Esta é uma análise profunda dos desejos e intenção dos grupos econômicos que atuam pelas vozes de Marina Silva e Aécio Neves:
Luís Nassif Online
O que está em jogo na política externa proposta por Marina e Aécio
Destaca-se no receituário econômico dos candidatos Aécio Neves e
Marina Silva o propósito declarado de uma maior aproximação comercial
com Estados Unidos e Europa e um progressivo distanciamento brasileiro
da Unasul e dos BRICS. É a mesma proposta da FIESP expressa num recente
documento sobre inserção internacional da indústria. Reflete a postura
de uma importante fração da equipe de Guido Mantega e do Itamarati, a
qual só não se tornou hegemônica graças à herança ainda forte de Lula na
política externa brasileira.
Essas importantes forças de pressão no sentido de nossa completa
capitulação aos interesses de curto prazo americanos e europeus
encontram pleno respaldo na grande mídia. Seu parâmetro de referência
mais recente tem sido a chamada Aliança do Pacífico, o arranjo formado
por Chile, Peru, Colômbia, México e Costa Rica, os quais a partir de
2012 teriam embarcado rumo à prosperidade impulsionados por tratados de
livre comércio com os Estados Unidos. Curiosamente, os corifeus dessa
empreitada não dão argumentos. É pura ideologia.
Vamos verificar o que aconteceu com os ALCs segundo a performance
recente da Aliança do Pacífico. Os acordos foram assinados em meados de
2012. Já no ano seguinte, em 2013, o saldo comercial do Chile, que havia
acusado um superávit de nada menos que US$ 12,7 bilhões em 2009,
desabou para um déficit de US$ 2,2 bilhões em 2013, naturalmente grande
para uma economia de US$ 290 bilhões. No Peru, de janeiro a julho deste
ano a balança comercial acusou déficit proporcionalmente maior, de US$
2,6 bilhões, contra superávit de US$ 870 milhões no mesmo período do ano
passado.
Na Colômbia, até junho último, o déficit comercial atingiu US$ 1,19
bilhão. No México, também de janeiro a julho, alcançou US$ 1,23 bilhão. A
pequenina Costa Rica, que tem um PIB de meros US$ 49 bilhões, acusou
déficit comercial de US$ 5,7 bilhões – ou seja, 12% de toda a economia.
Este, certamente, é o país que abrirá o caminho da falência dos demais. É
que todos estão perfilados para a progressiva insolvência na medida em
que as importações “livres” dos EUA continuarão jorrando “generosamente”
sobre a região com exportações estagnadas. Uma vez quebrados, e sem
reservas, o FMI entrará em cena tirando o sangue das populações.
Não é preciso esperar muitos anos para concluir que essa virada para o
déficit consagra uma tendência. Esses países, com exceção do México,
são exportadores sobretudo de matérias primas in natura ou
semi-industrializadas. No caso do Chile, por exemplo, 70% das
exportações estão nessa categoria. O México é menos dependente do
petróleo hoje do que antigamente, mas sua economia está perversamente
ligada à economia americana pelas maquiladoras: quando os EUA entram em
estagnação, o México vai atrás; quando os EUA levam um susto, o México
cai de pneumonia.
Os acordos bilaterais de livre comércio com os EUA foram vendidos
como excelentes para ambos os lados. O empresariado da Colômbia, do
Chile e do Peru saudaram-nos como um fator de desenvolvimento.
Esqueceram-se de que não convém por um cordeiro para dormir junto com um
hipopótamo. Excetuando matérias primas agrícolas e minerais, tudo o
mais, no campo manufatureiro, é destruído pela concorrência de produtos
de tecnologia muito superior dos EUA. Com isso, mata-se a nascente
indústria interna, e com eles milhares de empregos. Na Colômbia, setores
afetados pelo tratado só subsistem com subsídios do governo.
É claro que os empresários livre-cambistas não se alinham nessa
ideologia ingenuamente. Tem lucros grandes com isso. Na FIESP, não há
qualquer movimento de defesa da indústria interna. A expectativa dos
bravos homens de negócio é que o tratado de livre comércio valorize suas
indústrias a fim de que possam vendê-las a bom preço para os americanos
e outros estrangeiros. Com isso, transformam-se em comerciantes de
produtos estrangeiros a serem comprados sem tarifas, ou possibilitam que
os compradores fechem as indústrias e as transformem num braço
comercial de suas matrizes externas. O país que se vire depois para
fazer superávits comerciais a fim de dar cobertura a remessas de lucros.
É claro que, do ponto de vista americano, a destruição dessas
economias pequenas e médias traz benefícios pouco expressivos porque
suas importações, mesmo somadas, representam muito pouco em seu comércio
externo. A aproximação com elas serve mais ao propósito de barrar o
Mercosul e a Unasul. O filé mignon está do lado do Atlântico. Sugar as
reservas externas brasileiras de US$ 380 bilhões passou a ser uma
obsessão americana. Daí a articulação com a mídia, sobretudo Abril e
Sistema Globo, para controlar as eleições brasileiras e evitar a
reeleição de Dilma, não confiável para o projeto geoeconômico americano.
Por enquanto temos defesas. A despeito da péssima política cambial de
Guido Mantega e do Banco Central, ainda mantemos uma posição externa de
comércio confortável graças, sobretudo, a nossas relações com a China e
o resto da Ásia. No ano passado tivemos um déficit comercial de janeiro
a julho de R$ 4,973 bilhões por causa de queda no preço das commodities
– equivalentes aproximadamente a US$ 2,2 bilhões -, mas ele desabou, no
mesmo período deste ano, para R$ 918 milhões (US$ 400 milhões).
Trata-se de performance altamente positiva, considerando o porte da
economia brasileira de U$ 2 trilhões 150 bilhões.
Essa situação não durará muito se cairmos nas garras do tratado de
livre comércio com os EUA que Aécio e Marina, pela boca de seus
principais assessores econômicos, gostariam de promover. Nossa indústria
será varrida do mapa e os empregos industriais virariam pó, como
acontece na Aliança do Pacífico. Seríamos condenados a uma posição de
meros joguetes no tabuleiro geoeconômico do mundo carreando para os EUA,
na forma de crescentes déficits comerciais, recursos obtidos no
comércio com a China na base de exportação de commodities. Nesse
contexto, uma desaceleração da China nos levará a esgotar nossas
reservas e a encaminhar para uma crise no balanço de pagamentos gerida
pelo FMI com as consequências conhecidas de destruição de nosso já
precário sistema de bem-estar social.
Temos uma alternativa a esse insano estreitamento geoeconômico com os
EUA e a Europa Ocidental - ambos se batendo com uma recessão que tende a
durar anos e, portanto, incapazes de oferecer qualquer benefício
econômico para nós. Podemos, ideologia à parte, aprofundar nossas
relações com a China para além de simples negócios comerciais, partindo
para uma articulação de investimentos no desenvolvimento de nossa
indústria básica pela transformação de minérios. A China, a fim de
garantir seu crescimento a altas taxas, precisa de suprimento de metais.
Contudo, está limitada na produção de metais por causa de escassez em
recursos naturais, sobretudo água, e energia limpa, e por causa da
poluição generalizada.
A América do Sul, sob liderança brasileira, pode tornar-se o grande
supridor de metais para a Ásia a partir de um acordo com a China pelo
qual ela financie o investimento na transformação mineral local,
assinando ao mesmo tempo acordos de longo prazo para a compra desses
metais, os quais serviriam de garantia para o próprio investimento
chinês. Tanto os EUA quanto a Europa, em razão de sua longa estagnação,
não teriam como fazer conosco um programa semelhante pois não poderiam
realizar os acordos de compra dos metais a longo prazo. O que eles
querem são acordos de livre comércio para nos empurrar goela abaixo suas
quinquilharias manufatureiras e os bens de capital para estrangular
tecnologicamente nossa indústria no setor.
Esse esquema, que resguarda plenamente a soberania do Brasil e das
demais nações sul-americanas que venham participar dele, requer uma
opção estratégica que se coloca na continuidade da política externa
brasileira de favorecimento a um estreitamento de relações com o
Mercosul, a Unasul e os BRICS. Os pigmeus da FIESP, de Veja e da Globo
que consideram esse estreitamento como um desvio ideológico revelam um
oportunismo estúpido e total ignorância em estratégia.
O Brasil poderia
fazer um programa de desenvolvimento sozinho, sim, mas não teria como
encontrar mercado para sua indústria de bens de capital, a joia da coroa
de nossa estrutura industrial porque promove desenvolvimento
tecnológico e paga os melhores salários. Um Mercosul ampliado, ou
melhor, a transformação da Unasul num espaço integrado geoeconômico,
articulado com a China na forma indicada acima, daria um horizonte
extenso à nossa indústria de bens de capital.
Do ponto de vista de nossa inserção global, este é o jogo: ou o
atraso com os EUA e a Europa Ocidental, ou uma perspectiva de efetivo
desenvolvimento econômico e social na articulação com BRICS e Unasul.
Num caso ficamos onde estamos, e estamos altamente vulneráveis. Noutro
caso estaremos inaugurando uma nova etapa na geoeconomia pelo
deslocamento do desenvolvimento mundial para o eixo Sul-Sul. Não podemos
nos atrasar porque Rússia e China já estão no jogo.
E lembrem-se os que
dão pouca atenção à política externa: o modelo que os economistas de
Marina e Aécio querem importar da Europa, o chamado “tripé” - depois de
cortar até o osso os gastos públicos, investimentos e salários, e
condenar os países nos quais foram impostos à contração -, já chegou às
aposentadorias e pensões em Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha, e breve
baterá às portas da Itália.
J. Carlos de Assis - Economista, doutor em Engenharia da
Produção pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB,
autor de mais de 20 livros sobre Economia Política brasileira.