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quarta-feira, 9 de abril de 2014

À Lei.... que Lei????

O jurista Walter Maierovitch publica na Carta Capital uma análise arrasadora do que poucos hoje comentam: a parcialidade do Supremo Tribunal Federal na análise de dois processos de base fática idêntica contra personagens de partidos diferentes. De um lado a Ação penal 470, o mensalão atribuído ao PT e de outro o mensalão tucano de Eduardo Azeredo em Minas... 

É de corar qualquer advogado com um mínimo de noção de justiça...




Suprema loteria

Azeredo esperou quatro anos para renunciar. É chicana processual. Mas Roberto Barroso deu um jeitinho 
 

por: Wálter Maierovitch

 

Azeredo
Azeredo é acusado de crimes de peculato e lavagem de dinheiro 
com desvio para fim eleitoral
Para os que já passaram dos 65 anos e, como escreveu Machado de Assis, estão a descer a “vertente do oeste” sob o olhar conformado do anjo Ariel, o tal jeitinho brasileiro envergonha.

Na sessão plenária de 27 de março, o STF, nos autos da Ação Penal 536, apelidada de ‘mensalão tucano’, declinou da sua competência para julgar, originariamente, Eduardo Azeredo. Ele é acusado de coautoria em crimes de peculato e lavagem de dinheiro, com desvio, para fim eleitoral, de 3,5 milhões de reais de empresas públicas (Cemig e Codemig).

Diante disso, o processo criminal baixará à primeira instância da Justiça mineira e, ao contrário do sustentado pelo ministro-relator Roberto Barroso, há risco real e efetivo de ocorrer prescrição a levar à extinção da punibilidade de Azeredo.

Trata-se de risco efetivo quando levada em conta a prescrição calculada pela pena em concreto, ou seja, àquela fixada na sentença definitiva e individualizada a partir do marco mínimo: no peculato, de 2 anos e na lavagem de 3 anos. A Barroso foi conveniente lembrar apenas da prescrição pela pena em abstrato, ou seja, calculada pelo máximo previsto nas leis criminais: 12 anos para o peculato e 10 para a lavagem.

Azeredo, no dia 19 de fevereiro, havia renunciado ao cargo de deputado federal. No seu caso judiciário, o STF, em 3 de dezembro de 2009, levara mais de 20 horas para receber a acusação apresentada pelo procurador-geral Antonio Fernando Souza. O placar, com Joaquim Barbosa de relator, foi de 5 votos contra 3 e a ministra mineira Cármen Lúcia deu-se por impedida. Pela rejeição da peça acusatória votaram, como era previsível, os ministros Dias Toffoli, Eros Grau e Gilmar Mendes.

A instrução processual foi longa e, em 7 de fevereiro deste 2014, o procurador-geral, em alegações finais, pediu a procedência da ação penal e a condenação de Azeredo às penas, em concurso material, a totalizar 22 anos de reclusão, em regime inicial fechado. A renúncia foi comunicada ao STF à véspera do início do prazo para a defesa técnica apresentar a sua manifestação final.

Para certos numes nacionais, a Constituição estabelece foro especial por prerrogativa de função e não foro privilegiado. Muitos doutrinadores aplaudem essa modalidade de foro em face da majestade do cargo, ou melhor, da função e não da pessoa. Outros, e de maneira acertada, consideram odioso esse critério de fixação de competência e isso por violar, flagrantemente, a garantia constitucional da igualdade. Daí a nossa Constituição proibir foros privilegiados.

Com foro privilegiado reconhecido,  nos últimos 50 anos, o STF, exceção ao ex-deputado federal Natan Donadon, não condenou nenhum político a regime fechado. A propósito, o primeiro político condenado pelo STF foi José Tático (PTB de Goiás), no fim de novembro de 2011, por se apropriar de 750 mil reais da Previdência Social. Tático, no entanto, restou contemplado com o regime semiaberto.

Como se fosse fato consumado, ninguém se abalou, em 1969, quando a Convenção Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu a garantia do duplo grau de jurisdição a todos os condenados. Em outras palavras, aboliu-se o foro por prerrogativa de função do STF e, por evidente a sua vis atrativa aos mortais corréus.  Apesar disso, o STF editou, em setembro de 2003, a Súmula 704 a garantir, por conexão probatória ou continência, que a sua jurisdição alcance corréus sem o foro privilegiado.

No “mensalão petista”, o STF entendeu em submeter à sua jurisdição, com base na Súmula 704, os corréus não parlamentares. Assim, passou por cima da Convenção Interamericana, um tratado internacional aprovado pelo Brasil. O mesmo entendimento não teve o STF referentemente aos corréus não parlamentares do “mensalão tucano”, todos enviados, faz tempo, à primeira instância.

Para o então parlamentar renunciante Ronaldo Cunha Lima, o STF declinou da competência. O mesmo não fez em face da renúncia do então deputado Natan Donadon e, para tanto, alegou abuso e isso por ter tido por objetivo evitar o julgamento pelo STF.

Ao sabor do jeitinho brasileiro, o ministro Roberto Barroso entendeu ter Azeredo, apesar de renunciar para evitar ser julgado pelo STF, agido antes das alegações finais defensivas e à preparação do voto pelo relator e pelo revisor. Só não disse haver Azeredo aguardado mais de quatro anos (a denúncia foi recebida em dezembro de 2009) para renunciar, e isso tem o nome de chicana processual, que é abusiva.

A propósito, Donadon e Azeredo renunciaram pelo mesmo motivo de fugirem à jurisdição do STF. Ambos em momentos procedimentais muito próximos da reta final.  Bingo, no entanto, só para Azeredo.