O "Jornal do Brasil" publica hoje um texto instigante sobre o fenômeno do rolezinho, a versão tupiniquim e pobre do "flash-mob" da garotada norte-americana... Mais que um texto é uma denúncia séria.
Rolezinho: Está na hora de fazer valer a lei
As últimas notícias sobre os "rolezinhos" são sem
sombra de dúvida a certeza de que o Brasil começa a inquietar-se de fato com a
presença real e efetiva dos negros e negras que fazem parte da maior parcela da
população.
Ao permanecerem invisíveis, alcançando notoriedade quando há
permissão,seja nas artes, na maioria das vezes em papéis que reforçam sua
condição de subalterno,vilão ou bobo da corte,nos esportes,ou de forma
tutelada,como nos orfanatos, presídios, manicômios ou outras instituições
de confinamento e correção.Estes não perturbam uma certa"ordem"estabelecida
subjetivamente.
Ao emergir de sua invisibilidade programada e arquitetada ao
longo de toda sua participação amputada na sociedade brasileira, os negros e
negras começam à produzir uma força,que provoca a expulsão traumática do tumor
que vem impregnando todo o organismo brasileiro,causando sequelas gravíssimas
como o genocídio de toda uma juventude,a segregação silenciosa e a
estereotipação negativa de uma raça.
Eu me utilizo da classificação,não como categoria biológica,mas
como fato social ela existe e está presente nas afirmações de muitos cidadãos e
cidadãs negras e nas atitudes de uma sociedade que não se livrou da sua
essência patrimonialista,escravocrata e racista.
Tenta-se maquiar as marcas com um mito que teima em ser
recorrentemente questionado,não por teorias ,mas pelas lágrimas,distúrbios e
patologias,com resultados à vezes nefastos.por quem já sofreu na pele,sem
trocadilho,mas com muita verdade,os efeitos do racismo brasileiro,crudelíssimo.
O "rolezinho" pode ser o início de fato de uma
mudança estrutural nunca antes experimentada na história desta sociedade.Acho
que vamos começar de fato a luta pelos nossos direitos civis.Sim,eu sei que já
os temos,não estou louca não.Mas de fato,na plenitude do que eles representam
em uma sociedade dita democrática e de direitos eles devem ser
vividos,percebidos diariamente.
Não se pode dar uma supervalorizada cidadania à um grupo
determinado,dando a ele todas as possibilidades e massacrar um outro,não
permitindo que ele se reconheça nem mesmo na mais tenra infância.A brutalidade
do racismo brasileiro chega à níveis insuportáveis à um ser humano.
Está na hora de fazer valer a lei. Se todos somos iguais
perante ela,que seja assim. Que em qualquer posto de trabalho se use o seu
cabelo da forma que ele é.Se é crespo,grande,alto,liso,que seja. Que as
lojas, mercados, indústrias tenham proporcionalmente o mesmo número de negros e
negras em seus postos diversos.
Que os anjinhos das procissões tenham a cor do Brasil, ou as
cores do Brasil. Chega de um Brasil de mentira.esquizofrênico.Bebê negro também
usa creme para assaduras,mulher negra usa absorvente desodorante.Negros e
negras,vão ao banco,comem em restaurantes.
Vamos encarar? quem vai fazer cair a liminar que proíbe os
jovens de entrarem nos Shoppings? Ou será que vamos começar à mostrar de fato o
que somos? Talvez seja melhor assim, pois poderemos forjar armas adequadas para
essa batalha. Com tudo claro é melhor. Pelo menos quando eu vir o olhar de nojo e
desprezo de um professor, ninguém vai dizer que eu sou maluca ou que o mestre ou
a mestra é excêntrico e rabugento.
Quando eu entrar em uma loja e não for atendida, vou saber
que não estou maluca.Quando alguém me disser o tempo todo que eu estou
cheirosa,porque negro geralmente tem cheiro"forte", eu vou saber que é
só um elogio de fato. Quando disserem que médicos estrangeiros negros e negras
tem cara de faxineiros e empregadas domésticas,vamos saber a causa.
É melhor ter tudo às claras sempre, porque quando formos
impedidos de entrar em clubes frequentados pela elite sem uniforme e impedidos
de entrar em Shopping, vamos saber exatamentente o motivo e assim poderemos
acionar os mecanismos legais e não será meramente injúria, será racismo de fato.
Quando nos matarem, pelo menos não teremos de chamar de
Senhor e perguntar o motivo. Esta pátria é nossa por direito. Está na hora de
pensarmos naqueles que vão fazer valer nossos direitos. Ou nós mesmo vamos
fazê-lo. Aliás já começamos. Viva o "rolezinho" e sua capacidade de
fazer cair as máscaras e nos tornar mais conscientes do que somos.
"A nossa luta na favela é todo dia e toda hora. Favela
é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO,a REMOÇÃO e ao RACISMO!!"
*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Licencianda em Ciências Sociais pela UERJ.