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sábado, 4 de outubro de 2014

A análise bem feita...

Do novo blog "Direto da Redação" no Correio do Brasil:


O debate depois do último na Globo

4/10/2014 14:38
Por Urariano Mota, de Recife

Para o colunista, o verdadeiro último debate não foi o da televisão na Globo, mas a maneira como a grande imprensa está editando a repercussão
Para o colunista, o verdadeiro último debate não foi o da televisão na Globo, mas a maneira como a grande imprensa está editando a repercussão
 Os sites da grande imprensa, que se deseja imparcial, mas ao mesmo tempo toma partido, anunciam depois do último debate presidencial na Rede Globo: “Tempo quente no debate final dos presidenciáveis”, ou “Esquentou”, e se referem aos ataques e defesas de Marina contra Dilma, de Aécio contra Dilma, e de Aécio e Marina. A repercussão é o verdadeiro último debate, que se segue na grande imprensa, depois do mostrado na televisão. Nos telejornais, com a sua capacidade de montagem e manipulação, como naquele entre Lula e Collor na Rede Globo, feito pela Rede Globo contra Lula, é que se faz o último. Daqui até domingo, este será um debate contínuo, com a pauta de escândalos e assemelhados. É claro, nunca devemos subestimar a capacidade de inteligência da direita, eles sabem que o voto dado a Dilma não muda mais. É coeso e convicto. Mas apostam contra os que ela poderá ter entre os indecisos, por exemplo. Ou entre os desiludidos, os desorientados e sem norte, que até a véspera das urnas não sabem como votam.
No site da BBC, lemos: “Corrupção e troca de acusações esquentam último debate”. E nesse particular, a BBC segue a fórmula: se alguém leva um soco e reage, a notícia é “trocaram socos”, não importa a razão dos socos, porque assim se nivelam agredidos e agressores. No site G1, temos, ou melhor, não temos, mas lemos: “Tensão marca último debate. Confrontos envolveram todos os participantes às vésperas do 1º turno”. Como assim, todos?! Não foi bem assim. O pastor Everaldo mais Levy fizeram frente única com Aécio Neves, e de tal forma que foi risível e ridícula a levantada de bola do pastor Everaldo para Aécio na pergunta: “O que você acha da Previdência?”. (O que compadre falar, eu concordo, foi o tom galhofeiro da sua pergunta.)
Pelo que vi e ouvi no penúltimo debate antes deste último na imprensa, pude anotar: nada explica a coincidência de temas conforme a pauta da oposição a Dilma. Pior, o primeiro tema “sorteado”, no segundo bloco, foi Corrupção. Que coincidência, não é? Observem, em vídeo, http://globotv.globo.com/rede-globo/g1-eleicoes-2014/v/debate-entre-os-candidatos-a-presidencia-da-republica-parte-2/3670445/ que William Bonner quase erra no gatilho e fala: “Opa! É Corrupção”.
De um ponto de vista político, já no primeiro bloco, Luciana Genro fez o triste papel de força auxiliar da direita brasileira. É lamentável dizer isso, frente a uma candidata que de intenção se deseja de esquerda e revolucionária. Mas outro, de modo alheio à suas boas intenções, não tem sido o seu papel, quando procurou deixar Dilma em maus lençóis, ao bater na tecla da corrupção na Petrobras. Ao que a presidenta assim respondeu à pureza que Luciana Genro vê entre os seus puros: “a corrupção não é exclusividade nem característica do meu partido”. Na vez de Eduardo Jorge, nota-se que ele cumpre bem o papel de palhaço, sem ofensa a Tiririca, que é genuíno e honra a categoria. Mas Eduardo Jorge é o Cômico, por desequilíbrio ou escracho, de quem um dia foi de esquerda e hoje virou verde alternativo. Se as urnas fossem o twitter e o Face, ele estaria eleito. Mas nesse particular, de comicidade, Marina às vezes consegue momentos de boa comédia, porque em último recurso para deter a sua queda, promete 13º. para o Bolsa Família. E ataca com a imagem de Ceia no Natal para os pobres. Não seria melhor uma doação de castanhas, queijo do reino, farofa, peru e champanhe para os sem Natal? Por que a verdade se esvai nas propostas mais cínicas e despudoradas? Saudade de Andersen, no conto A pequena vendedora de fósforos, que Marina transforma em pequena vendedora de ilusões.
Destaco os melhores momentos. Dilma para Marina, sobre a independência do Banco Central, pregada pelos banqueiros:
“Independentes, só os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário podem ser. Independência é dar o quarto poder ao Banco Central. Sugiro que a senhora leia o que escreveram no seu programa. Porque a senhora ou está deliberadamente tentando confundir autonomia com independência, mas isso não é possível, candidata. Autonomia é uma coisa, independência é outra. Até porque as consequências também são outras”
E mais:
“Marina, vamos colocar as coisas e os pingos nos ‘is’. O seu diretor, nomeado por você, diretor de fiscalização do Ibama foi afastado do meu governo por crime de desvio de recursos. E eu não saí por aí, Marina, dizendo que você era, conhecia a corrupção e tinha acobertado a corrupção.”
Ou este, para Aécio:
“Fui bem sucedida quando se compara com o que aconteceu com os governos do qual o senhor era líder, que quebraram o país três vezes. O atual indicado pelo senhor para ser o seu eventual ministro da Fazenda é aquele que praticou taxas de inflação acima do limite superior da meta, 7,7% em 2001, e em 2002, 12,5%”
O que mais se ressalta, enfim, é que a candidata Marina saiu menor do que entrou no debate. Perdeu a serenidade e mostrou as mágoas que carrega, desde a primeira vez em que não foi a candidata a presidente pelo PT. São muitos anos de ressentimento e de mudança de rota, e de norte, de Norte até o Sudeste e Sul, em mais de um sentido. Dos seringueiros para os banqueiros. No caso de Marina, nota-se que ela nem mesmo soube transformar a própria mágoa em arma contundente. Ou como falou Sartre, que cito com liberdade: o importante é o que fazemos do que nos fizeram. Mas essa mudança para a superação é próprio da arte, da literatura. Não é sequer razoável esperar igual de uma candidata cujo rosto político é uma tela cubista: a do agronegócio e da ecologia, a dos pobres e da Neca do Itaú, a dos que vivem à margem e a dos economistas que só veem o mercado para o capital.
No final, mais uma vez, a Globo mostrou a que veio, para influir nos destinos políticos do Brasil: Dilma, acusada de defender na ONU o terrorismo, teve o seu direito de defesa recusado. Mais uma vez, a Globo quer mais um presidente para chamar de seu. Ou melhor, para fazer dele um criado.

Urariano Mota, escritor e jornalista. Autor do romance Soledad no Recife, sobre o assassinato pela ditadura brasileira da militante paraguaia Soledad Barret, grávida, depois de traída e denunciada por seu próprio amante o Cabo Anselmo. Escreveu também O filho renegado de Deus e seu livro mais recente é o Dicionário Amoroso do Recife. Seu primeiro livro foi Os Corações Futuristas, um romance na época do ditador Garrastazu Médici. Na juventude publicou artigos, contos e crônicas nos jornais Movimento e Opinião.

Direto da Redação é um fórum de debates, do qual participam jornalistas de opiniões diferentes, dentro do espírito de democracia plural, editado, sem censura, pelo jornalista Rui Martins.