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quarta-feira, 18 de junho de 2014

O requiem para Joaquim...

Do Luís Nassif Online: 

Política

Joaquim Barbosa, o que poderia ter sido grande, mas foi apenas mau































Quando o outsider entrou no STF (Supremo Tribunal Federal), os senhores formais aceitaram com superior condescendência. O outsider tinha currículo, falava várias línguas, desenvolvera teses importantes sobre inclusão.
Mas era outsider. Não vinha de família de juristas, gostava do ambiente informal dos botecos, era de pouquíssimos amigos e nunca fez média na vida.
Conquistou tudo na porrada, dependendo dele e só dele.
Tinha tudo para entrar para a história, derrubando conchavos, despindo o formalismo e a hipocrisia de muitas togas, subvertendo formas de ver o mundo, trazendo para o Supremo os ares da contemporaneidade e a marca altiva de sua cor e dos que conquistaram tudo sem nunca ceder.
Mas faltava-lhe algo, uma peça qualquer no sistema emocional, que o tornou uma espécie de Mike Tyson com toga, uma força gigantesca e incontrolável assombrada por mil demônios internos que o impediram definitivamente de se tornar um grande.
O que moldou essa lado emocional tosco, rude, cruel, não se sabe. As intempéries da vida costumam construir grandes caráteres; mas também modelam a crueldade, a vingança permanente contra tudo e todos que ousem se interpor no caminho.
Foi o caso de Joaquim Barbosa.
Seu mundo tornou-se uma ilha pequena, restrita, cercada por um oceano infestado de tubarões querendo prejudica-lo, cada gesto contrário visto como ameaça ao que ele conquistou.
Cada julgamento tornava-se uma guerra a ser vencida a qualquer preço, até com a sonegação de provas, se necessário. O tribunal era a arena povoada de gladiadores sangrentos aguardando o polegar para baixo do público para a degola final dos inimigos. E todos eram inimigos, o réu a ser condenado, o colega que ousasse discordar de qualquer posição, o advogado que rebatesse seus argumentos, o jornalista que o criticasse. 

O ódio como seiva vital

Em poucas pessoas vi ódio tão acendrado, a raiva como motor de todas as atitudes, um egocentrismo tão exacerbado a ponto de tratar qualquer voz dissidente como um inimigo a ser aniquilado.
Talvez em José Serra, que, em todo caso, sempre foi suficientemente esperto para agir através de terceiros.
Joaquim Barbosa nunca usou as armas da hipocrisia, a malícia das jogadas. Como Tyson, sempre saía de peito aberto distribuindo porradas pelo mundo. O que o movia não era a desonestidade, a vontade do poder,  a busca da popularidade, sim, mas, acima de tudo, dar vazão ao ódio, sempre o ódio como seiva vital.
E esse bruto – na definição mais ampla do termo –foi transformado em campeão branco da mídia na disputa política. Emocionalmente tosco, embarcou no jogo de lisonjas, do “menino que mudou o Brasil”.
Por um tempo, exercitou o duplo jogo de quem se formou nas guerras da vida e na formalidade de um poder hierárquico. Enfrentava o mundo jurídico intimidando mentes formais com a truculência desmedida das discussões de rua e de botecos; e se impunha junto aos amigos de praia com a condescendência dos que subiram na vida mas não esqueceram as origens.
Acima de tudo, contava com o beneplácito da mídia, que ele conquistou sem pedir mas que lhe proporcionou ser ouvido pelas ruas.
Com tal poder, passou a quebrar dogmas, mas da pior forma possível, atropelando direitos, sendo agressivo até o limite da boçalidade em um ambiente eminentemente formal.

Os juristas que domaram a besta

Coube a dois juristas de extrema afabilidade desmontar a besta.
Um deles, Celso Antônio Bandeira de Mello, o doce Bandeira, unanimidade no mundo jurídico por sua firmeza cortez, pespegou-lhe na testa a definição definitiva: “É um homem mau”.
Outro, Luiz Roberto Barroso, o homem dos salões cariocas, o iluminista que, ainda como advogado, arejou o Supremo com a defesa de teses contemporâneas, ao reagir à agressividade inaudita de Joaquim, sem perder a calma e sem perder a firmeza.
E aí, começaram a desmoronar as estratégias emocionais de Joaquim Barbosa, para enfrentar os rapapés do mundo jurídico e a rudeza dos botecos.
No mundo juridico, a truculência deixou de intimidar, Pelo contrário, passou a ser tratada com uma impaciência cada vez maior de seus pares. No mundo dos bares, em lugar de só aplausos, passou a ser perseguido por vaias.
Aos poucos, os grupos de mídia perceberam que Barbosa tornara-se uma carga inútil, pesada, a vitrine onde estava exposta a parcialidade do julgamento da AP 470. Com sua irracionalidade, estava transformando os réus da ação em vítimas da arbitrariedade mais ostensiva.
No Supremo, sua única influência era sobre Luiz Fux.
Restava-lhe o apoio da malta, aquela parcela mais desinformada da sociedade, que aplaude linchamentos, que defende a lei de Talião, que se regozija com qualquer bode expiatório. E, no contraponto, as vaias da selvageria que despertou no lado oposto.
Dos dois lados do balcão, o homem mau só conseguia trazer à tona os piores sentimentos dos admiradores e dos críticos.

A cena final

Quanto mais se isolava, mais Joaquim Barbosa radicalizava as arbitrariedades.
Ganhou alguma sobrevida graças a mudanças nos procedimentos do STF que impediam impetrar habeas corpus contra decisões do presidente da casa, uma iniciativa do ex-presidente César Peluso supondo que jamais a presidência seria ocupada por uma pessoa desajustada.
As arbitrariedades foram tão ostensivas que um gesto totalmente fora das regras – do advogado de José Genoíno, invadindo uma sessão do STF para questiona-lo – não mereceu uma condenação sequer dos Ministros da casa. Pelo contrário, estimulou a defesa de Marco Aurélio de Mello, porque sabendo ser ato de absoluto desespero, de quem via leis e procedimentos jurídicos atropelados pela insanidade de um julgador.
E aí o poderoso, o imbatível Joaquim Barbosa pediu aposentadoria e, ontem, se afastou da AP 470 procurando se vitimizar, dizendo-se alvo de manifestos políticos e de ameaças do advogado.
Sai no momento em que o STF iria colocar um fim em suas arbitrariedades.
Do Jornal Nacional mereceu uma nota seca, que surpreendentemente terminou com uma frase do advogado que o enfrentou: “Agora, o Supremo poderá voltar a julgar com imparcialidade”. De seus pares, não mereceu nada, nenhuma saudação. Talvez na última sessão seja agraciado com os elogios aliviados de algum colega seguidor das formalidades do STF.
Saindo, passa uma enorme sensação de desperdício. Desperdício em relação ao que poderia ter sido na renovação do STF, na afirmação da diversidade racial, na consagração do esforço individual.
Fica apenas a imagem de um homem mau e sem grandeza, cujo objetivo final não está na história, mas em se vingar de um simples advogado que ousou enfrentar a sua ira.