Matéria assinada pelo Eduardo Guimarães, do Blog Cidadania, comentando a entrevista dada por Lula aos blogueiros em maio passado, tem um componente que só agora observamos numa releitura desse texto. É uma pequena observação de Eduardo que a nós jornalista nos soa à conta do maior sacrilégio possível no exercício da profissão.
Antes do início do encontro, o blogueiro paulista, passando pelos corredores e fingindo-se estranho ao evento, questionou um dos repórteres destacados pela grande mídia para cobrir os eventos sobre o que acontecia ali. A resposta foi a confissão de que hoje no Brasil não se pratica jornalismo pela mídia impressa. faz-se política.
O repórter indagado por Eduardo Guimarães, afirmou que aquela era uma "cobertura cabeluda" e que era difícil por ter que se encontrar a "pauta certa" para seus editores.
Dá tristeza saber disso nesta altura da vida quando pensávamos que dignidade profissional não se vende, nem se aluga...
Hoje encontramos no You Tube este vídeo mostrando que a prática se tornou comum:
Hoje encontramos no You Tube este vídeo mostrando que a prática se tornou comum:
E, para completar, abaixo vai o texto que muitos colegas blogueiros reproduziram sob o título
A pauta combinada
Não é fácil cobrir política no Brasil, segundo repórter de um dos
grandes veículos de mídia que cobriram a palestra que o ex-presidente
Lula deu a centenas de blogueiros na última sexta-feira. Informações que
tal repórter me deu sem saber com quem falava serão úteis para a
compreensão da manchete sobre o evento que ganhou as capas dos grandes
jornais de sábado (17/05).
A grande imprensa compareceu em peso ao hotel Braston, no centro
velho de São Paulo, onde está acontecendo o 4º Encontro Nacional de
Blogueiros e Ativistas Digitais. Havia repórteres de vários grandes
meios de comunicação – O Globo, Folha de São Paulo, O Estado de São
Paulo, G1, UOL, Terra, IG… Só não foi visto repórter da Veja.
O corredor que dá acesso ao salão de convenções na sobreloja do hotel
estava intransitável. Por ali, misturavam-se os participantes do evento
e a imprensa. Esta, porém, tinha uma porta de acesso exclusiva ao
salão, que desembocava em um cercadinho feito para os repórteres.
Salvo um ou dois incidentes entre blogueiros menos pacientes com as
manipulações midiáticas e repórteres, a imprensa foi bem recebida.
Porém, esses “operários da notícia” estavam tensos e este blogueiro
descobriu que não era por medo do público que ali estava, mas devido à
pressão que um desses “operários” – que, por razões óbvias, não será
identificado – insinuaria que todo repórter de política sofre quando tem
que cobrir Lula.
Para extrair sinceridade de um dos membros da imprensa que ali
estavam, a solução foi este que escreve dissimular a razão de sua
presença no local fingindo que participava de outro evento no salão de
convenções contíguo àquele em que Lula palestraria. Travou-se, então, o
seguinte diálogo com um dos repórteres:
Blogueiro — O que está acontecendo aí?
Repórter – O Lula vem falar.
Blogueiro – Quem é toda essa gente?
Repórter – São blogueiros aliados do PT; Lula vem falar pra eles.
Blogueiro – Lula é sempre notícia, né?
Repórter – Notícia cabeluda. Dá um trabalho danado.
Blogueiro – Por quê?
Repórter – A gente tem que achar a “pauta certa”…
(…)
Infira você, leitor, qual é a “pauta certa”.
A palestra em questão foi excelente. Lula estava inspirado, como
sempre. Enquanto encantava a plateia com suas tiradas engraçadas, fiquei
pensando o que a imprensa poderia encontrar para comprometê-lo. A
presença maciça de repórteres em mais um encontro do ex-presidente com
blogueiros certamente se destinava a encontrar algo que pudesse servir
para a mídia tentar desgastá-lo publicamente.
Ao fim da fala de Lula, achei que ele não oferecera matéria-prima
para que os robôs teleguiados pela grande mídia pudessem usar. E não
havia mesmo. Por isso, foi preciso inventar.
Após Lula falar, participantes do Encontro de Blogueiros relataram
uma cena inusitada presenciada por vários deles: repórteres de vários
veículos distintos reuniram-se para discutir que pauta comum todos
entregariam às suas respectivas redações.
Um repórter sugeria distorcer, omitir ou destacar este ponto, outro
contestava aquela ideia e dava outra. Alguns dos blogueiros que
presenciaram a cena aproximaram-se do grupo de repórteres inquirindo-os
sobre se era comum fazerem aquilo, reunirem-se e combinarem o que iriam
divulgar sobre o que haviam presenciado.
A interpelação dispersou os repórteres, que foram se reunir em outra
parte. O resultado dessa reunião, porém, começou a ser visto no mesmo
dia nos portais G1, UOL etc., e ganhou maior repercussão nos jornais de
sábado (17). Abaixo, uma das manchetes principais de primeira página que
decorreram de uma distorção criminosa da fala do ex-presidente.
Chega a ser inacreditável que a mídia tenha pinçado e distorcido uma
frase de Lula dessa forma. O ex-presidente disse o seguinte:
“Nós nunca reclamamos de ir a
pé (ao estádio). Vai a pé, vai descalço, vai de bicicleta, vai de
jumento, vai de qualquer coisa. A gente está preocupado? Ah não, porque
agora tem que ter metrô até dentro do estádio. Que babaquice que é essa?“
O que Lula disse foi que, no Brasil, nunca ninguém pediu que estações
de metrô fossem construídas dentro de estádios de futebol e que agora
estavam cobrando alguma coisa que nunca foi pedida no Brasil. E emendou
dizendo que brasileiro, para ver futebol, não mede esforços.
As palavras do ex-presidente, da forma como foram expostas, dão a
entender que ele acha que o povo não merece ter estação de metrô dentro
de estádio de futebol, o que seria não só uma “babaquice”, mas um
desperdício de recursos públicos, pois o povo não vai a estádios todo
dia, mas usa metrô todo dia e por certo os locais para construir
estações devem ser mais adequados.
Pode-se construir estação de metrô em um hospital, em shoppings e em
terminais rodoviários ou de trens porque são locais de grande afluxo
diário de pessoas, mas não faz sentido construir dentro de um estádio de
futebol. Durante a Copa até seria útil, mas e depois?
O que fica desse episódio é a confirmação de um procedimento da velha
mídia que todo mundo conhece, mas que nem todos devem se lembrar. Em
2006, por exemplo, quando foi apreendido o dinheiro dos “aloprados”,
aconteceu a mesma coisa – repórteres e policiais armaram um cenário com o
dinheiro apreendido que fez seu volume físico parecer maior.
Infelizmente, mais uma vez se confirma que a luta para agradar as
chefias leva jovens repórteres a praticar toda sorte de trapaças com a
notícia. E que esta é “tratada” para dizer aquilo que os patrões desses
jovens querem que seja dito, obviamente em prejuízo do direito do
público a receber fatos em vez de versões e interpretações subjetivas
como essa de que trata o post.