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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A carta, a magra e a "gorda"

Esta carta é autoexplicativa, mas também mostra de forma evidente o que acontece quando se pretende desqualificar alguém apenas por interesses de poder: 

Carta aberta de uma  

  gordinha a Marina
Por:
Camila Moreno

A autora, em Lisboa
A autora, em Lisboa

Marina,

está circulando pela internet um vídeo em que a senhora faz uma comparação entre você e a também candidata e presidenta Dilma Rousseff. Entre as tantas comparações que podem e devem ser feitas entre as duas candidatas mais bem posicionadas nas pesquisas eleitorais, você opta por dizer é magrinha, enquanto Dilma é fortinha, exatamente com essas palavras, arrancando risadas e aplausos da plateia.

Lembro com nitidez que a senhora já havia feito essa comparação com Dilma na eleição passada, ao ser perguntada sobre suas principais diferenças.

Dilma é a primeira presidenta da história do Brasil e essa é a primeira eleição com grandes chances de duas mulheres irem para o segundo turno. Uma eleição histórica, certamente. Histórica porque em um país cercado de machismo por todos os lados; em que as mulheres são menos de 10% no Congresso Nacional; onde embora muitos avanços tenham sido alcançados com a Lei Maria da Penha, ainda estamos em 7º lugar no ranking da violência doméstica; a maioria dos cidadãos e cidadãs do nosso país, se as pesquisas estiverem certas, optará por confiar o seu voto em uma mulher. Isso é lindo e me emociona.

Sei que você sabe, Marina, que ser mulher é um desafio cotidiano. É ter que provar duas vezes que é capaz. Na política então, nem se fala. Lembro o quanto te criticaram pelo fato do seu companheiro trabalhar no governo do PT no Acre, como se vocês, por serem casados devessem ter a mesma opinião política. Na época, te defendi e disse que achava um absurdo esse tipo de acusação. Te defendo quando falam da sua voz, porque não estão acostumados com vozes mais agudas nos debates políticos. Imagino Marina, o quanto sejam duras as críticas por causa do seu cabelo, pelas roupas e não pelas ideias.

Talvez você não tenha dito noção da gravidade da sua declaração, Marina, mas eu vou te contar o porquê ela doeu no fundo da minha alma: eu sempre fui considerada uma criança gordinha e desde que entendi que isso era um defeito, sofri com isso. Tive transtornos alimentares graves e só me aceitei de fato, quando conheci a militância e o feminismo, porque me mostraram que os padrões de beleza nos tornam escravas de uma busca impossível e infeliz e eu esperava que as mulheres na política, ainda que com divergências, optassem pela desconstrução do machismo, mas você fez exatamente o contrário.

Essa sua declaração apenas reforça um padrão ditatorial que faz com que a anorexia e a bulimia estejam entre as principais doenças de jovens mulheres, que faz com que milhões de meninas e mulheres arrisquem suas vidas em métodos salvadores do alcance da beleza, porque ao invés de você optar por ajudar a romper com essa lógica de que a mais magra é melhor que a gorda, você a reforçou. Você podia ter escolhido desconstruir a ideia de que o debate entre duas mulheres seria um debate superficial e estético, mas você preferiu seguir essa lógica que revistas de beleza e a indústria do entretenimento entranham todos os dias na nossa vida, de que para ser bem sucedida e feliz, é preciso ser magra.

Você não perdeu o meu voto com essa sua “piada”, porque você já o havia perdido quando optou por deixar de lado a sua bela trajetória de vida e luta ao lado de Chico Mendes para ser a nova voz da direita e do neoliberalismo no país, mas eu de fato esperava um debate mais qualificado da sua parte.

Publicado no blog Filosofiava. A autora, Camila Moreno, é estudante de Letras da UNB.