Muita bobagem e inúmeros preconceitos têm cercado as análises sobre a atuação dos médicos cubanos. O site "Diário do Centro do Mundo" publica texto de Kiko Nogueira que transcreve a a análise de um secretário de saúde do Tocantins que trabalhou com os cubanos quando o governo FHC os trouxe ao Brasil - é isso mesmo, FHC já trouxe médicos cubanos para o país!
É uma opinião que derruba mitos, preconceitos e xenofobia racista...
A passagem dos médicos cubanos no Brasil nos anos 90, segundo uma testemunha ocular
Kiko Nogueira
Ex-secretário de Saúde de Palmas, atual diretor da Anvisa, Neilton Araújo de Oliveira conta o que viu.
Neilton Araújo de Oliveira foi secretário de saúde de Palmas,
capital do Tocantins, entre 1997 e 2000. Especialista em saúde pública,
ele é professor da Universidade Federal, onde coordenou a criação do
curso de medicina. Na secretaria, Neilton trabalhou diretamente
com profissionais cubanos. Pouco mais de uma centena deles foi
trabalhar no estado, graças a um convênio com o governo de Cuba. Atual
diretor adjunto da Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
Neilton contou ao Diário como foi a passagem dos cubanos.
A avaliação de todos os secretários dos municípios, não só a minha, é
de que se tratou de algo muito positivo. Houve uma integração e uma
identificação enormes com a população. O grosso do atendimento, em
cidades do interior do país, é a atenção básica. Os cubanos eram
profissionais dedicados e competentes e que faziam com que as pessoas se
sentissem seguras e bem atendidas.
Havia, no começo, dificuldades com a língua, mas isso foi superado
rapidamente. Pode acontecer com qualquer médico do Brasil. Eu mesmo,
depois de me formar em Goiânia e ir para o norte, tive de aprender a me
referir às gestantes como “buchadas”. A barreira da linguagem é fácil
de ser quebrada se você investe na integração com a comunidade.
A população gostava deles porque estavam presentes no dia a dia. Isso
faz toda a diferença. São cidades totalmente abandonadas, que se
transformam com médicos que passam a acompanhar os habitantes, vendo as
crianças, cuidando dos doentes, estando presentes.
Isso faz muita falta no Brasil. Uma pesquisa que realizei para meu
doutorado pelo Instituto Oswaldo Cruz revelava que só 5% dos formandos
no Brasil desejam trabalhar em cidades pequenas do interior, onde a
carência é bem maior. 60% deles querem ser especialistas.
Neilton
Se o Mais Médicos cometeu um erro, foi envolver pouco as entidades do
setor na formulação do programa. Isso acirrou o corporativismo da
classe — que já é grande. As agressões, porém, não ajudam o debate. Isso
não constrói nada.
O Mais Médicos propõe que os cubanos sejam acompanhados por tutores, o
que é importante. O argumento de que o programa seja eleitoreiro é uma
bobagem. Tudo o que qualquer governo faz pode ser interpretado desta
forma. O que vale é se funciona.
As acusações de má formação dos cubanos são levianas. No Tocantins,
não houve nenhum caso que permita afirmar isso. No Brasil, também temos
bons cursos e outros muito ruins, privados ou públicos. A formação
profissional nunca dependeu só disso.
Cidades pequenas não precisam de grandes instalações hospitalares.
Não é necessário um hospital de transplante em cada lugar. A população
pobre precisa de um médico por perto.
O Mais Médicos é uma oportunidade de ouro para discutir a saúde no
país. Questões complexas exigem soluções complexas. Pena que esse tipo
de debate seja contaminado pelas mesmas pessoas que falam em invasão
comunista e outros absurdos.
Eles formam uma força de trabalho fundamental. O Mais Médicos está
ocupando um espaço vazio. Na política, não existe vácuo. A formação
desses estrangeiros — e não só dos que vêm de Cuba, mas os espanhois,
portugueses etc — vai no sentido de integrar e trabalhar perto de quem
necessita. No Tocantins, eles ajudaram em algo fundamental: evitar que
problemas simples se tornassem problemas graves.
Kiko Nogueira
Diretor-adjunto do Diário do Centro do
Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista
Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e
Turismo e do Guia Quatro Rodas.