Mas, sempre vale buscar no original. Veríssimo é colaborador fixo do "Estadão" o jornal da famiglia Mesquita e lá foi publicado no último dia 17...
Leituras
VERISSIMO - O Estado de S.Paulo
Os necrológios do recém-falecido historiador francês
Jacques Le Goff destacaram que ele mudou a nossa maneira de ver a Idade
Média. Medievalista emérito, Le Goff descobriu no período muito mais
significados do que se imaginava e destruiu alguns clichês sacramentados
sobre a época. A Idade Média não teria sido apenas uma ponte entre o
miasma sulfúrico da Idade das Trevas e a Renascença, mas uma era de
transformações importantes, assim na Terra como no Céu. É do Le Goff a
tese de que o Purgatório foi inventado para que quem praticasse a usura,
que era pecado, não fosse direto para o Inferno, mas tivesse a
oportunidade de se regenerar no caminho e escapar da punição, o que
representou um grande impulso para o nascente sistema bancário. Assim o
capitalismo, que mudaria o mundo, começou mudando a cosmogonia cristã.
O que a gente estranha nessas reavaliações do passado é que a
História se preste a tantas releituras. Imagina-se que o acontecido está
acontecido e que seja impossível reinterpretar o que já se congelou
como fato histórico. Na verdade, tudo é interpretação. O que acontece
com o fato histórico é o mesmo que acontece com a lei, que não é uma
para todos, mas para cada um de acordo com a sua leitura.
Toda vez que,
por exemplo, no Supremo há uma votação fragmentada, uma maioria
derrotando uma minoria, isto significa que uma leitura da lei subjugou
outra leitura. Quando a questão é de constitucionalidade, a estranheza é
maior: como pode uma interpretação da Constituição ser diferente de
outra se a Constituição é a mesma?
Há dias, o ministro Joaquim Barbosa
deu o único voto favorável ao julgamento do Azeredo e do mensalão tucano
no Supremo - todos os outros ministros votaram contra. Azeredo será
julgado pela justiça do seu Estado, se o crime pelo qual é acusado não
prescrever antes. O voto do Barbosa foi exageradamente subjetivo, para
evitar que acusassem o Supremo - como a Igreja mudando a configuração do
Além - de adotar dois jogos de pesos e medidas, um para o PT e outro
para os outros, ou sua leitura da lei foi a única correta?
O passado, já disse alguém, é uma terra estranha, cheia de surpresas
para quem a visita. Reinterpretá-la é sempre uma aventura intelectual,
como foi para Le Goff. A variedade de leituras das leis também pode ser
positiva, quando não é assustadora. Todo o sistema de instâncias do
judiciário existe para que o subjetivismo não domine e deforme os
julgamentos. Mas que a gente estranha, estranha.
Papo vovô. Lucinda, nossa neta de 6 anos, pediu para eu me inspirar - a palavra é dela - e inventar uma história para a qual ela já tem o título: A Batata Assassina. Estou aceitando sugestões.