COPA DO MUNDO
Quem vai adotar os vira-latas?
Por Luciano Martins Costa
A imprensa brasileira já vinha fazendo lentamente o caminho de volta
para a realidade ao reconhecer que a Copa do Mundo no Brasil é, até
aqui, um grande sucesso e uma ampla coleção de recordes. Até a revista Veja,
que há alguns anos abandonou o jornalismo, já ensaiou o processo de
transição do pessimismo para a celebração, caso os fatos continuem a
desafiar suas próprias previsões.
Faltava a Rede Globo de Televisão, que vinha remoendo em suas entranhas
a contraditória situação de beneficiária e contestadora do evento. Não
falta mais: na edição de quinta-feira (26/6), o Jornal Nacional dedicou 2 minutos e 21 segundos a uma espécie de mea culpa
sem culpa. Ou, melhor, a emissora reconhece que havia um excesso de
pessimismo no noticiário durante o período que antecedeu o pontapé
inicial na bola, mas a culpa não foi da imprensa brasileira: segundo a
Globo, foi apenas a imprensa internacional que errou na dose de
negativismo.
Em tom conciliador, o apresentador William Bonemer Júnior, conhecido
como Bonner, fez a passagem da emissora para o campo oficial da festa (ver aqui o vídeo e o texto correspondente).
“Durante meses, os atrasos e os problemas de organização da Copa do
Mundo foram assunto de muitas reportagens no Brasil e no exterior.
Existia no ar uma preocupação generalizada com as consequências dos
atrasos das obras não concluídas e os jornais estrangeiros eram
especialmente ácidos nas críticas” – diz o novo discurso da emissora.
“Mas o fato é que, aos poucos, desde o inicio deste Mundial, isso tem
mudado” – complementa o apresentador, anunciando a repórter Elaine Bast,
que, de Nova York, faz um balanço do que, segundo a Globo, foi a
mudança de expectativa da imprensa internacional.
A repórter capricha no tom triunfalista:
“‘A morte e os jogos’ – era essa a manchete de capa da revista alemã Der Spiegel
no dia 12 de maio. Dentro, a reportagem destacava: ‘O gol contra do
Brasil’ – Era essa a manchete de capa da revista ‘Der Spiegel’, uma das
mais respeitadas da Alemanha, no dia 12 de maio. Dentro, a reportagem
destacava ‘o gol contra do Brasil’ e afirmava que, justamente na terra
do futebol, a Copa poderia ser um fiasco, com protestos, greves e
tiroteios.
“Duas semanas antes do início do Mundial, o ‘Wall Street Journal’, o
jornal de maior circulação dos Estados Unidos, trazia a manchete: ‘Copa
do Mundo: 12 estádios, um milhão de problemas’.”
Agora tudo é festa
A animação da imprensa estrangeira parece contaminar o jornalismo da
Globo, mas a reportagem faz de conta que o catastrofismo foi inventado
além das fronteiras.
Diz ainda a correspondente:
“Os problemas que antes eram previstos para a Copa do Mundo no Brasil
não se confirmaram. Aos poucos, o tom crítico da imprensa internacional
foi mudando, com reportagens que retratam também o clima festivo deste
Mundial”.
Entre os exemplos citados, destaque para The New York Times, segundo o qual, apesar de pequenos problemas, o torneio até agora foi um imenso sucesso. Na verdade, o Times
tem sido um dos maiores entusiastas da Copa, com uma cobertura
diversificada e o acompanhamento dos principais jogos em tempo real,
através da internet.
Com exceção dos meios ultraconservadores, que depreciam a popularidade
do futebol, considerado pela direita americana como um esporte de
morenos e latinos, a imprensa dos Estados Unidos festeja a grande
audiência do torneio e a massiva presença de torcedores que viajaram
para o Brasil.
A Globo também comenta a mudança de linha no espanhol El País,
onde a manchete admite: “Não era para tanto”. O jornal destaca que os
estádios e aeroportos estão funcionando e os protestos diminuíram assim
que a bola começou a rolar.
A revista inglesa The Economist também diz que as baixas
expectativas foram superadas. O blog da revista conclui que o visitante
estrangeiro vai levar do Brasil “uma mistura de hospitalidade, futebol
bonito e... preços além da conta”.
O francês Le Monde chama o sucesso da Copa de “milagre
brasileiro” e afirma que o Brasil organiza o Mundial à sua maneira,
“desordenado e simpático, despreocupado e acolhedor”.
“A última edição da revista Der Spiegel dá destaque para a
animação da torcida e diz que os esperados protestos de massa até agora
não aconteceram”, conclui a reportagem do Jornal Nacional.
A Globo não diz quem alimentou o pessimismo e o noticiário negativo
sobre o Brasil nos dias que antecederam o início da Copa do Mundo. De
repente, ninguém sabe, ninguém viu quem estimulou o espírito de porco e
quem animou o complexo de inferioridade a se manifestar.
Agora, é preciso recolher nas ruas os órfãos do “quanto pior, melhor”,
que começaram torcendo para a Croácia na partida inaugural e já não
sabem quem são.
Quem vai adotar os vira-latas?