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segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Desvendando o futuro...

Esta é uma análise profunda dos desejos e intenção dos grupos econômicos que atuam pelas vozes de Marina Silva e Aécio Neves: 




Luís Nassif Online 

O que está em jogo na política externa proposta por Marina e Aécio


Destaca-se no receituário econômico dos candidatos Aécio Neves e Marina Silva o propósito declarado de uma maior aproximação comercial com Estados Unidos e Europa e um progressivo distanciamento brasileiro da Unasul e dos BRICS. É a mesma proposta da FIESP expressa num recente documento sobre inserção internacional da indústria. Reflete a postura de uma importante fração da equipe de Guido Mantega e do Itamarati, a qual só não se tornou hegemônica graças à herança ainda forte de Lula na política externa brasileira.
Essas importantes forças de pressão no sentido de nossa completa capitulação aos interesses de curto prazo americanos e europeus encontram pleno respaldo na grande mídia. Seu parâmetro de referência mais recente tem sido a chamada Aliança do Pacífico, o arranjo formado por Chile, Peru, Colômbia, México e Costa Rica, os quais a partir de 2012 teriam embarcado rumo à prosperidade impulsionados por tratados de livre comércio com os Estados Unidos. Curiosamente, os corifeus dessa empreitada não dão argumentos. É pura ideologia.
 
Vamos verificar o que aconteceu com os ALCs segundo a performance recente da Aliança do Pacífico. Os acordos foram assinados em meados de 2012. Já no ano seguinte, em 2013, o saldo comercial do Chile, que havia acusado um superávit de nada menos que US$ 12,7 bilhões em 2009, desabou para um déficit de US$ 2,2 bilhões em 2013, naturalmente grande para uma economia de US$ 290 bilhões. No Peru, de janeiro a julho deste ano a balança comercial acusou déficit proporcionalmente maior, de US$ 2,6 bilhões, contra superávit de US$ 870 milhões no mesmo período do ano passado.

Na Colômbia, até junho último, o déficit comercial atingiu US$ 1,19 bilhão. No México, também de janeiro a julho, alcançou US$ 1,23 bilhão. A pequenina Costa Rica, que tem um PIB de meros US$ 49 bilhões, acusou déficit comercial de US$ 5,7 bilhões – ou seja, 12% de toda a economia. Este, certamente, é o país que abrirá o caminho da falência dos demais. É que todos estão perfilados para a progressiva insolvência na medida em que as importações “livres” dos EUA continuarão jorrando “generosamente” sobre a região com exportações estagnadas. Uma vez quebrados, e sem reservas, o FMI entrará em cena tirando o sangue das populações.

Não é preciso esperar muitos anos para concluir que essa virada para o déficit consagra uma tendência. Esses países, com exceção do México, são exportadores sobretudo de matérias primas in natura ou semi-industrializadas. No caso do Chile, por exemplo, 70% das exportações estão nessa categoria. O México é menos dependente do petróleo hoje do que antigamente, mas sua economia está perversamente ligada à economia americana pelas maquiladoras: quando os EUA entram em estagnação, o México vai atrás; quando os EUA levam um susto, o México cai de pneumonia.


Os acordos bilaterais de livre comércio com os EUA foram vendidos como excelentes para ambos os lados. O empresariado da Colômbia, do Chile e do Peru saudaram-nos como um fator de desenvolvimento. Esqueceram-se de que não convém por um cordeiro para dormir junto com um hipopótamo. Excetuando matérias primas agrícolas e minerais, tudo o mais, no campo manufatureiro, é destruído pela concorrência de produtos de tecnologia muito superior dos EUA. Com isso, mata-se a nascente indústria interna, e com eles milhares de empregos. Na Colômbia, setores afetados pelo tratado só subsistem com subsídios do governo.

É claro que os empresários livre-cambistas não se alinham nessa ideologia ingenuamente. Tem lucros grandes com isso. Na FIESP, não há qualquer movimento de defesa da indústria interna. A expectativa dos bravos homens de negócio é que o tratado de livre comércio valorize suas indústrias a fim de que possam vendê-las a bom preço para os americanos e outros estrangeiros. Com isso, transformam-se em comerciantes de produtos estrangeiros a serem comprados sem tarifas, ou possibilitam que os compradores fechem as indústrias e as transformem num braço comercial de suas matrizes externas. O país que se vire depois para fazer superávits comerciais a fim de dar cobertura a remessas de lucros.

É claro que, do ponto de vista americano, a destruição dessas economias pequenas e médias traz benefícios pouco expressivos porque suas importações, mesmo somadas, representam muito pouco em seu comércio externo. A aproximação com elas serve mais ao propósito de barrar o Mercosul e a Unasul. O filé mignon está do lado do Atlântico. Sugar as reservas externas brasileiras de US$ 380 bilhões passou a ser uma obsessão americana. Daí a articulação com a mídia, sobretudo Abril e Sistema Globo, para controlar as eleições brasileiras e evitar a reeleição de Dilma, não confiável para o projeto geoeconômico americano.



Por enquanto temos defesas. A despeito da péssima política cambial de Guido Mantega e do Banco Central, ainda mantemos uma posição externa de comércio confortável graças, sobretudo, a nossas relações com a China e o resto da Ásia. No ano passado tivemos um déficit comercial de janeiro a julho de R$ 4,973 bilhões por causa de queda no preço das commodities – equivalentes aproximadamente a US$ 2,2 bilhões -, mas ele desabou, no mesmo período deste ano, para R$ 918 milhões (US$ 400 milhões). Trata-se de performance altamente positiva, considerando o porte da economia brasileira de U$ 2 trilhões 150 bilhões.

Essa situação não durará muito se cairmos nas garras do tratado de livre comércio com os EUA que Aécio e Marina, pela boca de seus principais assessores econômicos, gostariam de promover. Nossa indústria será varrida do mapa e os empregos industriais virariam pó, como acontece na Aliança do Pacífico. Seríamos condenados a uma posição de meros joguetes no tabuleiro geoeconômico do mundo carreando para os EUA, na forma de crescentes déficits comerciais, recursos obtidos no comércio com a China na base de exportação de commodities. Nesse contexto, uma desaceleração da China nos levará a esgotar nossas reservas e a encaminhar para uma crise no balanço de pagamentos gerida pelo FMI com as consequências conhecidas de destruição de nosso já precário sistema de bem-estar social.

Temos uma alternativa a esse insano estreitamento geoeconômico com os EUA e a Europa Ocidental - ambos se batendo com uma recessão que tende a durar anos e, portanto, incapazes de oferecer qualquer benefício econômico para nós. Podemos, ideologia à parte, aprofundar nossas relações com a China para além de simples negócios comerciais, partindo para uma articulação de investimentos no desenvolvimento de nossa indústria básica pela transformação de minérios. A China, a fim de garantir seu crescimento a altas taxas, precisa de suprimento de metais. Contudo, está limitada na produção de metais por causa de escassez em recursos naturais, sobretudo água, e energia limpa, e por causa da poluição generalizada.

A América do Sul, sob liderança brasileira, pode tornar-se o grande supridor de metais para a Ásia a partir de um acordo com a China pelo qual ela financie o investimento na transformação mineral local, assinando ao mesmo tempo acordos de longo prazo para a compra desses metais, os quais serviriam de garantia para o próprio investimento chinês. Tanto os EUA quanto a Europa, em razão de sua longa estagnação, não teriam como fazer conosco um programa semelhante pois não poderiam realizar os acordos de compra dos metais a longo prazo. O que eles querem são acordos de livre comércio para nos empurrar goela abaixo suas quinquilharias manufatureiras e os bens de capital para estrangular tecnologicamente nossa indústria no setor.

Esse esquema, que resguarda plenamente a soberania do Brasil e das demais nações sul-americanas que venham participar dele, requer uma opção estratégica que se coloca na continuidade da política externa brasileira de favorecimento a um estreitamento de relações com o Mercosul, a Unasul e os BRICS. Os pigmeus da FIESP, de Veja e da Globo que consideram esse estreitamento como um desvio ideológico revelam um oportunismo estúpido e total ignorância em estratégia. 

O Brasil poderia fazer um programa de desenvolvimento sozinho, sim, mas não teria como encontrar mercado para sua indústria de bens de capital, a joia da coroa de nossa estrutura industrial porque promove desenvolvimento tecnológico e paga os melhores salários. Um Mercosul ampliado, ou melhor, a transformação da Unasul num espaço integrado geoeconômico, articulado com a China na forma indicada acima, daria um horizonte extenso à nossa indústria de bens de capital.
Do ponto de vista de nossa inserção global, este é o jogo: ou o atraso com os EUA e a Europa Ocidental, ou uma perspectiva de efetivo desenvolvimento econômico e social na articulação com BRICS e Unasul. Num caso ficamos onde estamos, e estamos altamente vulneráveis. Noutro caso estaremos inaugurando uma nova etapa na geoeconomia pelo deslocamento do desenvolvimento mundial para o eixo Sul-Sul. Não podemos nos atrasar porque Rússia e China já estão no jogo. 

E lembrem-se os que dão pouca atenção à política externa: o modelo que os economistas de Marina e Aécio querem importar da Europa, o chamado “tripé” - depois de cortar até o osso os gastos públicos, investimentos e salários, e condenar os países nos quais foram impostos à contração -, já chegou às aposentadorias e pensões em Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha, e breve baterá às portas da Itália.

J. Carlos de Assis - Economista, doutor em Engenharia da Produção pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB, autor de mais de 20 livros sobre Economia Política brasileira.