Esta carta é autoexplicativa, mas também mostra de forma evidente o que acontece quando se pretende desqualificar alguém apenas por interesses de poder:
Carta aberta de uma
gordinha a Marina
Por:
Camila Moreno
Camila Moreno
A autora, em Lisboa
Marina,
está circulando pela internet um vídeo em que a senhora faz uma
comparação entre você e a também candidata e presidenta Dilma Rousseff.
Entre as tantas comparações que podem e devem ser feitas entre as duas
candidatas mais bem posicionadas nas pesquisas eleitorais, você opta por
dizer é magrinha, enquanto Dilma é fortinha, exatamente com essas
palavras, arrancando risadas e aplausos da plateia.
Lembro com nitidez que a senhora já havia feito essa comparação com
Dilma na eleição passada, ao ser perguntada sobre suas principais
diferenças.
Dilma é a primeira presidenta da história do Brasil e essa é a
primeira eleição com grandes chances de duas mulheres irem para o
segundo turno. Uma eleição histórica, certamente. Histórica porque em um
país cercado de machismo por todos os lados; em que as mulheres são
menos de 10% no Congresso Nacional; onde embora muitos avanços tenham
sido alcançados com a Lei Maria da Penha, ainda estamos em 7º lugar no
ranking da violência doméstica; a maioria dos cidadãos e cidadãs do
nosso país, se as pesquisas estiverem certas, optará por confiar o seu
voto em uma mulher. Isso é lindo e me emociona.
Sei que você sabe, Marina, que ser mulher é um desafio cotidiano. É
ter que provar duas vezes que é capaz. Na política então, nem se fala.
Lembro o quanto te criticaram pelo fato do seu companheiro trabalhar no
governo do PT no Acre, como se vocês, por serem casados devessem ter a
mesma opinião política. Na época, te defendi e disse que achava um
absurdo esse tipo de acusação. Te defendo quando falam da sua voz,
porque não estão acostumados com vozes mais agudas nos debates
políticos. Imagino Marina, o quanto sejam duras as críticas por causa do
seu cabelo, pelas roupas e não pelas ideias.
Talvez você não tenha dito noção da gravidade da sua declaração,
Marina, mas eu vou te contar o porquê ela doeu no fundo da minha alma:
eu sempre fui considerada uma criança gordinha e desde que entendi que
isso era um defeito, sofri com isso. Tive transtornos alimentares graves
e só me aceitei de fato, quando conheci a militância e o feminismo,
porque me mostraram que os padrões de beleza nos tornam escravas de uma
busca impossível e infeliz e eu esperava que as mulheres na política,
ainda que com divergências, optassem pela desconstrução do machismo, mas
você fez exatamente o contrário.
Essa sua declaração apenas reforça um padrão ditatorial que faz com
que a anorexia e a bulimia estejam entre as principais doenças de jovens
mulheres, que faz com que milhões de meninas e mulheres arrisquem suas
vidas em métodos salvadores do alcance da beleza, porque ao invés de
você optar por ajudar a romper com essa lógica de que a mais magra é
melhor que a gorda, você a reforçou. Você podia ter escolhido
desconstruir a ideia de que o debate entre duas mulheres seria um debate
superficial e estético, mas você preferiu seguir essa lógica que
revistas de beleza e a indústria do entretenimento entranham todos os
dias na nossa vida, de que para ser bem sucedida e feliz, é preciso ser
magra.
Você não perdeu o meu voto com essa sua “piada”, porque você já o
havia perdido quando optou por deixar de lado a sua bela trajetória de
vida e luta ao lado de Chico Mendes para ser a nova voz da direita e do
neoliberalismo no país, mas eu de fato esperava um debate mais
qualificado da sua parte.
Publicado no blog Filosofiava. A autora, Camila Moreno, é estudante de Letras da UNB.