Antecipando a resposta à pergunta do título da matéria abaixo, eu quase garanto que não tem jeito não... Enquanto a elite da Casa Grande mandar nos meios de comunicação e continuarmos sem regulação, nada há de mudar...
Enfim, vale a pena ler:
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‘EL PAÍS’ NO BRASIL
O jornalismo tem jeito?
Por Celso Schroder
Os nossos empresários do jornalismo são estranhos. Eles não gostam do
jornalismo, não acreditam no jornalismo, trabalham contra o jornalismo
e, para não deixar dúvidas, odeiam com todas as forças os jornalistas. É
uma forma estranha de ganhar dinheiro, solapar seu próprio negócio. Ou
então a prova definitiva de que, afinal das contas, não é com a venda de
jornais que eles aumentam suas fortunas pessoais na mesma medida que
invariavelmente conduzem seus negócios para a bancarrota.
Ah, tem outra coisa que causa invariavelmente urticária nos empresários
de comunicação no Brasil: leis. Eles não suportam se submeter a nenhuma
regulação. A “lógica” que guia a Sociedade Interamericana de Prensa
(SIP) – principal organização do empresariado de comunicação das
Américas – é “lei melhor é lei nenhuma”.
São eles que retroalimentam a tese do fim do jornalismo. São os mesmos
que abdicaram do jornalismo em nome do entretenimento e da
espetacularização. São os que apelidaram a notícia de hardnews (dura e indesejável) e guindaram o entretenimento à condição de softnews
(molinho e bom). São os mesmos que, ao contrário dos EUA, por exemplo,
criaram um divórcio obscurantista e medíocre entre o negócio e as
universidades e cursos que ensinam e pesquisam sobre jornalismo. Sim,
adivinharam, são eles que reduziram o jornalismo contemporâneo a um
arremedo do que era praticado no século 18, um festival de opinião
conduzido por centenas de “colunistas” que substituíram os repórteres e
editores em número e importância.
Pira do capital
Está certo, eles têm aliados e cúmplices, mas foram eles que
transformaram suas empresas em partidos políticos. Por isso é difícil
acreditar nos seus diagnósticos e vaticínios sobre o futuro desta
atividade. Não se pode confiar nem na perícia, na capacidade de gestão
ou análise sobre o porvir. É patético ver o segmento empresarial
mover-se como moscas tontas em torno de uma luz que os cega, atordoa, e
quase sempre os leva ao desastre. Nestes últimos tempos as palavras mais
usadas para explicar, justificar ou anunciar medidas quase sempre
drásticas são: crise do jornalismo.
Assustados com tecnologias que os coloca na necessidade de decidir se afinal estão no negócio do jornalismo ou no showbizz,
eles recorrem, assim como os antigos gregos, à inexorabilidade do
destino. Os deuses, afinal, estão tramando contra eles, pedindo
sacrifícios. E eles prontamente atendem a estes vingativos seres e
rapidamente fazem suas oferendas prediletas: jornalistas. Afinal, é para
isto que servem estes tipos descartáveis que insistem em fazer
jornalismo.
De tempos em tempos, jornalistas são colocados na pira do capital em
nome da crise. O ritual assume variadas e criativas formas. Alguns
simplesmente fecham seus negócios e vão embora para Miami. Outros, mais
escrupulosos, “digitalizam” suas redações, ou seja, trocam a prosaica
verificação e averiguação pelo mais barato “copia e cola”. Existem
aqueles que, finalmente, assumem o mundo do circo. Mas o resultado é
sempre o mesmo, jornalistas desempregados e população sem informação.
Função social
A vinda do principal jornal espanhol ao Brasil, El País, no
entanto, parece demonstrar que existem ainda empresários que
compreenderam que o jornalismo é uma necessidade social e que não foram
eles, empresários de comunicação, nem mesmo nós, jornalistas, que
inventaram esta forma peculiar e singular de relato. Os espanhóis
acreditam, vejam só, que ainda existem leitores no Brasil. Mais do que
isso, acreditam que existem anunciantes que apostam nestes leitores e,
na contramão do pessimismo nacional, querem se instalar aqui. Mas eles
podem? A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) acha que não.
A
representante nacional daqueles que odeiam jornalismo não quer deixar o El País
vir. E usa um argumento inusitado: a lei. Sim, aquela mesma que eles
odeiam, porque “regula”! Para evitar a concorrência internacional, os
empresários se valem dos restos da Constituição que eles mesmos
remendaram em 2001 para permitir a entrada de 30% de capital
estrangeiro.
E a ANJ tem razão, eles precisam de 70% de capital nacional para poder
se instalar aqui. É a lei que diz isto. Para isto a lei serve. Garantir
aos mais fracos a proteção contra os mais fortes. O estado da lei é a
superação do estado natural da barbárie. A mesma lei que a sociedade
precisa para se proteger dos desmandos, erros e interesses escusos que
podem acometer o “negócio” do jornalismo e da comunicação.
Mas o interesse do jornal espanhol é revelador. Traz alento para quem
acredita no jornalismo e pode servir de estímulo para empresas
brasileiras que desconfiam que esse pessimismo nacional é mais fruto de
um cenário concentrado e vertical que viabilizou empresas sem o cacoete
para a concorrência – e para a função social do Jornalismo – do que a
decisão inexorável de um deus raivoso antijornalístico.
Celso Schröder é presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), da Federação dos Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc) e vice-presidente da Federação Internacional dos Jornalistas