Esta análise de Mauro Santayana no "Jornal do Brasil" esclarece muito da atual situação nos Bálcãs...
O mundo vive horas perigosas. A Rússia enviou tropas para a Península da
Crimeia. O governo provisório que está no poder na Ucrânia convoca reservistas,
enquanto oficiais e soldados se bandeiam para o lado russo, evidenciando a
divisão do país. O G-8 suspende o encontro que estava programado para Sochi, na
Rússia. A Alemanha e os Estados Unidos querem montar um “grupo de contato” para
promover “negociações”, mas, em gesto de aberta provocação, Washington
envia o secretário de Estado John Kerry a Kiev, para manifestar o apoio dos EUA
aos rebeldes que tomaram o poder na capital ucraniana.
Se houver
combate entre as tropas que estão entrando na Crimeia para
defender a população de origem russa que vive na região e se esses
confrontos degenerarem em prolongada guerra civil, a responsabilidade
por esse novo
massacre será dos Estados Unidos e da União Europeia.
Seria
inadmissível que Putin enviasse um senador para discursar
diretamente aos manifestantes do movimento Occupy Wall Street, em Nova
York, como fez John Mcain no centro de Kiev, ou que os russos
promovessem em Porto Rico a prolongada campanha de desinformação e
provocação
que o “Ocidente” está desenvolvendo há meses na Ucrânia, empurrando a
parte da
população que não é de etnia russa para um conflito contra a segunda
maior
potência militar do planeta e a maior da região.
A Otan sabe muito bem que não poderá intervir militarmente — e atacar
Moscou, que conta com milhares de ogivas atômicas, que podem atingir em minutos
Berlim, Londres e Paris — para defender os manifestantes que ela jogou o tempo
todo contra o governo ucraniano.
Sua intenção é levar o país ao caos, pressionando Yanukovitch a tentar
recuperar o poder com apoio de Putin, para depois acusá-lo — junto com o líder
russo — de déspota e de genocida, e posar de defensora dos direitos humanos, da
liberdade e da “democracia”.
Se conseguir alcançar seu objetivo de desestruturar o país, o “Ocidente”
poderá somar os milhares de mortos, de estupros, de refugiados, e os bilhões de
dólares de prejuízo da destruição da Ucrânia, a uma longa lista de crimes
perpetrados nos últimos 12 anos, no contexto de sua Arquitetura da balcanização.
Inaugurada nos anos 90, essa tática foi testada, primeiro, na eliminação
da Iugoslávia e na sangrenta guerra que se seguiu, que acabou dividindo o país
de Tito em Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Montenegro,
Sérvia, e em enclaves menores como o Kosovo.
O mesmo processo de fragmentar, para dividir e dominar, destroçando o
destino de milhares, milhões de idosos, mulheres e crianças, foi mais
tarde repetido no Iraque e no Afeganistão- jogando etnia contra etnia, cultura
contra cultura — no contexto da “Guerra contra o Terror” — montada a
partir de mentiras como as “armas de destruição em massa” de Saddam Hussein,
que nunca existiram.
O mesmo ocorreu, depois, na Tunísia, Líbia, Egito, Iêmen, Síria, a
partir do macabro engodo da “Primavera Árabe” — também insuflada, de fora,
em nome da “liberdade” - que, como maior resultado, colocou em poucos meses
crianças que antes frequentavam, em condições normais, os bancos escolares,
para comer — sob a pena de perecer de fome — a carne de cães putrefatos,
recolhida nos escombros.
O objetivo da Arquitetura da balcanização no entorno russo é
gerar condições para a derrubada de regimes simpáticos a Moscou na região,promovendo
o caos, a destruição, o ódio entre culturas e famílias que convivem há décadas
pacificamente para obter a sua divisão em pequenos países, que possam ser mais
facilmente cooptados pela Otan, com sua definitiva sujeição ao “Ocidente”.
Sua esperança é a de que, levando Moscou a intervir em antigas
repúblicas soviéticas —para proteger seu status geopolítico e suas
minorias étnicas — os russos se envolvam em várias guerras de desgaste, que
venham a enfraquecer a Federação Russa, ameaçando a união social e territorial
do país.
Ao se meter na área de influência de Moscou, insuflando protestos em
países que já pertenceram à URSS, a Europa e os EUA estão — como antes já
fizeram Hitler e Napoleão - cutucando o Urso com vara curta, e
empurrando, insensatamente, o mundo para a beira do abismo.
A Rússia de hoje, com 177 bilhões de dólares de superávit comercial no
último ano, e o segundo maior exportador de energia do mundo — o que lhe
permitiria congelar virtualmente a Europa se cortasse o fornecimento de gás nos
meses de inverno — não é a mesma nação acuada que era no início da guerra
de 1990, quando os norte-americanos acreditavam, arrogantes, na fantasia
do “Fim da História” e em sua vitória na Guerra Fria.
A Federação Russa tem gasto muito para manter e modernizar sua
capacidade de defesa e de dissuasão nuclear nos últimos anos. Putin sabe muito
bem o que está em jogo na Ucrânia. E já deu mostras de que, se preciso
for, irá enfrentar, pela força, o cerco da Europa e dos Estados Unidos.
Ele já provou que está disposto a levar até o fim a decisão que tomou
de não se deixar confundir, em nenhuma hipótese, com uma espécie de Gorbachev
do Terceiro Milênio.