O debate depois do último na Globo
4/10/2014 14:38
Por Urariano Mota, de Recife
Por Urariano Mota, de Recife
Os sites da grande imprensa, que se deseja imparcial, mas ao mesmo tempo toma partido, anunciam depois do último debate presidencial na Rede Globo: “Tempo quente no debate
final dos presidenciáveis”, ou “Esquentou”, e se referem aos ataques e
defesas de Marina contra Dilma, de Aécio contra Dilma, e de Aécio e
Marina. A repercussão é o verdadeiro último debate, que se segue na
grande imprensa, depois do mostrado na televisão. Nos telejornais, com a
sua capacidade de montagem e manipulação, como naquele entre Lula e
Collor na Rede Globo, feito pela Rede Globo contra Lula, é que se faz o
último. Daqui até domingo, este será um debate contínuo, com a pauta de
escândalos e assemelhados. É claro, nunca devemos subestimar a
capacidade de inteligência da direita, eles sabem que o voto dado a
Dilma não muda mais. É coeso e convicto. Mas apostam contra os que ela
poderá ter entre os indecisos, por exemplo. Ou entre os desiludidos, os
desorientados e sem norte, que até a véspera das urnas não sabem como
votam.
No site da BBC, lemos: “Corrupção e troca de acusações esquentam
último debate”. E nesse particular, a BBC segue a fórmula: se alguém
leva um soco e reage, a notícia é “trocaram socos”, não importa a razão
dos socos, porque assim se nivelam agredidos e agressores. No site G1,
temos, ou melhor, não temos, mas lemos: “Tensão marca último debate.
Confrontos envolveram todos os participantes às vésperas do 1º turno”.
Como assim, todos?! Não foi bem assim. O pastor Everaldo mais Levy
fizeram frente única com Aécio Neves, e de tal forma que foi risível e
ridícula a levantada de bola do pastor Everaldo para Aécio na pergunta:
“O que você acha da Previdência?”. (O que compadre falar, eu concordo,
foi o tom galhofeiro da sua pergunta.)
Pelo que vi e ouvi no penúltimo debate antes deste último na
imprensa, pude anotar: nada explica a coincidência de temas conforme a
pauta da oposição a Dilma. Pior, o primeiro tema “sorteado”, no segundo
bloco, foi Corrupção. Que coincidência, não é? Observem, em vídeo,
http://globotv.globo.com/rede-globo/g1-eleicoes-2014/v/debate-entre-os-candidatos-a-presidencia-da-republica-parte-2/3670445/
que William Bonner quase erra no gatilho e fala: “Opa! É Corrupção”.
De um ponto de vista político, já no primeiro bloco, Luciana Genro
fez o triste papel de força auxiliar da direita brasileira. É lamentável
dizer isso, frente a uma candidata que de intenção se deseja de
esquerda e revolucionária. Mas outro, de modo alheio à suas boas
intenções, não tem sido o seu papel, quando procurou deixar Dilma em
maus lençóis, ao bater na tecla da corrupção na Petrobras. Ao que a
presidenta assim respondeu à pureza que Luciana Genro vê entre os seus
puros: “a corrupção não é exclusividade nem característica do meu
partido”. Na vez de Eduardo Jorge, nota-se que ele cumpre bem o papel de
palhaço, sem ofensa a Tiririca, que é genuíno e honra a categoria. Mas
Eduardo Jorge é o Cômico, por desequilíbrio ou escracho, de quem um dia
foi de esquerda e hoje virou verde alternativo. Se as urnas fossem o
twitter e o Face, ele estaria eleito. Mas nesse particular, de
comicidade, Marina às vezes consegue momentos de boa comédia, porque em
último recurso para deter a sua queda, promete 13º. para o Bolsa
Família. E ataca com a imagem de Ceia no Natal para os pobres. Não seria
melhor uma doação de castanhas, queijo do reino, farofa, peru e
champanhe para os sem Natal? Por que a verdade se esvai nas propostas
mais cínicas e despudoradas? Saudade de Andersen, no conto A pequena
vendedora de fósforos, que Marina transforma em pequena vendedora de
ilusões.
Destaco os melhores momentos. Dilma para Marina, sobre a independência do Banco Central, pregada pelos banqueiros:
“Independentes, só os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário podem ser. Independência é dar o quarto poder ao Banco Central. Sugiro que a senhora leia o que escreveram no seu programa. Porque a senhora ou está deliberadamente tentando confundir autonomia com independência, mas isso não é possível, candidata. Autonomia é uma coisa, independência é outra. Até porque as consequências também são outras”
E mais:
“Independentes, só os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário podem ser. Independência é dar o quarto poder ao Banco Central. Sugiro que a senhora leia o que escreveram no seu programa. Porque a senhora ou está deliberadamente tentando confundir autonomia com independência, mas isso não é possível, candidata. Autonomia é uma coisa, independência é outra. Até porque as consequências também são outras”
E mais:
“Marina, vamos colocar as coisas e os pingos nos ‘is’. O seu diretor,
nomeado por você, diretor de fiscalização do Ibama foi afastado do meu
governo por crime de desvio de recursos. E eu não saí por aí, Marina,
dizendo que você era, conhecia a corrupção e tinha acobertado a
corrupção.”
Ou este, para Aécio:
Ou este, para Aécio:
“Fui bem sucedida quando se compara com o que aconteceu com os
governos do qual o senhor era líder, que quebraram o país três vezes. O
atual indicado pelo senhor para ser o seu eventual ministro da Fazenda é
aquele que praticou taxas de inflação acima do limite superior da meta,
7,7% em 2001, e em 2002, 12,5%”
O que mais se ressalta, enfim, é que a candidata Marina saiu menor
do que entrou no debate. Perdeu a serenidade e mostrou as mágoas que
carrega, desde a primeira vez em que não foi a candidata a presidente
pelo PT. São muitos anos de ressentimento e de mudança de rota, e de
norte, de Norte até o Sudeste e Sul, em mais de um sentido. Dos
seringueiros para os banqueiros. No caso de Marina, nota-se que ela nem
mesmo soube transformar a própria mágoa em arma contundente. Ou como
falou Sartre, que cito com liberdade: o importante é o que fazemos do
que nos fizeram. Mas essa mudança para a superação é próprio da arte, da
literatura. Não é sequer razoável esperar igual de uma candidata cujo
rosto político é uma tela cubista: a do agronegócio e da ecologia, a dos
pobres e da Neca do Itaú, a dos que vivem à margem e a dos economistas
que só veem o mercado para o capital.
No final, mais uma vez, a Globo mostrou a que veio, para influir nos
destinos políticos do Brasil: Dilma, acusada de defender na ONU o
terrorismo, teve o seu direito de defesa recusado. Mais uma vez, a Globo
quer mais um presidente para chamar de seu. Ou melhor, para fazer dele
um criado.
Urariano Mota, escritor e jornalista. Autor do romance
Soledad no Recife, sobre o assassinato pela ditadura brasileira da
militante paraguaia Soledad Barret, grávida, depois de traída e
denunciada por seu próprio amante o Cabo Anselmo. Escreveu também O
filho renegado de Deus e seu livro mais recente é o Dicionário Amoroso
do Recife. Seu primeiro livro foi Os Corações Futuristas, um romance na
época do ditador Garrastazu Médici. Na juventude publicou artigos,
contos e crônicas nos jornais Movimento e Opinião.
Direto da Redação é um fórum de debates, do qual participam jornalistas de opiniões diferentes, dentro do espírito de democracia plural, editado, sem censura, pelo jornalista Rui Martins.