Em sua página do Facebook, Eduardo Guimarães, do Blog "Cidadania" comenta uma análise publicada pela revista Veja em seu site, abordando o fenômeno dos "rolezinhos" que tomaram conta de São Paulo:
Trecho de artigo do colunista da Veja Rodrigo Constantino sobre os "rolezinhos":
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“Não toleram as “patricinhas” e os “mauricinhos”, a riqueza alheia, a civilização mais educada. Não aceitam conviver com as diferenças, tolerar que há locais mais refinados que demandam comportamento mais discreto, ao contrário de um baile funk. São bárbaros incapazes de reconhecer a própria inferioridade, e morrem de inveja da civilização (…) Os “rolezinhos” da inveja precisam ser duramente repreendidos e punidos. Caso contrário, será a vitória da barbárie sobre a civilização.”
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A propósito, este texto foi publicado no Blog "Esquerdopata" resgatando boa análise sobre o tema:
Medos do Brasil
Pobres no shopping, devidamente recebidos pela PM e segurança |
Medo de pobre
Por José Geraldo Couto (texto escrito em 2001)
Como se defender desse perigo insidioso
Eu sei: houve os ciclos do pau-brasil, da cana, do ouro, do café e da
borracha. Depois vieram a indústria e os bancos. Mas o que o Brasil mais
produziu nesses 500 anos foi gente pobre.
Milhares de índios destribalizados e sifilizados, milhões de africanos
trazidos como escravos e depois largados por aí, miríades de mulatos e
caboclos sem eira nem beira. Gente demais para pouca moradia, pouca
escola, pouco salário. Bóias-frias, sem-terra, retirantes, favelados.
Bairros horrendos surgindo em todas as periferias da noite para o dia.
Um país fervilhante de pobres.
Eles estão por toda parte. Nós, que temos sapatos, diploma de alguma
coisa e todos os dentes, nos sentimos acossados por esse inimigo
insidioso e polimorfo, que nos ameaça no sopé do morro com suas balas
perdidas, no semáforo com suas pedras e estiletes, nas ruas e nos
noticiários de TV com sua expressão famélica.
Por momentos conseguimos domesticá-los, dar um sentido para sua miséria,
neutralizar sua virulência. A igreja os batizou. Transformamos o samba
do morro em ornamento chique das salas de estar. Transfiguramos em
livros de arte as imagens mais pitorescas da sua miséria. Fizemos das
suas crendices exóticas elemento de turismo. Convertemos seus ritmos
selvagens em sucessos pornofonográficos. Criamos instituições caridosas e
campanhas da Rede Globo.
Em outras ocasiões foi necessário recorrer ao que julgávamos ser a
solução final: Canudos, Contestado, Carandiru. Mas eles são muitos e se
reproduzem como ratos. Quando nos dávamos conta, já estavam nos cercando
de novo, com suas velhas doenças, seus novos batuques incompreensíveis,
suas armas primitivas e de última geração. Como fazê-los entender que
não os queremos por perto, a não ser quando precisamos deles para algum
serviço?
De que adianta nos fecharmos em casamatas, cercarmos de seguranças e ar
condicionado nosso consumo-e-lazer de cada dia, se a qualquer momento
pode assomar diante de nós, surgido sabe-se lá de onde, um POBRE, com
suas roupas pobres, seus português pobre e sobretudo sua cara pobre que,
humilde ou insolente, sempre parece estar nos colocando contra a
parede, como se lhe devêssemos alguma coisa?
Estamos nos aproximando de um impasse. Há quem defenda sumariamente a
pena de morte para os pobres, mantendo-se apenas um contingente básico
para algum serviço de emergência, enquanto a ciência não evolui o
suficiente para prescindirmos de domésticas e encanadores. Mas somos um
povo muito emotivo e sentimental, o que torna praticamente inviável uma
solução desse tipo.
Diante disso, ganha terreno a proposta, mais moderada, de criar zonas de
acesso restrito, controladas por cercas e guaritas. A idéia é simples e
engenhosa: nos bairros de classe média e elite -onde ficarão as casas
de alvenaria, os prédios de apartamentos, lojas, restaurantes e cinemas-
pobre só entra se tiver um passe mostrando o que vai fazer lá: faxina
num banco, trabalho de eletricista numa casa, conserto num bueiro. Esses
passes podem ser cartões eletrônicos à prova de fraude.
Imagine as vantagens de um sistema como esse. Mesmo que você se
deparasse com um pobre na rua, saberia que ele só estaria ali para fazer
um serviço. Ele estaria desarmado (teria sido revistado e submetido a
um detetor de metais nas cancelas de acesso) e, de acordo com o projeto
em elaboração, decentemente trajado. Outra vantagem: não seriam
necessárias guaritas nas casas. Talvez nem cercas, como nos filmes
americanos. Os próprios shopping centers não precisariam de tantos
seguranças, câmeras escondidas etc. Enfim, um mundo limpo e civilizado,
sem a paranóia de hoje em dia, e com economia de recursos.
Os autores da proposta pensaram em tudo. Para os eventuais nostálgicos
daquela pobreza tão lírica e selvagem do passado, seriam organizados
safáris (em princípio só de turismo, não de caça) para as regiões fora
da área restrita, em carros blindados com o máximo de segurança. Mas
isso já é se antecipar demais.
Como sempre, há os pessimistas, para quem esse projeto teria o
inconveniente de fomentar o ódio e o desejo de insurreição entre os
pobres, do lado de fora. Mas os autores da proposta pensaram nisso
também. O problema seria atacado em várias frentes. Além das inúmeras
seitas pacificadoras, que seriam difundidas pela TV, haveria postos de
observação em locais estratégicos, prontos a informar de imediato as
autoridades sobre qualquer princípio de distúrbio. Claro que, no caso de
tudo falhar, o projeto prevê, num adendo, a possibilidade da solução
final. Mas só como último recurso, e mediante aprovação do Congresso e
sanção do Executivo. Ou seja, dentro das mais estritas regras
democráticas.
José Geraldo Couto
É jornalista, colunista da "Folha de S. Paulo" e organizador do livro "Quatro Autores em Busca do Brasil" (Rocco).