Cidadania
Por Osvaldo Pereira
Porque eu espero que o Brasil jamais
copie modelo algum mundo afora, ou de como nenhum país entre os graúdos
ou grandes pode ser modelo para nós. E não venham falar de Chile,
Colômbia ou México, sem paralelos com a dimensão ou importância
econômica e política do Brasil.
O Brasil tem sido achincalhado,
maltratado, menosprezado, vulgarizado, simplificado, desmemorializado e
apequenado com intensa e inaudita persistência desde as tais “jornadas”
de junho de 2013.
Este fenômeno intenso de disseminação de
algo que não existia com tamanha proporção nesses trópicos, quero
dizer, o baixo astral, o pessimismo e ouso dizer, a viralatice
escancarada, antes intramuros, tem recebido a colaboração absolutamente
inequívoca de algo que muito apropriadamente o ilustríssimo jornalista
Luis Nassif denominou recentemente de midiatite.
Talvez jamais tenhamos passado por um
movimento deste calibre em nossa história recente. Em junho de 2013 na
sequência das depredações criminosas de símbolos do que temos de melhor
(dentre eles edifícios públicos centenários e outros recentes, mas
igualmente simbólicos, como o Itamaraty em Brasília, máquinas de
serviços bancários automatizados – setor altamente modernizado e
eficiente se comparado a qualquer outro país), até a FIFA, organização
internacional manchada por escândalos, falcatruas e esquemas mafiosos
passou a ser parâmetro para nossas escolas e hospitais!
A amnésia generalizada que tomou conta
do país também esqueceu que hospitais públicos brasileiros são
referências mundiais do que há de mais moderno em pesquisas na área de
saúde e medicina, a ponto de São Paulo, o maior polo desses serviços
públicos de altíssimo nível, ter intenso turismo de saúde,
principalmente de cidadãos de nossos vizinhos de toda a América Latina.
Sinceramente eu não desejo para o Brasil escola alguma padrão FIFA e
muito menos hospitais padrão FIFA, onde a “bola” (o verdadeiro padrão
FIFA), poderia resultar na escolha de quem deve viver ou morrer.
Nesta onda de pessimismo desencadeada de
forma artificial (a mencionada midiatite), a despeito dos números muito
positivos que encontrará qualquer análise sensata e científica da
evolução do país em indicadores socioeconômicos de livre escolha do
freguês dos últimos 10, 20 ou 30 anos, parece que estamos nos tornando
cada vez mais céticos, amargurados e descrentes de nossas próprias
forças e virtudes e cinzentos naquele sentido europeu da palavra e mais,
sem que nenhuma catástrofe do porte de uma grande destruição humana e
material, como uma guerra ou uma desintegração real da nossa percepção
de civilização, de pertencimento a um lugar “abençoado por Deus” esteja
realmente ocorrendo.
Sem dúvida este fenômeno que nos abate é
incrivelmente interessante. O que não é nada interessante, do ponto de
vista das suas repercussões no mundo real, quero dizer, da produção das
coisas e das ideias, são as repercussões deste momento para o futuro,
quais sejam, sobre as decisões de investimentos e consumo dos agentes
produtivos (Estado, famílias e empresas) e sobre a produção do
conhecimento em todas as áreas com repercussões para o futuro.
Este clima que espero seja passageiro e
que ignora que criamos uma civilização inovadora, virtuosa, riquíssima
em soluções para tudo, conflituosa porém democrática (após duas décadas
de uma ditadura militar subserviente aos interesses internacionais,
violentíssima e que ceifou novas ideias que poderiam dar sua
contribuição para um projeto de nação e de poder mundial diferenciado e
original já nos anos 60), violenta pelas desigualdades sociais
conservadas por 500 anos e que começamos a desmontar há pouco tempo, tem
feito muito mal ao Brasil nesta quadratura de crise global
internacional em que deveríamos pensar em ser nós mesmos, em persistir
em nossa criatividade e em nossa marca que tem sido a busca incessante
de caminhos alternativos. Tanto é assim que novamente setores
importantes do país voltam a flertar com o modelo golpeado de morte em
2008 e que levou à maior crise do sistema capitalista desde 1929.
Ora, é mais do que necessário
livrarmo-nos desta urucubaca, deste manto cinza, deste inverno sem luz
que setores absolutamente minoritários em nossa democracia querem nos
impingir, como se nosso verão, outono, inverno e primavera fossem sem
cores. Isso decididamente não é o Brasil. Como nosso mestre de reflexões
Darcy Ribeiro trombeteou em seus anos finais entre nós, somos e devemos
nos comportar como uma CIVILIZAÇÂO, uma criação absolutamente original e
que por sua originalidade deve ser nosso orgulho e esta ideia nada tem a
ver com qualquer nacionalismo barato nem com o patriotismo vulgar dos
anos de chumbo exaltados à época pelos mesmos setores que hoje querem
que sejamos alemães, estadunidenses, australianos ou ingleses,
envergonhados de nosso legado multicultural.
Jamais o Brasil será uma Alemanha. O
racionalismo alemão e o seu desejo de unificação diante de uma
fragmentação feudal não fazem parte da nossa história. O desejo nacional
alemão ainda hoje persistente de controlar povos e territórios além das
suas fronteiras e levar a eles sua “ratio” não existe aqui. O Brasil é
um continente que se basta. Não temos que provar a ninguém nossa
eficiência e racionalidade para dominar quem quer que seja. Também
jamais seremos os Estados Unidos com sua “aparente” eficiência
acobertada por uma mídia sobretudo a serviço da guerra. O Rio de Janeiro
não foi incendiado pelos portugueses como foi Washington pelos ingleses
na guerra de 1812.Os portugueses adoravam este paraíso tropical.
Também jamais seremos os Estados Unidos
já que adoramos abraços e visitas sem aviso. Eles não. Damos beijinhos e
abraços virtuais ao final de emails e telefonemas eles não. Por mais
que eu ache (e muitos estudiosos acham o mesmo) que o país americano
mais parecido com o Brasil sejam os EUA, nós não precisamos abdicar da
nossa formidável civilização para sermos iguais a este país. E isso não
significa de forma alguma ser antiamericano. Um país marcado pelo
racismo secular, como os EUA, de certa forma fez o mesmo que nós ao
eleger um negro à presidência. Aqui levamos um nordestino migrante que
fugiu da fome do nordeste e depois se tornou um operário ao maior posto
da República. E isso deveria ser motivo de orgulho para todos os
brasileiros, como deveria ser motivo de orgulho para todos os
estadunidenses o fenômeno Obama.
Mas , mas óbvio que isso não acontecerá
agora nos dois países.. apenas por enquanto. No futuro será motivo de
orgulho nos dois países. Lá Obama e cá Lula. A despeito de muitos
acharem que o Obama fez uma adesão total ao establishment, diferente do
que Lula fez no Brasil, podemos explicar isso em parte às diferenças
entre o sistema republicano dos EUA e do Brasil. Aqui presidentes podem
mais, lá muito menos. Mas decididamente quem quer aeroportos brasileiros
como shoppings, tal qual nos EUA, muito em breve os encontrará em toda a
parte. No entanto, isso não modificará milimetricamente nossa cultura e
nossa civilização. Nós macunaimicamente fagocitamos tudo o que vem do
exterior.
Esta civilização meio anárquica,
mística, religiosamente pilantra e escancaradamente evangélica sem a
ética protestante de Max Weber, onde pastores e fundadores de capelinhas
e seitas se enriquecem e em que padres, bispos e cardeais católicos
querem ser todos franciscanos no ascetismo sem abrir mão do prazer, é
absolutamente incrível em sua riqueza.
Não podemos querer ser alemães, nem
estadunidenses, nem suecos em sua pretensão de ensinar ao mundo ser
cordatos e com regras que façam o sistema funcionar como uma máquina e
muito menos espanhóis, gregos ou portugueses em sua submissão absoluta
ao mundo das finanças. Muito menos italianos que disfarçam seu
terceiro-mundismo dentro da EU com comportamentos piores no trânsito do
que em São Paulo e com esquemas mafiosos na política e nos meios de
comunicação ainda mais nefastos do que o que temos no Brasil.
Não podemos esquecer que na Itália,
Berlusconi seria como Roberto Marinho em vida reinando como presidente
da República, mas com um harem prá prática de sexo que o velho apoiador
da ditadura e criador da Globo em nosso país nunca ousaria ter. Somos
mais católicos e moralistas que os italianos, kkkkkkk.
Ficaria muito infeliz se meu país
resolvesse autorizar a construção de edifícios de 50/60 andares em suas
praias mais lindas como vemos na Austrália em seu litoral como pretendem
alguns em nossa bela e Santa Catarina. Isso jamais será sinônimo de
progresso. Muito ao contrário.
Quero que o Brasil continue anárquico,
meio desorganizado e nada opressivo como em suas cidades como as da
China, de Singapura, do Japão ou da Coréia, todos países que produzem
uma arquitetura urbana que esmaga a cidadania. Muito mais, espero que
mantenhamos longe de nós o modelo de horários de trens em segundos para
demonstrar falsamente uma eficiência germânica, desmontável com uma
chuva intensa ou nevasca comum por lá .
Que nunca se converta o Brasil
numa Suíça que recebeu o ouro nazista da pilhagem alemã sobre fortunas e
arcadas dentárias de milhões de judeus e ciganos calcinados nos fornos
nazistas e que ainda recebe dinheiro sujo do narcotráfico internacional,
da corrupção internacional e do terrorismo internacional e que posa de
nação civilizada e "neutra" com vaquinhas em montanhas em cumes cobertos
de neve. Isso não nos interessa como nação!
Quero que o Brasil continue com suas
quintas-feiras, sextas-feiras e sábados fervilhantes de vida jovem em
suas ruas por todas as partes e cidades e sem preocupações com o dia
seguinte. Nós somos uma civilização única, nos trópicos e vencedora dos
desígnios coloniais, orgulho dos nossos irmãos portugueses e africanos
de língua portuguesa e dos nossos vizinhos na América do Sul de língua
espanhola. Temos a agricultura mais produtiva do mundo, mais terras do
que qualquer país do mundo para ampliá-la, mais água e infindáveis
recursos energéticos que nos impossibilitam de ter apagões energéticos,
como a mídiatite exacerbada quer que acreditemos. No Brasil jamais
poderá faltar energia se houver gestão apenas razoável desses recursos.
Apenas razoável!
Não podemos jamais como uma civilização,
sim, somos uma civilização única no mundo, a civilização brasileira,
nos abater ou deixarmo-nos levar por setores que desconhecem nossa
história, que desconhecem ou não reconhecem a luta dos negros por sua
liberdade, dos indígenas pela sua autonomia e terras, e do povo
brasileiro em geral em querer sempre ser mais do que é rumo à
felicidade.
Nós brasileiros não seremos nada se abdicarmos de nossa
característica essencial e unificadora nacional que é a nossa crença de
que vivemos num país abençoado por Deus (não sou cristão, mas sei muito
bem a força desta ideia), de que nada nos abalará e que temos um destino
delicioso e brasileiro que nós construiremos, com praia, sol, futebol,
cerveja, muito trabalho, mas muito espaço para sermos gentis, altruístas
e abertos pro mundo, características muito nossas, motivo do nosso
progresso e em falta em muitos países.
Não precisamos copiar modelo algum.
Temos que nos descobrir e mesmo na nossa esculhambação que é o motor da
nossa cultura muito nos fortalecemos como espaço de experimentações e de
criatividade no rumo de uma civilização da qual devemos nos orgulhar e
muito. Chega de ouvir que o Brasil não presta!
Estamos fartos disso!