem, 21 de
outubro de 2014 — mas terá mesmo sido ontem? – digo, agora, mas um agora
contínuo até domingo e adiante, em resumo, vou tentar escrever o que vi
a partir da tarde de 21.
Aquilo que Dom Pedro II certa vez revelou, numa visita à cidade, que
Pernambuco era um céu aberto, Lula, Dilma e o povo ontem atualizaram: o
Recife é um coração aberto, pulsante, vermelho e pleno.
Assim falo porque as pessoas gritavam, cantavam “Dilma, eu te amo”.
Não digo que tiravam a roupa, mas fizeram coisas mais impulsivas,
desbragadas e delirantes.
Na Avenida Conde da Boa Vista, contente com o engarrafamento de
carros que se formava em razão da caminhada com Dilma, o motorista de
um ônibus largou o volante e subiu para o teto. Para quê? De lá de cima,
com uma bandeira vermelha, ele dançou ao som de “Dilma, coração
valente”.
A massa foi ao delírio. Achando pouco, o louco e sincero motorista
fazia passos e voltas sobre o teto do ônibus, agarrado à bandeira, como
se ela fosse a própria presidenta. Um crítico de música ao meu lado
observou que ele estava em seu momento Michael Jackson. Mas para a massa
da multidão, o motorista era, depois de Lula e Dilma, o cara. E nós
sorríamos, e acenávamos, e ele posava e pousava para as fotos dos
celulares.
O recifense, o homem do povo, tem um modo de recepcionar, de receber,
que é fora de esquadro, fora de governo, de regras de boas maneiras e
da boa educação do colégio das damas. O povo é total, efusivo, de
alegria.
Sim, achei a palavra que desde ontem procurava: alegria. Foi com a
multidão alegre, a sorrir, a gargalhar, a dar vivas que Dilma foi
recebida no Recife.
Quando lhe anunciaram o nome, lá na tarde às margens do Parque 13 de
maio, uma corrente elétrica, de alta voltagem do frevo Vassourinhas
correu a multidão.
Foi um fenômeno como uma ola nos estádios de futebol, não, foi como
um urro, ainda não, foi como uma respiração em voz alta, um ar que
correu em ondas e crescendo num som que não se distingue em palavras. E
todos correram para a origem do fenômeno, porque havia chegado a
presidenta.
Durante o percurso, nos ônibus pudemos ver mais gente que não podia
descer, que voltava do trabalho e que não pôde vir, mas que gostaria
muito de estar com toda a gente. Diante do gigantesco engarrafamento na
Conde da Boa Vista, na hora, não, mas agora percebo que eu só podia ter
pena das ambulâncias. Os pacientes que entendessem o momento histórico
de Dilma na cidade. Fora das sirenas, o Recife era mais urgente. Parecia
o Galo da Madrugada fora de época.
A multidão mostrava que Dilma é amada pelo povo do Recife. O povo lhe
dedica uma afeição que já deixou de ser política, virou um caso
pessoal. Ela virou o nosso caso na República.
Lula, para nós, é como um sogro, o nosso querido sogro que nos deu a
sua filha num lance raro de generosidade. A multidão ontem, no comício,
se comportava como se falasse para ela, “Dá licença, presidenta, o povo
pede a sua mão”. E ela respondeu e correspondeu:
– Eu amo vocês, esta é a primeira coisa que eu queria falar. A
segunda coisa é que eu nunca vi na minha vida um ato tão bonito, tão
alegre, tão carinhoso como este.
Tentando chegar mais perto da sua afeição, um escritor amigo foi
barrado quando desejou ficar mais junto do palanque. O pobre do literato
só queria estar mais perto da pessoa da presidenta. Mas um dos
seguranças lhe falou: “Aqui só passa se tiver credencial”.
Ao que o escritor respondeu: “Eu não tenho credencial, mas tenho
todas as palavras”. Falou e amargou. Mas convenhamos, o escritor estava
magoado, porque as palavras todas não saíram ali nem agora, como ele
queria. É como um poema não escrito, porque as palavras mais eloquentes,
as que vêm da ação, estavam sendo escritas ali, no ato, em gestos,
canções e suspiros.
Dilma poderia falar o que quisesse. Poderia cantar “o cravo brigou
com a rosa”, e todos aplaudiriam. Poderia ficar diante do microfone
repetindo “sapo-sapo-sapo-sapo”, e o povo iria ao delírio.
Diriam, “como ela fala bem sapo-sapo-sapo!”. Sabem aquele afeição
conquistada, que vê em tudo quanto vem da pessoa amada a coisa mais
linda? Mas a presidenta, em lugar de palavras sem nexo, falou:
– Vamos mostrar que este país tem coluna vertebral, tem mulheres de
coragem e fé. O estado de Pernambuco me honra estando perto de mim.
E abriu a bandeira do estado. Em Pernambuco, a bandeira que vem da
revolução de 1817 é sagrada e acima de todas as coisas. E se estabeleceu
então mais alta a corrente de afinidade. É uma relação de tal modo
apaixonada, que uma senhora do povo me falou, com a maior intimidade,
embora nunca nos tivéssemos conhecido antes, o que é raro entre
pernambucanos, um povo em seu natural tímido.
Mas como a situação ali era outra, ela me disse com a voz embargada:
“quando Dilma passou mal, depois daquele debate na televisão, eu fiquei…
olhe, eu fiquei…” e não conseguia completar a frase, porque a lembrança
lhe voltava em forte emoção.
E porque eu a compreendia eu pensava em lhe falar na língua de imbu,
mangaba, graviola, cajá, azeitona, pitomba, abacaxi, goiaba, maracujá,
manga, cana doce, numa fala de salada do Nordeste. Mistura de tudo,
porque o povo mais misturado que já vi numa eleição estava presente.
No final, depois do comício, corremos feito loucos para flagrar a
passagem da presidenta, que sairia por trás do palanque. Eu não era mais
um cidadão de cabelos brancos, barrigudo, de fôlego curto, a léguas de
distância de atleta de qualquer condição.
Eu era, todos éramos, voltávamos a ser mais uma vez meninos. Éramos a
infância do que manda o coração. A presidenta entendeu a nossa
meninice.
Na passagem, ela nos enviou 2 beijos.