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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Uma negra e o "rolezinho"...

O "Jornal do Brasil" publica hoje um texto instigante sobre o fenômeno do rolezinho, a versão tupiniquim e pobre do "flash-mob" da garotada norte-americana... Mais que um texto é uma denúncia séria. 


Rolezinho: Está na hora de fazer valer a lei

Mônica Francisco*
As últimas notícias sobre os "rolezinhos" são sem sombra de dúvida a certeza de que o Brasil começa a inquietar-se de fato com a presença real e efetiva dos negros e negras que fazem parte da maior parcela da população.

Ao permanecerem invisíveis, alcançando notoriedade quando há permissão,seja nas artes, na maioria das vezes em papéis que reforçam sua condição de subalterno,vilão ou bobo da corte,nos esportes,ou de  forma tutelada,como nos orfanatos, presídios, manicômios ou outras  instituições de confinamento e correção.Estes não perturbam uma certa"ordem"estabelecida subjetivamente.

Ao emergir de sua invisibilidade programada e arquitetada ao longo de toda sua participação amputada na sociedade brasileira, os negros e negras começam à produzir uma força,que provoca a expulsão traumática do tumor que vem impregnando todo o organismo brasileiro,causando sequelas gravíssimas como o genocídio de toda uma juventude,a segregação silenciosa e a estereotipação negativa de uma raça.
Eu me utilizo da classificação,não como categoria biológica,mas como fato social ela existe e está presente nas afirmações de muitos cidadãos e cidadãs negras e nas atitudes de uma sociedade que não se livrou da sua essência patrimonialista,escravocrata e racista.

Tenta-se maquiar as marcas com um mito que teima em ser recorrentemente questionado,não por teorias ,mas pelas lágrimas,distúrbios e patologias,com resultados à vezes nefastos.por quem já sofreu na pele,sem trocadilho,mas com muita verdade,os efeitos do racismo brasileiro,crudelíssimo.

O "rolezinho" pode ser o início de fato de uma mudança estrutural nunca antes experimentada na história desta sociedade.Acho que vamos começar de fato a luta pelos nossos direitos civis.Sim,eu sei que já os temos,não estou louca não.Mas de fato,na plenitude do que eles representam em uma sociedade dita democrática e de direitos eles devem ser vividos,percebidos diariamente.

Não se pode dar uma supervalorizada cidadania à um grupo determinado,dando a ele todas as possibilidades e massacrar um outro,não permitindo que ele se reconheça nem mesmo na mais tenra infância.A brutalidade do racismo brasileiro chega à níveis insuportáveis à um ser humano.

Está na hora de fazer valer a lei. Se todos somos iguais perante ela,que seja assim. Que em qualquer posto de trabalho se use o seu cabelo da forma que ele é.Se é crespo,grande,alto,liso,que seja. Que as lojas, mercados, indústrias tenham proporcionalmente o mesmo número de negros e negras em seus postos diversos.

Que os anjinhos das procissões tenham a cor do Brasil, ou as cores do Brasil. Chega de um Brasil de mentira.esquizofrênico.Bebê negro também usa creme para assaduras,mulher negra usa absorvente desodorante.Negros e negras,vão ao banco,comem em restaurantes.

Vamos encarar? quem vai fazer cair a liminar que proíbe os jovens de entrarem nos Shoppings? Ou será que vamos começar à mostrar de fato o que somos? Talvez seja melhor assim, pois poderemos forjar armas adequadas para essa batalha. Com tudo claro é melhor. Pelo menos quando eu vir o olhar de nojo e desprezo de um professor, ninguém vai dizer que eu sou maluca ou que o mestre ou a mestra é excêntrico e rabugento.

Quando eu entrar em uma loja e não for atendida, vou saber que não estou maluca.Quando alguém me disser o tempo todo que eu estou cheirosa,porque negro geralmente tem cheiro"forte", eu vou saber que é só um elogio de fato. Quando disserem que médicos estrangeiros negros e negras tem cara de faxineiros e empregadas domésticas,vamos saber a causa. 

É melhor ter tudo às claras sempre, porque quando formos impedidos de entrar em clubes frequentados pela elite sem uniforme e impedidos de entrar em Shopping, vamos saber exatamentente o motivo e assim poderemos acionar os mecanismos legais e não será meramente injúria, será racismo de fato.

Quando nos matarem, pelo menos não teremos de chamar de Senhor e perguntar o motivo. Esta pátria é nossa por direito. Está na hora de pensarmos naqueles que vão fazer valer nossos direitos. Ou nós mesmo vamos fazê-lo. Aliás já começamos. Viva o "rolezinho" e sua capacidade de fazer cair as máscaras e nos tornar mais conscientes do que somos.

"A nossa luta na favela é todo dia e toda hora. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO,a REMOÇÃO e ao RACISMO!!"

*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Licencianda em Ciências Sociais pela UERJ.