Vivemos hoje no Brasil uma imensa quarta-feira de cinzas. Uma
quarta-feira sem fim. No silêncio das ruas, na quarta-feira mesmo, não
se ouvia nem um carro acelerado. Só os celerados de sempre, a reação
mais à direita, acompanhada pela esquerda que todo fascista deseja ter,
que comemorava a derrota da seleção brasileira como se fosse uma derrota
da presidenta Dilma. A estupidez é infinita, amigos.
Levantemos voo do chão mais básico: quantas Copas nós perdemos? Teria
sido melhor uma derrota final no Maracanã, como em 1950? Sim, falo
perder porque a nossa sorte estava selada, antes do jogo contra a
Alemanha. Mas não víamos, crentes que estávamos na fé, em palavras de
fé, de sentimento da fé no hexa. A fé ganha só no cacófato: fe-ganha.
A parte boa da derrota, amigos, é aprender com ela. Penso que é a
melhor, se não a única boa parte. As pessoas inteligentes, quando
sábias, passam os olhos de volta pelo caminho que andaram. Elas crescem
com a derrota. O pensamento vulgar, mesquinho, o pensamento de anúncio
de televisão, supondo que ali exista pensamento, divulga a máxima de que
o sucesso é a vitória. Ou a vitória é o sucesso. Mas esquecem, ou não
veem, que na vida real, o sucesso, a vitória, só se alcança com a
derrota. E não é a derrota do adversário. É a própria derrota de que um
dia poderá ter o sucesso. Mas como? Será isso verdade? Sim, somente o
exame maduro sobre o amargo poderá um dia ter a doçura. Somente o
trabalho sem trégua, sem descanso, alcançará o fruto, a maçã do paraíso.
Se isso é verdade para a pessoa, é mais clara ainda no progresso e no
desenvolvimento da ciência, do conhecimento humano. Reflitam: quantos
fracassos tivemos antes do acerto? Quantos alquimistas foram necessários
para que um dia houvesse a Química? Quantos homens de pensamento foram
torturados, queimados na fogueira da Inquisição, antes que se tornasse
universal que a terra é apenas um insignificante planeta entre as
galáxias e estrelas? Quantas vezes Thomas Edison fracassou antes da
invenção da lâmpada? Quantos cadáveres, ruínas houve antes da Teoria da
Evolução das Espécies e da Teoria da Relatividade? Quanta inumanidade,
quanta exploração, inconsciência houve antes que se escrevesse O
Capital?
Então eu digo que não há crescimento individual, nem coletivo, nem
humano, enfim, que se faça sem a derrota. Mas para que haja crescimento,
é preciso que se reflita sobre os erros cometidos. Que se retire deles o
sumo de toda amargura, que se revejam passos, que se tornem pontos de
discussão para o mais impiedoso exame, e só então poderá ter começo uma
vitória firme, segura, mas jamais arrogante. Porque na própria vitória
há um germe de derrota, no próprio sucesso há um momento de fracasso, no
passado ou no futuro.
Mas nada disso nos virá na entrevista do técnico Felipão, depois do desastre dos 7 a 1 contra a Alemanha.
Nos jornais de hoje lemos a notícia:
“Um dia após ver sua equipe passar o maior vexame da história da
seleção, Luiz Felipe Scolari deu entrevista coletiva e afirmou que não
tem como explicar a goleada por 7 a 1 para a Alemanha. Disse, porém, que
o time nacional está no caminho certo.
Felipão usou a entrevista para defender seu trabalho. Apontou
estatísticas da sua segunda passagem pelo time (19 vitórias, 6 empates e
3 derrotas) e lembrou que foi a primeira vez que o Brasil chegou à
semifinal da Copa desde 2002, quando comandou a equipe do
pentacampeonato.
Felipão classificou que houve uma ‘pane geral’ na seleção durante os seis minutos em que a Alemanha fez quatro gols seguidos”.
À primeira vista, ele fala suas razões como quem monta um currículo
para um emprego. Omite informações, ressalta outras. Pior: justifica os
erros. Se devemos supor que Felipão se encontra no pleno exercício das
faculdades mentais, ele mente, porque não mostra, além da retórica “a
culpa foi minha”, onde foi que ele errou.
A entrevista de Felipão, depois da humilhante derrota, pode assim ser
resumida: foi uma derrota sem erros. Mas Felipão faria melhor se
dissesse: perdemos porque o adversário ganhou. Não explicava, é claro,
mas em lugar da burrice e arrogância, teríamos pelo menos uma frase
irônica, que é sempre é um brinde à inteligência.
Felipão, que gosta tanto de livro de autoajuda, que faz um sarapatel,
uma mistura de escritores diversos e momentos deslocados e prega frases
nas portas dos apartamentos dos jogadores – ele não é um intelectual,
está visto, ele pesca no Google o que lhe pode servir como um pescador
no mar sem rumo e sem bússola – em resumo: Felipão, que gosta tanto de
autoajuda, depois da derrota frente à Alemanha bem que poderia refletir
nas palavras de Goethe, o clássico alemão acima da arrogância e da
barbárie.
Então vejamos o que Goethe escreveu em uma obra madura, Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister.
“— Não é obrigação do educador de homens
preservá-los do erro, mas sim orientar o errado; e mais, a sabedoria dos
mestres está em deixar que o errado sorva de taças repletas seu erro.
Quem só saboreia pouco o seu erro, nele se mantém por muito tempo, e
dele se alegra como se fosse uma felicidade rara. Mas quem o esgota por
completo, deve reconhecê-lo como erro, se não for demente”.
Aí está, Felipão, esta luz de Goethe, que parece ter sido escrita pra você, depois dos 7 a 1 sofridos:
“A sabedoria dos mestres está em deixar que o errado beba a taças
completa do seu erro. Quem só saboreia pouco o seu erro, nele se mantém
por muito tempo”.
Se assim o técnico brasileiro pudesse refletir, só então poderá
dizer, como Goethe, quando concluiu o Livro VII do seu romance com estas
linhas luminosas:
“Chegaram ao fim teus anos de aprendizado: a Natureza te absolveu”.
E nós, quem sabe se na próxima Copa, ou em outra, voltaremos a
vencer, depois desse amargo aprendizado. Mas não agora. Por enquanto, é
só uma imensa quarta-feira de cinzas.
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O texto, enviado por Urariano Mota, serviu de base para a sua coluna na Rádio Vermelho.
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