A batalha dos 0,09%
A turma que vive de rendas nem disfarça mais. Por uma
diferença de 0,09% no índice de inflação, começou o que pode ser a
batalha final para o Banco Central interromper uma política de juros
baixos.
Por Paulo Moreira Leite*
Claro que ninguém pode ter um ponto de vista fanático e achar que os juros nunca podem subir. Altas podem ser necessárias, em situações extremas. Mas é preciso avaliar a situação real.
Um primeiro aviso aos navegantes: quanto vale 0,09% em alguma coisa?
Economistas sérios sabem que todo dado de 0,0 alguma coisa é, em si, irrelevante. Não é sinal de nada. O problema é a tendência.
Este é o verdadeiro aviso aos navegantes: a inflação tem uma tendência de queda. O índice de 6,59% de março é a soma de 12 meses. Mas, em março, a inflação foi menor que a de fevereiro. (Os números são 0,47% contra 0,60%, respectivamente). Outro dado. Os alimentos, responsáveis pelas altas recentes – sem eles, a inflação não passaria de 4,5% -- estão em queda.
Leia o que diz a nota analítica do Bradesco, hoje, após os números do IBGE:
"O movimento de descompressão do grupo alimentação deve se manter nos próximos meses. Na mesma direção, os preços de vestuário recuaram de uma alta de 0,55% em fevereiro para 0,15% em março. No sentido contrário, houve elevação de 0,51% do grupo habitação, sucedendo a queda de 2,38% dos preços em fevereiro, por conta da dissipação do reajuste de energia elétrica. Os núcleos mostraram aceleração em 12 meses, ainda que, na margem, tenham desacelerado em relação ao mês anterior. O índice de difusão registrou recuo de 72,33% para 69,04% no último mês, devolvendo a alta observada em fevereiro. Os serviços vieram em linha com o esperado, registrando alta de 0,26% entre fevereiro e março, levando o crescimento acumulado em doze meses de 8,66% para 8,37%. Para o ano de 2013, continuamos com a expectativa de alta de 5,4% do IPCA."
Ou seja. Para o Bradesco, o IPCA chegará abaixo da meta no fim do ano.
Mas a pressão continua. Por que?
Porque não há um debate técnico sobre o assunto, como seria tão agradável acreditar. Há uma disputa política por renda -- que pode se transformar num drible contra o governo Dilma.
Derrotados em agosto de 2011, quando o Banco Central jogou os juros para baixo, nossos rentistas não se conformam. Possuem um exercito de analistas e consultores em militância permanente para a reabertura do cassino financeiro.
Nos últimos meses, o grande empresariado obteve mais do que imaginava. O governo desonerou a folha de pagamentos. Baixou a conta de luz para consumidores e empresas. Abriu concessões generosas a iniciativa privada na área de infraestrutura. O saldo é um crescimento econômico, sob novas bases, em torno de 3% e 4%. Não é muito mas pode ser um bom começo.
A questão central do processo é e sempre foi o juro baixo. O consumidor precisa dele para ir as compras. O empresário também conta com isso para novos investimentos. A certeza do dinheiro barato estimula o crescimento. A incerteza inspira a retirada, o medo.
Não é preciso um aumento grande. Basta um movimento na direção aguardada. O impacto negativo será imenso e prolongado.
Não se manipula com espectativas bilionárias impunemente, como num jogo de video game.
O problema é que imenso capital improdutivo brasileiro, aquele que é tão poderoso que tem tantas faces invisíveis -- muitas só são reconhecidas quando autoridades aceitam bons empregos ao deixar o governo -- não sabe viver de outra forma. Desfalcado de uma imensa receita assegurada no mercado financeiro, prepara a revanche.
Está conseguindo colocar a inflação como ponto essencial da agenda. Quando isso acontece, o cidadão já sabe. A “defesa da moeda” é a senha cívica para menos empregos, menos crescimento, menos crédito e menos consumo.
Do ponto de vista político, é uma armadilha para Dilma, que dentro de um ano e meio enfrentará as urnas onde vai buscar a reeleição.
Do ponto de vista da sociedade brasileira, é um retrocesso a um modelo concentrador de renda.
Do ponto de vista econômico, é um erro trágico e bisonho, que tem um antecedente mortífero.
Em novembro de 2011, o BC brasileiro cedeu às pressões do rentismo e deu um salto para cima nos juros – jogando a economia, já em declínio em relação ao ano anterior, num mar de incertezas e desconfiança. Erro semelhante, no final de 2008, criou amarras desnecessárias no esforço para livrar o país da catástrofe que se iniciou em 2008. O país recuperou-se em 2010, mas pagou um sofrimento que poderia ter sido evitado.
Ao explicar o colapso europeu dos últimos anos, o Premio Nobel Paul Krugmann vai direto ao ponto. Lembra que o Velho Mundo paga a conta de um Banco Central que fechava os olhos para o crescimento e tinha uma visão obsessiva pela redução da inflação. O resultado foi transformar a Europa num grande cemitério de empregos e esperanças.
Não vamos nos enganar. O debate de 0,09% é político. (Agradeço aos leitores que alertaram para um erro na primeira versão deste texto).
*Paulo Moreira Leite é diretor da ISTOÉ em Brasília. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.
Fonte: Isto É