Desabafo
Meu nome é Edécio Campos Nevados de Marina. Culpa do cartório: era
pra ser Marinha. Não espere que eu saiba explicar esse trem (meu nome).
Vim aqui reclamar do governo. Ultimamente me interessa. Dizem ser
falsidade, traição… Que nada. Tão é com inveja. De quê? Ah, sei lá.
Bom, de uns doze anos pra cá fui tomado pela revolta e a
desesperança. E parece irreversível, visse? Por mais que nossa mídia
grande — aquela ética, verdadeira, honesta, imparcial, insuspeita —
tenha, até, desbordado de seu histórico papel super jornalístico (como
sabemos e apoiamos, vivas!), para se transformar no único partido
político importante de oposição, o fato é que não tem sido exitosa no
que é, afinal, nosso principal objetivo: enxotar do poder essa cambada
que teima em dar vez aos pobres e miseráveis deste país.
Meus queridos órfãos-destros: Queremos nosso eterno “país do futuro”
de volta! Voltar a poder chamar de tio o Sam! Tenho certeza que se
entregássemos nossa Petrobrax (opa! Petrobrás), como tentamos com o
sociólogo — sim, o da reeleição —, nosso tio nos aceitaria de volta! Sem
petralhas, tampouco uns bexigas duns tupiniquins comunistas, que até se
meter nessa história de trazer a Copa do Mundo pra cá se meteram. Por
mim, dava uma pisa em tudinho, até esfolar! Por que o ódio? Comem
criancinhas, sabia, não? Não que eu desejasse uma cama debaixo de sete
palmos de terra pra eles e seus simpatizantes, ou praqueles que cometem o
pecado de pensar diferente da gente (Deus me livre!), mas se
acontecesse, né?…
Talvez fosse a instrumentalização da vontade divina…
Já aconteceu uma vez, afinal. Ai, saudades… Vou nem falar.
Bem, o fato, agora, não bastasse os filhos das domésticas se formarem
em doutor — e em Universidade Federal, vê se pode! — e médicos
estrangeiros serem contratados pra tratar duns miseráveis nuns rincões
onde a gente só aparecia em época de eleição, e para onde os nossos não
quiseram ir, temos que nos deparar com os empresários de ônibus
justamente protestando porque esses ex-pobres só querem saber agora de
andar de avião.
Taí a consequência! É ou não é de revoltar?
E assim, nobres órfãos-destros, a tristeza já virou desesperança; a
revolta, estresse. Outro dia fui levado ao psiquiatra, após ouvir — e
foi ao longe e baixinho! — o cantarolar daquela inocente canção
infantil, em que tiveram o desplante de mudar o tempo verbal: eu FUI
pobre, pobre, pobre / de marré, marré, marré / eu FUI pobre, pobre,
pobre / de marré deci. Pirei!