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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O bom médico...

Em tempo em que o conceito dos médicos foi jogado na lata de lixo pelos mauricinhos e patricinhas e pelos Conselhos insuflados pela indústria farmacêutica, laboratórios e planos de saúde, Luís Nassif, com a percepção de sempre faz uma boa análise dos rumos do conceito público de nossos profissionais da medicina. 


O suicídio de imagem da medicina brasileira


Coluna Econômica

Prefeito de Vargem Grande do Sul, tio de minha mãe, o médico Bié Mesquita tinha um consultório com duas salas. Numa, os clientes que podiam pagar pela consulta; na outra, os que não podiam. Revezava o dia inteiro atendendo a ambos. Em frente o consultório, montou uma farmácia, mas ninguém sabia que era dele. Os pacientes necessitados saíam do consultório com a receita e a recomendação para aviar na farmácia em frente. Lá, eram informados de que não precisariam pagar nada.
Em Poços de Caldas, o pediatra Martinho de Freitas Mourão atendia de manhã os necessitados, de tarde os que podiam pagar.
Não havia equipamentos sofisticados. Eram tempos longínquos, no interior, com acesso a no máximo uma máquina de raio X. Tinham o estetoscópio, a paleta para colocar sob a língua do paciente e o conhecimento acumulado pelo curso e pela prática. Salvavam vidas.
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Não são exemplos isolados. Na medicina nacional, grandes nomes, médicos bem sucedidos, cirurgiões consagrados passaram a dedicar parte de sua atividade à saúde pública ou atendimento em hospitais públicos. É assim com Adib Jatene, Miguel Srougi e tantos outros. A medicina brasileira forneceu alguns dos maiores homens púbicos do país, sanitaristas como José Gomes Temporão, David Capistrano, José Veccina Neto. Ajudou na criação de um modelo federativo através da obra monumental do SUS (Sistema Único de Saúde).
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Mesmo os Conselhos de Medicina têm um histórico digno. Não fossem os médicos voluntários do Conselho Regional de Medicina atenderem a um pedido e se deslocarem para o Instituto Médico Legal (IML), em maio de 2006, o número de assassinatos da Polícia Militar teria dobrado.
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Por todo esse histórico, é chocante a maneira como Conselhos de Medicina e médicos em geral reagiram à vinda dos médicos cubanos e, antes disso, nas manifestações de rua, portando cartazes agressivos contra políticos, como se fossem os mais vulgares dos trolls de Internet.
Conseguiram jogar a imagem da profissão na lata de lixo, apresentando-se para a esquerda como elitistas insensíveis e para a direita como corporativistas rançosos.
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A própria velha mídia, que estimulou inicialmente os ataques aos cubanos, levantando os argumentos mais inverossímeis para o que era uma medida de saúde pública, recuou, deixando os movimentos médicos com a broxa na mão, expondo a imagem do médico brasileiro a críticas de todos os quadrantes.
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Raras vezes assisti a um suicídio de imagem tão amplo e irrestrito.
Agora, é hora de defender a categoria dessa malta que a representou nas manifestações. A medicina brasileira não são aqueles manifestantes, não são os CRMs que estimularam as agressões vergonhosas contra cubanos.
A medicina brasileira é Bié e é Martinho, é Jatene e é Zerbini, são os sanitaristas que desenharam um novo sistema de saúde, é a estrutura das santas casas de misericórdia, que seguraram a peteca em séculos de descaso público com a saúde, são os médicos do serviço público que cumprem com garra sua missão.
Espera-se que os verdadeiros médicos tenham a coragem de vir a público para consertar o estrago que esses vândalos cometeram contra a imagem da categoria.

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E como complemento, acrescemos uma boa lembrança da medicina na pequena Campanha, no Sul de Minas até a década dos setenta do século passado, quando as duas mais proeminentes figuras da política e da vida social da cidade, os médicos Manoel Valadão e Zoroastro de Oliveira Filho - este com notável descendência de médicos de renome em diversos campos da mais avançada medicina brasileira - se revezavam na Prefeitura e no atendimento aos pobres da cidade. 

Não havia na velha Campanha de então, pobre que ficasse sem atendimento por um ou por outro que na prática médica jamais fizeram qualquer distinção entre ricos e pobres e, curiosamente, mesmo sendo um do PSD e o outro da UDN, sem qualquer discriminação de caráter político. 

Eram médicos na verdadeira acepção da palavra e de seu juramento de classe...