Wanderley explica segundo turno
Para Wanderley Guilherme dos Santos, convém recordar
que "deixar os desvalidos para trás é uma essência imutável no projeto
dos tucanos"
Um dos principais intelectuais brasileiros, o professor Wanderley Guilherme dos Santos é o pensador de momentos importantes da historia do Brasil. Seu artigo “Quem vai dar o golpe” permanece como uma obra indispensável para entender o movimento que derrubou o governo João Goulart. Nos textos reunidos em “Décadas de Espanto e uma Apologia Democrática,” Wanderley permite compreender as privatizações e as tentativas de mudar o papel do Estado no governo Fernando Henrique Cardoso. Na entrevista que você pode ler abaixo, feita logo após a contagem dos votos do primeiro turno da eleição presidencial, Wanderley lembra as diferenças entre Dilma e Aécio para dizer que “deixar os desvalidos para trás” é uma “essência imutável no projeto dos tucanos.” Avaliando o que está em jogo no segundo turno, o professor explica: “é mais do que desejável, sobretudo para os pobres, que agora entraram no orçamento da República, que Dilma obtenha tempo para consolidar uma arrancada econômica.” Demonstrado uma aplicação que poucos pesquisadores exibem, Wanderley Guilherme fez um levantamento minucioso dos investimentos do governo na área social, e também em projetos de infra-estrutura, que lhe permitem concluir que Dilma fez um governo “excelente.” A entrevista:
QUAL DEVE SER A PAUTA DO SEGUNDO TURNO?
Se a pauta do segundo turno for tão mofina e puramente expressiva
como a do primeiro, a taxa de abstenção, brancos e nulos tende a
aumentar. As duas candidaturas têm o que apresentar, projetos de mudança
em direções divergentes, mas reais.
QUAIS SÃO ESSAS DIFERENÇAS?
É óbvio não ser possível compatibilizar uma meta de 3% de inflação, a
ser buscada desde o primeiro dia de governo, com um aprimoramento das
políticas sociais, nem reduzir o ativismo estatal e retomar o
crescimento material da economia. E, em especial, o candidato tucano
finge apenas não saber que uma chaga de corrupção tão hiperbólica que
ocupa todo o seu discurso não poderia dar lugar aos programas sociais do
governo, nem garantir a desconcentração regional da economia. Nos
últimos dez anos, o crescimento médio per capita no Norte, no Nordeste e
no Centro-Oeste foi superior ao crescimento médio per capita do país
como um todo, e, este, superior ao do Sudeste e do Sul, na ordem. A
diferença entre os dois projetos é profunda, partem de convicções
distintas do que entendem por uma boa sociedade e de como chegar a ela.
QUAL É A GRANDE QUESTÃO DOS PRÓXIMOS DIAS?
A pergunta central posta na agenda, agora, é a seguinte: a votação de
Dilma está próxima de seu teto enquanto a de Aécio é apenas seu patamar
no reinício do jogo, ou vice-versa?
QUAL O BALANÇO DO PRIMEIRO TURNO?
Dispensadas as numerologias, o resultado da eleição presidencial de
2014 repetiu quase como Xerox a disposição final, por estado, a eleição
de 2010. O candidato do PSDB venceu naquela e ratificou a vitória, em
2014, nos estados do Centro-Oeste e no tradicional trio estadual, São
Paulo, Paraná e Santa Catarina. A candidata do PT reproduziu, em 2014, a
sólida hegemonia de que dispõe nos estados do Norte, Nordeste e alguns
estados do sudeste para baixo. Esta penetração do PT no Sudeste e Sul se
revela mais claramente nos resultados dos segundos turnos anteriores.
Olhando os mapas coloridos por vitórias partidárias em 2010 e 2014 vê-se
que a distribuição das manchas de são idênticas, com a novidade de que,
em dois estados, Acre e Pernambuco, Marina Silva obteve a maioria dos
votos, em 2014. A conclusão mais razoável indica que a distribuição
estrutural das preferências partidárias permanece sem grandes mudanças.
DÁ PARA EXPLICAR AS FALHAS NAS PESQUISAS?
As enormes falhas das pesquisas eleitorais estimulam a interpretação
de que houve significativa mudança nas preferências nacionais, que não
captaram. Diretores de institutos apontam para condições operacionais
das pesquisas, materialmente incapazes de captar mudanças ocorridas em
24 horas. O argumento é legítimo, em tese, mas não para explicar que, em
24 horas o candidato Aécio Neves tenha aumentado 11 pontos percentuais
em intenções de voto. Isso é impossível. O que ocorreu, com toda
probabilidade, foi que os institutos não captaram o que já vinha
acontecendo. O resultado final, agregado, estrutural, foi conservador.
Os institutos é que apontaram mudanças extraordinárias no eleitorado.
Não foi por aí.
COMO ENTENDER OS VOTOS DO PSDB EM SÃO PAULO?
As mudanças significativas ocorreram nas diferenças nas derrotas e
vitórias entre vitoriosos e derrotados, por estado. O PT perder para o
PSDB, em São Paulo, é normal, esquisita foi a diferença entre o que
diziam os institutos e o que disseram os eleitores. Comparada com
votações anteriores, nos candidatos tucanos à Presidência, o percentual
obtido por Aécio Neves flutuou, para cima, em torno dos resultados
históricos. O resultado fora da curva continua sendo o de Geraldo
Alkmin, curiosamente o menos carismático dos três competidores, ele,
José Serra e Aécio Neves. Em princípio, a votação de Aécio em São Paulo
se explica pelo histórico do PSDB, mas, e o medíocre desempenho
eleitoral de Dilma Roussef quando, em outro equívoco, os institutos lhe
atribuíam vitória? Esta questão pertence ao conjunto de resultados que,
embora historicamente consistentes, apresentaram números bastante
diferentes da eleição de 2010. O que importa, em uma vitória, são as
diferenças de vitórias locais que, no agregado, garantem a vitória
final. O que mudou bastante, em 2014, foram diferenças estaduais entre
vencedores e vencidos. E o caso de São Paulo é o mais espetacular deles.
COMO EXPLICAR ISSO?
Em minha opinião, o desempenho de Aécio Neves, em São Paulo, e em
outras regiões, se deve à recuperação da sigla PSDB nas eleições para a
Câmara dos Deputados. Depois de uma trajetória descendente nas últimas
três eleições, resgatou a posição de sólido terceiro partido na Câmara.
Os candidatos a deputado conduziram Aécio Neves, sem desdouro de seu
esforço pessoal. O presidenciavel contou com ventos favoráveis aos
candidatos proporcionais, ao contrário do que ocorreu nas eleições de
2006 e 2010.
E OS VOTOS PARA DILMA?
O quadro muda de direção na trajetória de Dilma Roussef. Ela buscou
obter vitórias com as maiores vantagens possíveis, que permitissem
compensar as desvantagens das derrotas. Mas o fez contra os ventos das
campanhas petistas. O PT perdeu dezoito deputados federais nas eleições
de 2014, com resultados vergonhosos como o de não conseguir eleger um só
deputado em Pernambuco. Em São Paulo o desempenho do PT foi igualmente
desapontador. Com toda a irritação que esse juízo possa provocar, Dilma
Roussef obteve bons resultados apesar da má conjuntura do Partido dos
Trabalhadores. Claro que os acordos, o trabalho das lideranças e da
militância petista contribuíram para a vitória de Dilma no primeiro
turno, mas as diferenças nas vitórias pontuais não geraram um agregado
confortável de votos, face ao desempenho histórico da candidatura
tucana. Caberia indagar as razões desse desconforto petista, mas aí é
outra história.
QUAL É A HISTÓRIA?
Seria necessário ir fundo na análise dos sabotadores movimentos
“Volta Lula”, entregando ao adversário a crítica de que até o PT estava
descontente com Dilma, e o “Lula 2018”, deixando a candidata com um
papel de gerente interina no próximo governo. Apesar de tudo isso, Dilma
foi capaz de, com sobriedade e sem apelar para as facilidades dos
gracejos, mostrar o excelente governo que vem fazendo. É mais do que
desejável, sobretudo para os pobres, que agora entraram no orçamento da
República, que Dilma obtenha tempo para consolidar uma arrancada
econômica, possível, mas sem deixar os desvalidos para trás, essência
imutável dos projetos tucanos.
O SENHOR FALOU QUE DILMA FEZ UM GOVERNO EXCELENTE. POR QUE?
Estive, no início da campanha, fazendo um levantamento precisamente
disso, mas abandonei porque ninguém parecia se interessar. Posso dar,
com precisão, os dados relativos ao crescimento médio per capita das
regiões, entre 2003 e 2012. Os números indicam as mudanças desde Lula,
mas, para início de conversa, vamos deixar claro que não houve
interrupção na linha iniciada por Lula. Isso já é para ser enfatizado
porque o período Dilma foi o que mais repercutiu os impacto da crise
internacional que ainda continua. Esse crescimento foi assim, em
porcentagem: Norte 3,0, Nordeste 2,9, Centro-)este 2,8, Brasil 2,4,
Sudeste 2,3, Sul 2,2. Os programas sociais foram todos continuados e os
benefícios aumentaram. A regra de cálculo do salário permaneceu a mesma,
garantindo poder de compra crescente. Foram criados programas sociais
novos: temos o programa de creches, água para todos, Pronatec, Rede
cegonha, Ciência sem fronteiras, Mais médicos. Estou citando de memória
e não lembro de todos.
MAS EXISTE UMA CRÍTICA ÀS OBRAS DE INFRA-ESTRUTURA.
No plano da economia material, os programas de investimento em
ferrovias, portos, rodovias, aeroportos, silos e outros aspectos da
infra-estrutura foram planejados, continuados (como a transnordestina e a
transposição do são francisco), ou redimensioados (como os programas de
energia, incluindo os não hidricos : hoje, o Brasil tem a quarta rede
de captação eólica no mundo). O tempo necessário para um planejamento
integrado desse vulto, já é de sí mesmo, muito grande, e muitos deles
começaram a ser pensados desde o PAC 1, de 2007, pois não adianta fazer
uma ferrovia que termina em lugar nenhum ou uma rodovia que só liga uma
cidade de lazer a outra. Do mesmo modo, portos e aeroportos devem servir
ao transporte de pessoas e bens, integrados a outros meios de
transporte: rodovias, ferrovias, por exemplo. Isso exige uma capacidade
de planejamento e gerencial que o país não possuia, de onde a expansão
acelerada nos cursos técnicos e universidades. Ao mesmo tempo, o
cronograma dessa revolução da infra-estrutura não é sincrônico, isto é, a
construção de uma ferrovia não termina junto com o fim do
reaparelhamento ou construção de um porto e por aí vai. Por isso, a
magnitude da mudança não é visivel a olho nu porque não estão todas em
operação.
QUAL A PERSPECTIVA DE UM SEGUNDO MANDATO ?
O segundo mandato de Dilma será, no mínimo, o de colher em indices de
desenvolvimento o que plantou em números impressionantes durante os
últimos quatro anos. Quando a oposição fala que falta planejamento no
país solta mais uma daquelas balelas, que sabem sê-las, contando com a
desinformação da classe média, que se beneficiará dos resultados, não
dos milhares de trabalhadores envolvidos na construção dessa
infra-estrutura.