Golpe no Brasil poderá servir de modelo e se repetir no mundo
dom, 15/05/2016 - 08:07
Atualizado em 15/05/2016 - 08:10
"O golpe expôs a vulnerabilidade das instituições da República ante o poder das corporações"
Jornal GGN - No
artigo à seguir, Laurez Cerqueira, chama a atenção para a estrutura por
trás do golpe de estado no Brasil, formada por uma pequena burguesia e
com grandes corporações multinacionais (principalmente estrangeiras).
Avalia o impacto da saída forçada de um governo democraticamente eleito
no Brasil em todo o mundo, buscando respostas nas raízes históricas de
avaliações feitas pelo antropólogo Darcy Ribeiro.
O mundo assiste perplexo, e com muita
atenção, aos desdobramentos do primeiro golpe de Estado, no Brasil, sem o
uso de armas, operado por um sofisticado esquema, bem pensado e bem
articulado entre setores das mais importantes instituições da República,
em parceria com a mídia senhorial.
Universidades, fóruns de discussão,
grandes redes de notícia internacionais, debatem o golpe de Estado no
Brasil com bastante preocupação, tendo em vista a ameaça às democracias
do mundo, desse inusitado modelo jurídico-político engendrado aqui, que
pode vir a se proliferar por outras nações.
O Brasil está vivendo uma situação de
desmanche institucional e de negligência à Constituição e às leis, por
autoridades políticas e judiciárias, de forma inimaginável, com objetivo
claro de favorecer negócios de grandes corporações com as maiores
riquezas do país.
O que está acontecendo no Brasil é um
precedente perigoso, de investida de poder de megacorporações
empresariais, principalmente estrangeiras, com seus interesses
econômicos e financeiros definidos. Corporações que se organizaram e se
beneficiaram de ações de setores de instituições do Estado brasileiro na
derrubada do governo.
O golpe expôs a vulnerabilidade das
instituições da República ante o poder das corporações. Evidentemente
não é a primeira vez que episódios dessa natureza ocorrem no país.
Afinal, nossa história é feita de golpes desde a proclamação da
República, mas é a primeira vez que a tomada do poder se dá de forma
cirúrgica, sem as Forças Armadas, movida subterraneamente pela força do
grandes negócios das corporações por dentro de instituições da
República, tendo o petróleo como o centro dos motivos.
Nunca é demasiado lembrar que o
petróleo é a matéria prima que movimenta a maior cadeia produtiva do
planeta. Não é mais apenas combustíveis. O petróleo está no tênis, nos
móveis das casas, no batom, no brinco, no celular, na tinta, na roupa,
está em todo o nosso redor. Por isso, a gana das grandes corporações
pelo domínio da matéria prima. O Brasil se tornou alvo de cobiça por
ter entrado para a geopolítica do petróleo com as reservas do Pré-sal.
O uso, sem precedentes, da chamada
“teoria do domínio do fato” como orientação jurídica, no Brasil, a
pretexto do combate à corrupção, é outro fator que ganhou destaque no
meio acadêmico e na imprensa estrangeira, por ter sido contestada por
renomadas academias, grandes juristas de vários países, sobretudo
condenada pelo próprio autor da teoria, o jurista alemão, Claus Roxin.
Claus Roxin, quando esteve no Brasil,
em palestras nas universidades brasileiras, disse que a teoria foi
instituída para fim específico de apuração de crimes de guerra, por ser a
hierarquia militar uma estrutura extremamente rígida e de comandos
muito bem definidos. Não poderia, portanto, ser utilizada para outros
fins.
No Brasil, a tal teoria está sendo
usada indiscriminadamente, por magistrados, com finalidade política,
para incriminar pessoas previamente escolhidas. Escolhe-se o alvo, num
processo de investigação qualquer, e em seguida criam-se as cadeias de
justificação com falsos elementos, a fim de atingir pessoas e
instituições, como está ocorrendo com o PT e com Lula, e assim impedi-lo
de participar das eleições, em 2018.
O fato é que a arquitetura do golpe
despertou apreensão mundo a fora e está sendo condenada por instituições
internacionais, por fóruns acadêmicos de direito, e pelas mais
importantes redes de notícias do planeta, devido às injustiças e
violações de garantias universais previstas na Constituição e nas leis,
às quais são submetidas pessoas inocentes. A Presidenta Dilma é o mais
emblemático exemplo de injustiça, vítima de dois tribunais de exceção:
Câmara e Senado, sendo que o tal crime de responsabilidade é falso.
Por detrás de um biombo de
justificativas falsas, autoridades abrem espaços para gerentes de
interesses de grandes corporações nacionais e internacionais. Basta ver o
ministério Temer. São homens de negócios. Nenhum representante de
segmentos da sociedade ou de movimentos sociais. Eles querem negócios na
área de petróleo e gás, energia elétrica, bancos públicos e outras
áreas. Não estão interessados nos problemas do povo. Tanto que
extinguiram boa parte dos ministérios e órgãos da área social.
Organismos internacionais como a ONU,
OEA, UNASUL, MERCOSUL e outras, já se posicionaram contra o golpe de
Estado no Brasil e manifestaram preocupação com o rompimento da
legalidade no país. É possível que nos próximos meses o governo
provisório de Michel Temer encontre resistências, quanto ao
reconhecimento de nações democráticas.
O golpe, coberto por falso manto de
legalidade, urdido fora da lei, é filho do golpe original da proclamação
da República e acalentado por sucessivos outros golpes de Estado ao
longo da história do Brasil.
Nossa República, nascida do ventre do
senhorio de escravos, originário de uma forte reação deles ao movimento
abolicionista, não conseguiu até hoje se consolidar como uma República
Democrática, perene. O senhorio e seus descendentes sequer admitem a
cidadania do povo, os direitos humanos elementares e muito menos a
democracia com distribuição da riqueza.
Nosso arremedo de República, com o
Estado formado por autoridades e funcionários públicos, muitos deles
ainda de posturas monárquicas, guardadas as devidas exceções, atuam na
vida pública em defesa do status quo, não permitem a consolidação da
democracia. É como se o país estivesse condenado a viver embaraçado no
liame do passado colonial.
A socióloga Angela Alonso em seu
primoroso livro “Flores, votos e balas”, sobre o movimento abolicionista
(1886-1888), trás esclarecimentos preciosos sobre aquele período. Conta
ela que, dias depois da sanção da Lei Áurea, as maiores províncias, São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, passaram a exigir providências do
governo central para garantir a ordem pública, prevenções contra as
incertezas e a anarquia que, segundo os fazendeiros, se estabeleceria no
país.
(*) A propósito, as províncias de São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais estão muito bem representadas no
episódio do golpe de Estado no Brasil, por Michel Temer, Eduardo Cunha e
Aécio Neves, respectivamente. Temer ganhou um governo provisório com
fraude. Cunha foi o condutor da fraude. Aécio deu todo apoio à fraude.
Aécio disse, no início da campanha eleitoral de 2014, que ele varreria o
PT do Estado brasileiro. Uma ideia muito parecida com a dos fazendeiros
da República da Espada.
Os fazendeiros, logo após a Lei Áurea,
por meio de uma peça de teatro patrocinada por eles, chegaram a propor
“uma colônia na província de Mato Grosso para onde fossem mandados todos
os ex-escravos, a serem comandados pelos abolicionistas Joaquim Nabuco e
José do Patrocínio, proclamando-os rei ou imperador dos negros.
A agenda dos abolicionistas, que
buscavam instituir direitos sociais, como, por exemplo, a Lei da
Educação, da Instrução e elevação do nível cultural dos libertos, e a da
democracia rural, colidiu com a agenda de reivindicações de indenização
dos fazendeiros, sendo que, quem tem direito a indenização são as
vítimas da escravidão e não os donos das terras e das minas.
Desde então, a República arrasta seu
pecado original. A elite senhorial não admite a democracia, porque na
democracia os pobres ganham e impactam a ordem social “causando
anarquia.”
O antropólogo Darcy Ribeiro, numa
entrevista a um programa de televisão, nos idos de 1980, foi contundente
ao definir a República brasileira.
“Uma nação na qual a classe dominante é
constituída de filhos e descendentes de senhores de escravos, leva na
alma o pendor, o calejamento do senhor de escravos.
Quem é o senhor de escravos? É aquele
que compra outro homem e que o negócio dele é tirar desse homem, com
chicote, a renda que esse homem pode dar.
Enquanto o escravo está condenado a
lutar pela sua liberdade e ir para seu quilombo, o senhor de escravos
faz o contrário. Está condicionado a usar o escravo como carvão que se
queima na produção, para obter mais lucro.
Uma classe dominante de senhores de escravos está marcada por essa natureza.
Quando, além do senhor de escravos,
ela é representante de interesses ingleses, e, depois, de
norteamericanos, quando ela não é mais proprietária, mas gerente de
interesse estrangeiros, ela é uma classe dominante pervertida.”