Nenhuma ideia foi tão poderosa no Brasil em 2013 como o Mais Médicos e seu símbolo é o cubano Juan Delgado; à direita, gostou-se de vaiá-lo e execrá-lo como "escravo"; no ângulo da esquerda, ele provou-se o homem de novo tipo, que anulou e sublinhou com galhardia o preconceito ideológico-racial-profissional; para quem é apenas humanista, o médico que passou a noite de Natal numa aldeia de índios no Maranhão, a mais de 300 km de São Luís, foi o personagem mais emblemático do polarizado 2013
247 – Juan Delgado, médico, cubano e negro foi
escolhido, pelas circunstâncias, como o homem do ano no Brasil em 2013.
Não houve eleição, pesquisa ou enquete, assim com a escolha, pela
revista Time, do Papa Francisco como Homem do Ano no mundo foi exclusiva
de editores - e reconhecida consensualmente como acertada.
Para destacar o dr. Delgado, o que valeu para 247 foi a reflexão do
que ele simbolizou como resumo sem açúcar do que foi batido no
liquidificador político, social e econômico do País nos últimos doze
meses.
Entre todas as polêmicas levantadas contra o governo no debate
nacional, o Mais Médicos foi a verdadeira mãe de todas as batalhas.
Apostou-se, na virada de 2012 para 2013, no apagão de energia. Mas
rapidamente esse espirro de desinformação editorializada se dissipou
frente a realidade de abastecimento normal. Os fantasmas da inflação e
do estouro das contas públicas assombraram apenas as páginas da mídia
familiar, não tendo se materializado até agora, vésperas do Natal. No
ano que vem, a propaganda a favor dos fantasmas irá continuar.
Quanto ao Mais Médicos, foi atacado por um setor da sociedade de
bastante peso e grande capacidade de articulação. Estudantes de
Medicina, médicos e suas entidades uniram-se como nunca se vira, para
atacar com todos os argumentos a iniciativa do governo federal,
igualmente inédita no País - a de povoar os rincões com baterias de
médicos nacionais e estrangeiros encarregados do primeiro combate aos
sinais de doença entre a população.
As circunstâncias escolheram o médico cubano para ser a face mais representativa de 2013 no Brasil.
Entre os mais de quatro mil médicos estrangeiros que desembarcaram no
Brasil para tomar lugar no programa Mais Médicos, perto da metade é
formada por cubanos. Desse contingente, principal alvo dos médicos e
estudantes descontentes com o programa em razão de sua origem cubana – e
cor da pele negra -, Juan Delgado virou destaque. Em Fortaleza, a
exemplo de todos os seus colegas que chegavam para a primeira
ambientação no País, ele foi recebido por um corredor polonês.
"Escravo!", gritava a horda de médicos e estudantes de Medicina do
Ceará, numa tentativa de humilhação que ganhou adeptos entre colunistas
que se consideram civilizados. Inacreditável. Num primeiro momento, Juan
Delgado, cuja foto percorreu o País num recorde de publicações, ouviu o
coro contra si ganhar a simpatia de muita gente.
REVIRAVOLTA - Logo depois, porém, mais gente ainda
armou a solidariedade a ele, aos profissionais e ao programa Mais
Médicos. Uma a uma, todas as provocações e impasses levantados pelas
entidades médicas com a colaboração da mídia familiar caíram em
instâncias judiciais. O preconceito das críticas tornou-se claro até
mesmo quando escondido pela ideologização do debate. A manifestação de
racismo de um punhado de cidadãos do Ceará vestidos de branco foi
reproduzida por inúmeros setores, mas suplantada pela reação coletiva de
uma sociedade que, goste ou não a elite, acabou com a escravidão em
1888.
Além das circunstâncias, o dr. Delgado agiu efetivamente como um
homem referencial em 2013. Posicionou que jamais sentiu-se escravo por
viver no regime socialista de Cuba. Ele deixou claro considerar-se um
construtor de um mundo mais fraterno e apoiador de um regime que também
tem como marca a solidariedade internacionalista. Relevou as críticas,
não devolveu nas mesmas moedas as ofensas que recebeu, mas
transformou-as em riqueza para a sua causa. Com uma postura que marcou a
diferença, ele confirmou a crença de muitos na evolução da sociedade e
deu uma lição de comportamento e correção.
A noite de Natal, Juan Delgado passará ao lado de seis outros médicos
e dos índios da aldeia para a qual ele foi enviado, a 316 quilômetros
de São Luís, no Maranhão.