Aos meus amigos que votarão em Aécio
Recentemente encuquei com a quantidade de pessoas que julgo
inteligentes e que estão declarando voto-protesto em Aécio “para mudar
tudo isso aí”. Sempre que alguém me diz que “do jeito que as coisas
estão não dá mais” me pergunto se essa pessoa nasceu e cresceu na
Dinamarca e chegou no Brasil há alguns anos apenas. O que não dá mais
exatamente? As coisas não estão ótimas, mas já foram imperialmente mais
grotescas. Talvez tudo esteja melhor com exceção do trânsito nas
capitais – e vamos combinar que trânsito na capital não é a rigor um
problema do Governo Federal.
“Ah, mas a corrupção está insustentável”.
Como assim, meu amigo? A corrupção é esporte nacional desde que o tal
Dom João aportou por aqui. Pode não ter melhorado, mas agora está aí
para ser julgada e condenada, como de fato está sendo.
“O PT quer instalar a ditadura”, já escutei gente que sei que é do bem dizer.
Mas então me expliquem que tipo de ditadura demora 13 anos para ser
instalada? E que ditadura mantém poderes independentes e uma Polícia
Federal que investiga o pessoal da situação? Que ditadura manda para a
cadeia alguns de seus líderes mais influentes? Que ditadura permite ser
chamada de ditadura sem mandar prender quem falou isso?
Encucada, comecei a refletir sobre essas coisas. Raramente minhas
reflexões acabam em lugares produtivos, mas, por dever moral,
compartilho aqui o que meus dois neurônios concluíram.
A sensação de insatisfação é mundial. Recentemente, a Europa teve que
escolher o novo Parlamento, votado pela população dos países da
comunidade Europeia, e duas correntes saíram vitoriosas da eleição: as
de extrema direita e as socialistas. Me parece um recado claro de que
todos querem mudança.
Mas mudança do que? O que está pegando?
O que está pegando é a desigualdade social e o desemprego. O Brasil
não vai mal em nenhum dos dois (desigualdade e desemprego diminuiram),
mas a onda da mudança chegou aqui também.
Todos nós sabemos que um pouco de desigualdade faz parte do jogo, mas
a desigualdade que vemos hoje é alarmante e dilacerante. E, com a
quebradeira de 2008 e os altos níveis de desemprego na Europa e nos
Estados Unidos, é natural – embora abominável – que a turma da extrema
direita, a turma do nacionalismo, a turma do “volta pra casa imigrante
de merda porque é por sua causa que estamos nessa situação” se agigante e
saia elegendo seus representantes. A explicação para a catastófica
situação de hoje não é, claro, o imigrante, mas situações limite tendem a
tirar o pior ou o melhor do ser-humano; e no caso da extrema direita é
sempre o pior.
Mas o que levou a economia mundial a esse ponto?
Vamos analisar o caso americano, o berço do neo-liberalismo, esse
sistema tão idolatrado pelos psdbistas, e onde hoje quatrocentas pessoas
têm mais dinheiro do que a riqueza de metade da população somada. Os
parágrafos a seguir estão mais no estilo “economia para idiotas” (o meu
caso precisamente), mas sigam comigo porque eu prometo levá-los até que
completemos um círculo inteiro.
Setenta porcento da economia americana está no consumo, e quem
sustenta o consumo de qualquer economia é sempre a classe média. Se a
classe média para de consumir, a economia para de crescer. O salário de
um trabalhador comum nos Estados Unidos não cresce desde os anos 70. Não
cresce significa que o poder real de compra do salário não muda há 40
anos. Está estagnado há quase quatro décadas. E estagnado nem é a
palavra correta. O trabalhador comum ganha menos hoje do que ganhava em
1970.
Em compensação, a produtividade só cresceu, e só faz crescer até
hoje. Então: se o salário é o que o patrão dá ao trabalhador, e se
produtividade é o que o trabalhador dá ao patrão a gente consegue
entender onde foi parar essa diferença. É um gráfico simples que até eu
entendo. Mais produtividade, mais lucro. Mais lucro sem aumentar o
salário do trabalhador significa acúmulo de dinheiro nas mãos apenas
daqueles que controlam os meios de produção (perdoem se aqui o discurso
soa marxista, sei que isso assusta alguns, mas prometo não arrepiá-los
pedindo que se instale o comunismo).
E o que o patrão fez com esse dinheiro acumulado? Em vez de devolver
ao mercado, ele guardou. Guardou em ações, em capital especulativo — no
mercado de capital enfim. É um dinheiro que não cria utilidade social, o
que seria aceitável numa sociedade de iguais, e não é esse o caso. Em
1970 a diferença entre o que ganhava um trabalhador comum e o que
ganhava o dono do negócio era de 40 vezes. Hoje essa diferença chega a
ser 400 vezes maior. Não precisamos de muito mais para entender o
tamanho da desigualdade.
No mesmo período, fortificou-se a ideia de que taxar o patrão não é
um bom negócio porque ele é o cara que cria empregos e, afinal,
precisamos de empregos. Então, impostos sobre os ricos só caíram. Um
trabalhador comum nos Estados Unidos hoje paga em torno de 30% de
impostos. Warren Buffet, uma das maiores fortunas do mundo, paga 11%.
(Pausa para que façamos a digestão).
Naturalmente até meus dois neurônios entendem que não é o empresário
que cria emprego. Quem cria emprego é o consumidor. O empresário não
acorda de bom humor numa sexta-feira ensolarada e diz: “Que dia lindo!
Vou criar vinte empregos hoje!” Ele, aliás, de uma forma geral só cria
emprego em caso de última necessidade, e de não poder mais sobrecarregar
o funcionário com tarefas extras porque o cidadão está esgotado. Se
alguém auto-denomina “criador de empregos” ele está apenas fazendo uma
declaração de poder e de status, nada além disso.
O centro do universo econômico é o consumidor e não o empresário como
gosta de pensar o neo-liberal. E toda a história de prosperidade
econômica de uma comunidade é uma história de investimento social.
Investimento nas classes mais baixas, e em coisas básicas como educação –
gratuita e de qualidade. Se querem um exemplo de investimento social
fiquemos com a Coreia do Sul porque assim poupo vocês de falar de Cuba e
não perco leitores.
Aqueles que insistem com o discurso da divindade do livre mercado
ainda não se deram conta de que livre mercado nunca existiu porque o
governo, qualquer governo, sempre regulou mercados. O problema americano
é que, desde o neoliberalíssimo Ronald Reagan, os mercados passaram a
ser regulados de forma a atender os interesses dos muito ricos apenas.
Uma regulação mão-leve, vista-grossa, uma regulação que protege o
opressor e não o oprimido.
Outra atitude tomada por Reagan foi o fim dos sindicatos. A economia
americana hoje quase não tem sindicatos. E sem eles não há quem lute por
reajustes salariais para o trabalhador, por isso a estagnação do poder
real de compra do dólar por quarto décadas a despeito de tudo mais
continuar a subir – casa, alimentação, saúde etc etc.
O que fez o trabalhador americano tendo que continuar a gastar com
casa, alimentação, saúde e educação mas ganhando rigorosamente o mesmo
salário por gerações? Se endividou. Gastou no cartão, fez empréstimos e,
ainda mais cruel, acumulou empregos, trabalhando muitas vezees em dois
ou três. Que custo isso tem para uma sociedade? Para as relações? Para
as famílias? Sem dinheiro e tendo que trabalhar por horas sem fim as
pessoas não se cuidam, não se relacionam decentemente, não criam filhos
decentemente, não se alimentam decentemente. O diabo da economia
capitalista é que, no fim, todo esse drama entra na conta como
crescimento: médicos, remédios, psicólogos, mortes…
Não é preciso ser um gênio para etender que se a produtividade
aumenta, o salário também precisa aumentar. Não apenas porque é legítimo
e moral, mas porque se o salário aumenta, o trabalhador compra mais, e
se ele compra mais a empresa cria mais empregos, e se a empresa emprega
mais e fatura mais, ela paga mais impostos. E se ela paga mais impostos o
governo ganha mais e investe mais em social e em educação e a economia
cresce. Se em alguma dessas etapas o giro é interrompido para que alguma
das partes possa acumular capital, a economia trava e a desigualdade
aumenta.
Isso chamamos de neo-liberalismo: o mercado quase sem regulação
federal, pouco ou nenhum investimento social, capital acumulado na mão
daqueles que controlam os meios de produção.
O modelo neo-liberal, o modelo do PSDB, não prevê investimentos
sociais (vamos apenas lembrar que o PT fez o Minha Casa Minha Vida, o
Luz Para Todos, o ProUni e ampliou o Bolsa Família que era um programa
nanico e anêmico durante os anos FHC), não prevê força sindical, não
prevê taxação maior aos ricos, não prevê regulação mais forte do mercado
em benefício das classes mais baixas.
O modelo PSDBista é uma cópia do modelo falido americano, e para que
saiamos da abstração o melhor exemplo talvez seja a Cantareira e a falta
de água em São Paulo. Quando a administração estadual decide não
reformar o sistema que grita por melhorias para privilegiar a
distribuição de dividendos a acionistas temos, na prática, o
neo-liberalismo ferrando o social. Estamos sem água, mas os acionistas
estão com seu lucro no bolso.
O modelo PTista, ao investir no social, mudou a cara do Brasil na
última década. Fez ascender uma multidão de pessoas ao mercado
consumidor, girou a economia, pagou o FMI, deu status ao país lá fora,
diminuiu desigualdade, desemprego, tirou o Brasil do mapa mundial da
fome, fortaleceu a Petrobrás (Ah, por favor. Sem essa de escândalo de
corrupção. Está tudo aí, sendo investigado etc e tal. Veja apenas quanto
valia a empresa com FH e quanto vale hoje).
Em outra palavras: você investe no social e nas classes mais baixas,
todos ganham. Você investe no empresário, apenas o empresário ganha e a
desigualdade aumenta.
Nem é preciso recorrer aos indicadores para que entendamos isso. Com
13 anos de investimentos sociais feitos pelo PT pergunte-se se algum de
seus amigos que já eram ricos ficaram menos ricos. Não os meus. Quem era
rico ficou ainda mais rico porque se mais gente passa a frequentar o
mercado consumidor, se mais gente se educa e vive com um mínimo de
decência, os donos dos meios de produção ganham ainda mais. A diferença é
que agora o empresário pode viajar de avião ao lado do faxineiro da
firma. É um exemplo tosco, mas vale por ser verdadeiro.
Eu sei, ainda estamos muito longe do ideal, mas não se muda 500 anos
de tropeços e costumes deploráveis e desvios e sonegações em 12. É
preciso mais tempo. É preciso mais investimento social. Mas estamos
evoluindo, e uma administração neo-liberal interromperia todo esse
processo.
É isso o que estaremos escolhendo no dia 26.
Não se trata de optar entre aqueles que fizeram o Mensalão ou aquele
que construiu aeroporto particular com grana pública e empregou parentes
em seu governo. Não se trata de escolher entre o “menor dos delitos”,
ou em “alternar poder”. Não se trata de escolher entre o azul e o
vermelho, entre o bom e o mau, entre o que fala bem e o que fala aos
trancos, entre o filhinho de papai e a guerrilheira. Se trata de
escolher um modelo de país. De optar entre o investimento no acionista
ou o investimento no social. Entre a proteção ao dinheiro do rico ou à
dignidade do pobre.
É disso que se trata o dia 26.