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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

É coincidência demais...


 

Uma das mais importantes funções jornalísticas na mídia diária impressa é a do "fechador de primeira página", nome genérico do editor ou redator responsável pelas manchetes e chamadas de primeira página dos jornais. 

Cientes de que a manchete e as chamadas são os ´principais elementos de venda do jornal em banca, os editores se esmeram na escolha daqueles a quem entregam a obrigação de dar o texto final de seus jornais. 
Daí as manchetes famosas como a do jornal Última Hora anunciando o pouso dos astronautas americanos na Lua com apenas uma palavra "Chegaram" ou a primeira página do Jornal do Brasil, censurada, da queda de Allende no Chile com texto em corpo grande, sem fotos e manchete... 

Agora, no ano da graça de 2014 os dois principais jornais e concorrentes paulistas, o Estadão e a Faia do Otavinho, descobriram uma outra forma de abrir suas edições: as manchetes gêmeas...

Sobre isso o Observatório da Imprensa publica excelente texto de Luciano Martins Costa:


JORNALISMO POLÍTICO

O fenômeno das manchetes gêmeas

Por Luciano Martins Costa e
Comentário para o programa radiofônico do Observatório,


Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, é a bola da vez nos jornais de circulação nacional. Ele é acusado, em manchetes, de haver recebido “uma verdadeira fortuna” da empresa encarregada de fazer a inspeção de veículos motorizados no município.
Como acontece na maioria das acusações amplificadas pela imprensa, a origem é a declaração de uma suposta testemunha. No caso presente, os jornais nem se dão ao trabalho de identificar o denunciante: alguém declarou que Kassab recebeu propina, e ponto final.
O ex-prefeito já passou por turbulências muito mais graves, sem que tenha visto seu nome execrado em manchetes de jornais. Em 2012, o Ministério Público denunciou – por formação de quadrilha, corrupção ativa e concussão – o assistente de Kassab que era responsável pela aprovação de obras na cidade. Hussain Aref Saab havia acumulado, nos sete anos em que fora diretor do Departamento de Aprovação de Edificações da Prefeitura, um patrimônio superior a R$ 50 milhões. Kassab foi poupado no noticiário.
No início de 2013, Kassab teve que lidar com a revelação de que alguns de seus auxiliares mais próximos estavam envolvidos em um esquema que fraudava a arrecadação do Imposto sobre Serviços e se estendia ao sistema de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano. O caso ainda frequenta esporadicamente o noticiário, assim como o esquema que envolve ex-auxiliares do governador Geraldo Alckmin em fraudes e superfaturamento na compra de equipamentos e serviços de manutenção para o sistema do metrô e de trens metropolitanos. Mas a imprensa é curiosamente seletiva: as notícias sobem ou descem na hierarquia de valor dos jornais conforme uma lógica que desafia os cânones do jornalismo.
Em nenhum dos episódios anteriores, que envolvem depoimentos oficiais, documentos, planilhas e declarações de autoridades, o ex-prefeito fora assim tão escrachadamente debulhado pela imprensa. Estranhamente, até, ele era cuidadosamente preservado, mesmo quando as acusações chegavam muito perto de seu gabinete.
O que teria mudado, repentinamente, no juízo que os editores dos principais jornais de circulação nacional sempre fizeram de Gilberto Kassab?
O novo inimigo da imprensa
Desde que se lançou na carreira política, como funcionário a serviço do comércio de São Paulo, a atividade mais importante do engenheiro e economista Gilberto Kassab fora um mandato apagado como deputado federal, durante o qual cumpriu a missão de enterrar uma Comissão Parlamentar de Inquérito que investigava a empresa Serasa.
Como prefeito, circulou discretamente no papel de satélite do PSDB até criar asas e fundar seu próprio partido, o PSD. Desde 2012 ele vinha ensaiando um voo mais ambicioso, e se aproximava do governo federal, mas evitava mostrar suas cartas.
Na quarta-feira (15/1), o partido de Kassab formalizou sua integração à aliança que controla o Executivo federal, oficializando a intenção de ocupar um posto na próxima reforma ministerial. Paralelamente, Kassab anunciava sua candidatura ao governo de São Paulo, tendo provavelmente como vice o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Na avaliação de alguns articulistas, seu ingresso na disputa aumentaria as chances de um segundo turno em São Paulo, colocando em risco as probabilidades de reeleição do atual governador, Geraldo Alckmin. A equação da imprensa dá como certo que, havendo segundo turno, o PSD e Kassab apoiariam o candidato do PT, em troca de maior participação no governo federal (ver aqui).
Na sexta-feira (17/1), coincidentemente, aparecem na Folha de S.Paulo e no Estado de S.Paulo duas manchetes gêmeas que mostram a curiosa sintonia entre os editores dos dois jornais, supostamente concorrentes.
** “Kassab recebeu dinheiro da Controlar, acusa testemunha” – é a manchete do Estado.
** “Kassab obteve 'fortuna' da Controlar, diz testemunha” – grita a manchete da Folha.
O Globo também repete a notícia em seu site, após a denúncia ter sido veiculada no Jornal Nacional da TV Globo (ver aqui).
De repente, não mais que de repente, Gilberto Kassab virou o inimigo público número 1 da imprensa.