A mídia da Casa Grande, dominante, dominadora, onipresente e toda poderosa se esgarça com a chegada ao fim da primeira etapa da corrida eleitoral sob a sombra de um fantasma: a solução do pleito no primeiro turno.
E sobre isso, ninguém melhor que Luciano Martins Costa para analisar um cenário que já se faz repetitivo:
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ELEIÇÕES 2014
A caça aos indecisos
Por Luciano Martins Costa
Os principais jornais de circulação nacional entram na semana decisiva
da disputa eleitoral pressionados por uma realidade incômoda: sua
principal aposta para a Presidência da República, o senador mineiro
Aécio Neves (PSDB), precisaria aumentar em pelo menos 60% seu atual
patrimônio de votos e contar com uma complicada mudança de tendências
para voltar a ter chances.
Empenhada em interromper o domínio do Partido dos Trabalhadores na
política nacional, a imprensa deve recrudescer seus ataques ao governo
para tentar impedir uma vitória de Dilma no primeiro turno. A afirmação
poderia parecer absurda, não fosse a escolha explícita feita pela mídia
tradicional, que se reflete nas edições de todos os dias e se torna
ainda mais escancarada nesta reta final.
Em todos os anos em que ocorrem eleições, os jornais dominantes no
cenário nacional e as principais publicações regionais anunciam planos
para uma cobertura equilibrada e equidistante. Em alguns casos, são
contratados consultores especializados e criadas planilhas sofisticadas
para análises mais rápidas e precisas dos dados que apontam a tendência
dos votos. No entanto, esses planos nunca passam das costumeiras
declarações a respeito do jornalismo de qualidade, com frases de efeito
sobre lugares-comuns como equilíbrio do noticiário, espaços e destaques
divididos de forma equânime e outras excelentes intenções. Quando o jogo
começa para valer, o que se vê é sempre o apoio pouco disfarçado ao
candidato que mais se aproxima do perfil desejado pelos donos da mídia.
No domingo (28/9), por exemplo, a Folha de S.Paulo anunciou que
iria ampliar a cobertura eleitoral, com um caderno especial que agrega
oito novos colunistas. Mas o suplemento intitulado “Eleições 2014” traz
apenas mais do mesmo, repetindo a prática das análises que garimpam
notícias desfavoráveis ao atual governo.
Na segunda-feira (29/9), a manchete sobre o cumprimento do programa
registrado pela então candidata Dilma Rousseff em 2010 é um primor de
criatividade e manipulação de dados. A base comparativa é o programa
genérico que os candidatos entregam à Justiça Eleitoral antes das
eleições.
Boletim escolar
Alinhando citações colhidas aleatoriamente em frases “abrangentes, sem
prazo ou meta numérica”, como reconhece o texto explicativo, a suposta
reportagem submete esses planos a uma escala simplificada de quatro
notas, como num boletim escolar: “A” para metas cumpridas em sua
totalidade; “B” para objetivos parcialmente alcançados, mas com
resultados relevantes; “C” para casos em que foi obtido menos da metade
do anunciado e “D” para as propostas que foram abandonadas. A ideia é
tão primária que causa constrangimento, mas o título não dissimula as
intenções: “Dilma não cumpriu 43% das promessas de 2010”, diz a
manchete.
A participação de intelectuais respeitados tenta convencer o
leitor-eleitor da seriedade das análises que têm como base um apanhado
de pretensões que, como se sabe, não correspondem a compromissos reais
de governo. Mesmo porque os tais programas pré-eleitorais não têm força
de lei – são apenas declarações superficiais que cumprem uma exigência
burocrática e precisarão ser submetidas ao teste de realidade depois da
posse. Por exemplo, nenhum candidato previu, em 2010, que o tema da
mobilidade urbana dominaria os debates públicos a partir de junho de
2013.
Os editores da Folha incluíram no projeto humoristas e cronistas
da vida cotidiana, entre os quais um jornalista que escreve sob o
pseudônimo de “Rui Goiaba” – eles estão encarregados de oferecer uma
leitura mais leve ao material que normalmente é produzido pelo confronto
dos candidatos. Talvez esses venham a ser o melhor do novo suplemento,
porque não parecem se levar tão a sério quanto os cientistas sociais,
economistas e filósofos que costumam emprestar seus títulos para
referendar a opinião dos editorialistas.
As pesquisas de intenção de voto revelam o efeito do noticiário sobre a
escolha dos eleitores: o resultado mais evidente do partidarismo da
imprensa é a criação de um bloco compacto de opinião antipetista, que se
concentra nas cidades onde os grandes jornais têm maior presença. Esse
núcleo, tão avesso ao contraditório quanto os mais renhidos entre os
militantes petistas, precisa ser alimentado diariamente com sua cota de
certezas absolutas.
O último esforço da mídia tradicional se dirige a outro grupo, o dos
indecisos, que vão dizer nos próximos dias se haverá segundo turno.