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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

AP 470: uma lição que vem de longe

E a Itália julgou a AP 470...

Com a mídia brasileira insistindo em centrar fogo apenas em uma das razões para a negativa de extradição de Henrique Pizzolato pela Corte que o julgou na Itália, deixamos de debater outra das razões nas quais o tribunal peninsular se decidiu por não conceder o pedido brasileiro: o Brasil negou a Pizzolato o direito ao duplo grau de jurisdição no julgamento da AP 470 pelo Supremo Tribunal Federal.

Usando da tática da omissão seletiva dos fatos e concentrando suas críticas apenas no argumento da qualidade do sistema penal brasileiro, nossa mídia - a verdadeira parte acusatória na referida ação penal - deixa de lado a discussão sobre a negativa de direitos a Pizzolato, em uma forma de validar o julgamento feito pelo STF e passar ao público a impressão de que a Corte italiana convalida o julgamento e não extradita o acusado apenas pelas condições carcerárias.

Ora, qualquer operador de direito mais conhecedor das origens e formação da norma jurídica, sabe bem que o Direito italiano foi sempre espelho e base para a criação da norma jurídica brasileira. Na Alemanha e na Itália buscamos a base para formação das nossas leis e de nossos códigos. A decisão italiana de negar extradição TAMBÉM pela inexistência do duplo grau de jurisdição põe abaixo toda a estrutura do julgamento realizado por Joaquim Barbosa e seus colegas.


Vale lembrar que não apenas Pizzolato tinha direito ao duplo grau de jurisdição - o julgamento por uma corte com faculdade de apelação em caso de sentença que lhe fosse contrária. José Dirceu, José Genoíno e diversos outros dos réus não tinham à época do julgamento, direito ao tal duplo grau e, assim como procedeu com Eduardo Azeredo, cabia à Suprema Corte brasileira declarar-se incompetente e transferir competência a juízo de primeiro grau o que daria aos réus chance de apelação de sentença que lhes fosse contrária.

O argumento da Corte italiana põe por terra de forma gritante toda a estrutura de condenação de Pizzolato e de todos os réus da AP 470. E é por isso que a mídia que condenou os réus desse processo por antecipação e fez do julgamento um verdadeiro circo, se nega a ir adiante na análise da negativa italiana da extradição. Se o fizer absolverá de vez Dirceu, Genoíno e os demais réus dos quais se excetuam apenas os titulares de mandato parlamentar ali julgados.

Continuamos vivendo a farsa de uma ação penal que foi montada como parte de plano maior de criminalização da política e ceifou a um dos partidos brasileiros, dois de seus melhores quadros.

E assim se move o Judiciário brasileiro apoiado na sua mídia comprometida, na farsa de princípios jurídicos questionáveis e nessa imensa nódoa do partidarismo midiático intransigente...