Depois de uma quase unânime condenação do golpe em curso no Brasil pelos órgãos da imprensa estrangeira onde o Brasil foi chamado até de "república bananeira", agora são os juízes do trabalho latinoamericanos por sua associação a condenar o processo.
Pelo andar da carruagem faltam juízes no Brasil, salvo as raras exceções daqueles que tiveram coragem de vir a público externar sua posição. Mas, julgar os eduardos cunhas da vida, nada...
Eis o texto publicado originalmente no site Brasil 247:
A Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho alertou, por meio
de nota pública, a comunidade internacional sobre o golpe parlamentar
em andamento no Brasil contra a presidente Dilma Rousseff. Segundo a
instituição, que reúne juízes do Trabalho de todos os países da América
Latina e do Caribe, sessão de domingo (7) na qual a Câmara aprovou a
abertura do processo de impeachment foi um "julgamento estritamente
político, que representou a quebra da ordem constitucional, no afã de
promover o afastamento ilegítimo da Presidente da República, eleita com
mais de 54 milhões de votos".
O documento destaca que a tentativa de afastamento da presidente
Dilma possui um "figurino golpista" onde o "partido derrotado na eleição
presidencial não reconheceu a derrota e requereu ao Tribunal Superior
Eleitoral a recontagem dos votos. Depois, o mesmo partido propôs ação no
TSE, postulando a perda do mandato da Presidente, sob a alegação de
abuso de poder político, econômico e fraude na campanha do PT de 2014. A
mídia oligopolista sustenta a pauta do impeachment há um ano e meio".
Associação alerta ainda que "perigosos precedentes revelam que a
tomada do poder por grupos políticos derrotados nas urnas vem se
revelando uma tendência na América Latina, como aconteceu nos golpes
perpetrados contra os então presidentes de Honduras, José Manuel Zelaya,
em 2009, e do Paraguai, Fernando Lugo, em 2012".
Leia ìntegra da nota divulgada pela Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho:
"A Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho, entidade que
congrega magistrados de todos os países da América Latina e do Caribe,
por decisão unânime da Diretoria Executiva, vem a público alertar a
comunidade brasileira e internacional para o golpe parlamentar em curso
no Brasil.
Com efeito, no processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff o
figurino golpista se revela claramente, desde a proclamação dos eleitos
no pleito de 2014. O partido derrotado na eleição presidencial não
reconheceu a derrota e requereu ao Tribunal Superior Eleitoral a
recontagem dos votos. Depois, o mesmo partido propôs ação no TSE,
postulando a perda do mandato da Presidente, sob a alegação de abuso de
poder político, econômico e fraude na campanha do PT de 2014. A mídia
oligopolista sustenta a pauta do impeachment há um ano e meio.
O presidente da Câmara recebeu a denúncia contra a Presidente no
momento em que já estava ameaçado de cassação e processado
criminalmente, em uma manifestação evidente de chantagem e, depois, de
vindita política, sem que estivesse configurado crime de
responsabilidade por ela cometido. Causa perplexidade o fato de o
processo de impedimento da Senhora Presidente da República, que não é
alvo de qualquer investigação criminal, ter sido articulado e conduzido,
no âmbito da Câmara dos Deputados, por parlamentar denunciado pelo
Ministério Público Federal no STF, na qualidade de autor de inúmeros
crimes contra o patrimônio público, incluindo o de corrupção passiva.
Ainda que o direito de cumprir integralmente o mandato, nas
democracias, não seja reconhecido de forma absoluta, também é certo que
somente em casos excepcionalíssimos haverá a possibilidade de
afastamento dos ocupantes de cargos, inclusive do Presidente da
República, nos estados presidencialistas.
O exame do art. 85 da Constituição da República Federativa do Brasil
revela que a Presidente da República Dilma Rousseff não incorreu em
nenhuma conduta correspondente a crime de responsabilidade, de modo que o
requisito jurídico para a autorização do processamento do impedimento
não se configurou. Não há, portanto, condição jurídica para a admissão
de acusação contra a Chefe do Poder Executivo, como feito em 17 de abril
de 2016, pela Câmara dos Deputados.
Tratou-se de julgamento estritamente político, que representou a
quebra da ordem constitucional, no afã de promover o afastamento
ilegítimo da Presidente da República, eleita com mais de 54 milhões de
votos.
O afastamento promovido fora dos ditames constitucionais e dos
limites de atuação das instituições democráticas representará o
desaparecimento de requisitos mínimos de configuração da democracia, que
é o reconhecimento pelos vencidos do resultado das urnas e a garantia
do cumprimento dos mandatos dos eleitos. Em uma palavra, a ruptura do
Estado Democrático de Direito.
O caso brasileiro, ainda pendente de desfecho, não terá sido fato
isolado. A rigor, perigosos precedentes revelam que a tomada do poder
por grupos políticos derrotados nas urnas vem se revelando uma tendência
na América Latina, como aconteceu nos golpes perpetrados contra os
então presidentes de Honduras, José Manuel Zelaya, em 2009, e do
Paraguai, Fernando Lugo, em 2012.
Tendo em mente tais precedentes e preocupados com a evolução dos
acontecimentos no Brasil, aqui estiveram o Secretário Geral da
Organização dos Estados Americanos, o Secretário Geral da UNASUL e o
Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, para expressar a
inquietude da comunidade internacional com a insistência dos vencidos
no pleito de 2014 em afastar a Chefe de Estado e de Governo, sem que
haja base jurídica para a medida, num flagrante atentado às instituições
democráticas.
A transmissão da sessão da Câmara dos Deputados de 17 de abril
permitiu que o Brasil e o mundo constatassem, com segurança, a
fragilidade dos fundamentos apresentados pelos parlamentares, que, em
sua grande maioria, se limitaram a render homenagens a parentes e
amigos, passando pela exaltação dos golpistas de 1964 e de notórios
torturadores, tudo sob a cínica complacência do Presidente da Casa, num
inacreditável espetáculo de rancoroso revanchismo, que envergonha o
Brasil perante a comunidade internacional.
A ALJT não tem dúvida do retrocesso político e social que ocorrerá no
eventual impedimento da Presidente da República, cujo processo é
conduzido pelas forças mais conservadoras e reacionárias da sociedade,
com o patrocínio de poderosas entidades empresariais, obcecadas pelo
esgarçamento da legislação trabalhista, com especial destaque para a
autorização, sem limites, da terceirização, da prevalência do negociado
sobre o legislado e pelo fim de tantas outras conquistas dos
trabalhadores previstas na Constituição da República e na Consolidação
das Leis do Trabalho – CLT.
Confia a Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho que a
resistência coletiva, pública e pacífica da sociedade brasileira, aliada
à pressão internacional pela conservação da democracia no Brasil, serão
determinantes para a interrupção do processo golpista. Também confia a
ALJT que as instituições públicas e os poderes constituídos da República
que ainda examinarão o tema exercerão as suas funções com independência
e destemor, isenção e equilíbrio, e rejeitarão o julgamento meramente
político da Presidente da República, que seria, assim, inconstitucional e
ilegítimo e reduziria o Brasil à condição de Estado não democrático,
num retrocesso histórico de consequências imprevisíveis.
Em 18 de abril de 2016.
Hugo Cavalcanti Melo Filho
Presidente / Juiz do Trabalho no Recife, Brasil
Presidente / Juiz do Trabalho no Recife, Brasil
Julio Arrieta Escobar
Vice-presidente / Juiz da Corte Provincial – Sala Laboral – Sede Judicial de Quito, Equador
Vice-presidente / Juiz da Corte Provincial – Sala Laboral – Sede Judicial de Quito, Equador
Maria Madalena Telesca
Secretária-Geral / Desembargadora do Trabalho no Rio Grande do Sul, Brasil
Silvia Escobar
Secretária-Geral / Desembargadora do Trabalho no Rio Grande do Sul, Brasil
Silvia Escobar
D. Prerrogativas / Juíza de Câmara de Trabalho em Mendoza, Argentina
Rosina Rossi
Rosina Rossi
D. Cultural / Ministro do Tribunal de Apelações do Trabalho, Uruguai
Roberto Carlos Pompa
Roberto Carlos Pompa
D. Assuntos Internacionais / Juiz na Sala IX da Câmara Nacional de Apelações do Trabalho, Argentina"