ELEIÇÕES 2014
Deus e o diabo na política
Por Luciano Martins Costa
A análise das escolhas editoriais no fim de semana e na segunda-feira
(5/4) traz indícios de que os três principais jornais de circulação
nacional – Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo
– estão afinando suas estratégias para a cobertura das eleições
presidenciais. O cruzamento das notícias de política e economia, núcleo
principal do sistema formador de opinião, aponta para um processo de
isolamento do grupo que ocupa o Palácio do Planalto, mas até então não
havia uma definição clara entre os dois potenciais adversários da atual
presidente da República.
As editorias de economia e negócios misturam dados reais com
especulações pessimistas para desenhar um cenário inquietante para a
questão da energia, da capacidade futura de investimento do país e a
modernização da infraestrutura. Nesse campo, predomina uma situação
quase esquizofrênica, em que indicadores conflitantes são ressaltados na
mesma página do jornal, sem que se esclareça o leitor sobre o
significado desses números.
Por trás dessas escolhas, não há como fugir à evidência de que o
destaque para números negativos, enquanto os indicadores positivos são
minimizados, tem uma motivação política. Observe-se, por exemplo, o
contraste demonstrado na entrevista principal da coluna Mercado Aberto,
da Folha de S.Paulo, na edição de segunda-feira (5/5), e as principais notícias econômicas do jornal nos últimos dias.
Nessa entrevista, o presidente brasileiro de um banco suíço afirma que,
apesar de nunca ter visto tamanho pessimismo de curto prazo entre
empresários brasileiros, a realidade mostra que o sentimento entre
investidores estrangeiros, em relação ao Brasil, é exatamente o inverso:
nunca houve um afluxo tão grande de capital externo na economia
nacional como nos primeiros meses deste ano.
A situação é a de uma esquizofrenia na qual o paciente, no caso a imprensa, escolhe sempre a alternativa mais sombria.
Esse noticiário negativo tem uma direção muito clara, que pode ser
constatada a cada eco que os candidatos oposicionistas fazem às
manchetes dos jornais. É como se houvesse uma sintonia muito fina entre
as decisões editoriais e os planos de governo dos candidatos. O
pessimismo com relação à economia nacional é um fenômeno interno,
produzido pela sucessão de notícias negativas que tem como propósito
claro o de demonizar a presidente da República.
Fazendo chacota
É certo que o governo federal tem sido pródigo em produzir celeumas, ao
titubear na condução de um projeto econômico supostamente vinculado à
redução das desigualdades e emitir sinais contraditórios sobre sua
disposição de manter a melhoria das condições sociais como meta da
política econômica. O sistema de alianças está claramente esgotado, e a
conta da ineficiência, das trapalhadas e do atraso nas decisões vai
diretamente para a Presidência da República.
Os jornais ressaltam as fissuras produzidas pelo sistema partidário,
criando a pauta para os candidatos oposicionistas. Assim, o discurso
eleitoral reforça o pessimismo patrocinado pela imprensa, e o governo,
orientado para a campanha, permanece reativo, apenas na defensiva. O Globo e a Folha de S.Paulo parecem se definir, colocando mais fichas em Aécio Neves, candidato do PSDB, enquanto o Estado de S.Paulo ainda equilibra suas apostas entre Neves e Eduardo Campos, do PSB.
Acontece que Campos precisa do patrimônio eleitoral de sua candidata a
vice-presidente, Marina Silva, apresentada como uma espécie de reserva
moral do campo político. Mas também a ex-ministra tem suas fragilidades:
a coluna de Monica Bergamo, na Folha, conta, por exemplo, uma deliciosa história sobre a saída de Marina Silva do governo Lula.
Diz-se que ela foi ao gabinete presidencial acompanhada de um pastor e
disse a Lula que havia conversado com Deus e ele lhe havia dito que era
hora de sair. O então presidente pediu um tempo e, dias depois,
respondeu que também havia sonhado com Deus, e o Todo-Poderoso lhe havia
afirmado que Marina deveria ficar mais um pouco no ministério. Ela só
deixou o governo muito depois, em maio de 2008.
Essa historinha pode ter um efeito devastador na candidatura de Eduardo
Campos. Exposta, assim, na primeira página, a fé religiosa de Marina
vira motivo de chacota e mostra para onde pende a preferência do jornal.
Se, para a imprensa, Dilma Rousseff é o demônio, a proximidade de Marina com o divino pode ser o inferno para Eduardo Campos.