Esta coluna foi publica pelo portal UOL, vale dizer da Faia de S. Paulo, o jornaleco do Otavinho, que em suas outras páginas pensa bem diferente do que nos descreve Ricardo Melo a quem cumprimentamos pela coragem de expor realidade e verdade...
A quem o povo assusta?
Ricardo Melo
Imagine o cenário. Vencido o prazo para os condenados da AP 470 pagarem
as multas, nenhum apareceu. José Genoino, olhe só, alegou que o valor
supera o preço de sua casa. Os outros tampouco respeitaram a sentença. O
que aconteceria?
Pelo que se tem lido e ouvido, batata. "Mensaleiros do PT desprezam
Justiça." Ou então: "Além de truculentos e corruptos, petistas dão
calote no Tesouro". Ou parafraseando aquele ministro falastrão: "Eles
merecem mais que o ostracismo: ademais de incomunicáveis, precisam
apodrecer na cadeia e receber apenas uma refeição por dia. E mais:
entrar para sempre na lista negra da Serasa!".
Outra hipótese. Com dois ou três telefonemas, ou num regabofe no coração
de Higienópolis, condenados se acertam com a banca e o dinheiro surge
em segundos – o tempo de uma TED. Formalmente, tudo dentro da lei: não é
crime receber auxílio para pôr contas em dia. Para os banqueiros, seria
apenas uma gorjeta diante de lucros nunca antes imaginados. O juízo
midiático, contudo, também seria inapelável. "Cai a máscara: bancos
ajudam 'companheiros' a pagar multas."
Surpresa (ou decepção) para muitos: nada disso ocorreu. Sem afrontar
instituições, sem desrespeitar qualquer direito (diferentemente do que
ocorre com os dos condenados), Genoino e cia. agiram como deveria ser
habitual num partido de raízes populares: recorreram à militância. Quem
se assustou? Todo mundo para quem não passa pela cabeça alguém doar
dinheiro por acreditar em alguma coisa, alguma ideia, algum futuro.
A reação mostra o grau de envenenamento do clima político atual.
Partiu-se para a troça. Alguns leitores pediram desde uma vaquinha para
honrar carnês até auditoria implacável nas doações. Houve mais.
Embaladas como coisa séria, reportagens acusaram os petistas de
arrecadar mais dinheiro que a Pastoral da Criança! O que tem a ver uma
coisa com a outra? Por acaso a Pastoral está em campanha? Pareceria mais
razoável comparar o orçamento dessa ONG com fundos auferidos pelo
Criança Esperança – mas aí a coisa complica diante do calibre dos
interesses envolvidos.
O deputado tucano Jutahy Magalhães Júnior, por sua vez, exagerou no
ridículo. "Isso é um acinte, um deboche." Por quê? Talvez porque os
condenados, em vez de seguir o recém-divulgado manual de propinas de
empresas como a Alstom, optaram pela arrecadação popular e voluntária.
Não há anjos em política, mas a democracia em vigor prevê o respeito a
decisões judiciais, até num caso polêmico como a AP 470. A democracia
não obriga, contudo, ao conformismo bovino – exceto no caso da vigência
de ditaduras disfarçadas ou quando se está sob o tacão de juntas togadas
travestidas de supremas.
Muito ainda vai se falar da campanha de doações petista. Pode ser que
impropriedades tenham sido cometidas. Mas certamente nada tão grave, por
exemplo, como a montanha de denúncias fartamente documentadas no livro
primoroso do jornalista desta Folha Rubens Valente, "Operação
Banqueiro". Como se sabe, a obra desvenda relações promíscuas entre
Poderes da República e o personagem Daniel Dantas. Investigá-las ou não
fica ao gosto do freguês.
Feitas as contas, o mais sincero entre os apavorados foi o líder do PMDB
na Câmara, Eduardo Cunha. Como se discute o financiamento público nas
eleições, o deputado sentiu a água subir: "Só o PT vai ter dinheiro. Se
da cadeia ele arrumou isso, imagina da Esplanada".
Qual o "crime" do partido? Para o deputado, o PT é o único com
militância suficiente para arrecadar grandes quantias em defesa de
ideais. Em vez de fazer o mesmo e disputar apoiadores entre o povo, a
turma suprapartidária de Cunha prefere levantar dinheiro na surdina para
melhor abafar suas próprias causas.