Na história romana o Rubicão, curso d´água situado ao norte de Roma,
não podia ser transposto pelas tropas que acompanhavam os generais que
retornavam das batalhas para evitar riscos de ameaças ao poder central.
Quando Júlio César transpôs o Rubicão com suas tropas em perseguição a
Pompeu, estava consciente de que provocaria um conflito armado na sede
do Império. Por isto, a célebre frase: “alea jacta est” (a sorte está
lançada).
Estamos assistindo impassíveis no Brasil as tropas da
desestabilização se aproximarem perigosamente do Rubicão. O que há dois
anos parecia paranoia dos adeptos de “teorias da conspiração” hoje é
fato concreto: a aliança dos partidos de extrema esquerda com os de
extrema direita para derrubar o governo eleito democraticamente.
Procuram conseguir por meios ilegítimos o que não conseguem por meio do
voto, por absoluta falta de propostas.
É evidente que a alternância de poder é algo saudável numa
democracia. Mas essa alternância precisa ser promovida pela vontade
popular, que exige ser convencida por propostas que demonstrem uma
melhoria real da situação anterior. Enquanto a oposição não apresenta
tais propostas, o povo prefere ficar com o que já conhece.
A falta de propostas da oposição brasileira tem procurado um caminho
aparentemente mais fácil: o caos social. Em meio a manifestações em
princípio legítimas, a violência estúpida, que nesta semana vitimou um
cinegrafista em trabalho.
Evidente que essas manifestações atendem não apenas aos interesses
antipatrióticos dos extremistas de direita e de esquerda, mas, também, a
interesses alienígenas que cobiçam nosso pré-sal, nossa imensa
diversidade de insumos e nosso gigantesco mercado interno.
Aqui dentro e lá fora há muitos que não suportam um Brasil respeitado
internacionalmente, não aceitam um país que diminui a desigualdade e
que retira expressivos contingentes da miséria. Não admitem que o país
seja viável, não o querem líder da América Latina nem muito menos que
ele assuma posições soberanas ante outras nações.
Têm saudades do tempo em que a Polícia Federal era manietada pelo
poder central, do tempo em que os poderosos eram intocáveis e,
infelizmente, do tempo em que a imensa venalidade dos dirigentes de
empresas estatais garantiam contratos milionários em troca de polpudas
propinas como nos casos da Alston e da Siemens, para citar apenas um
caso.
Quem se lembra do início dos anos 60 – e eu lembro muito bem – já
sabe onde este enredo vai terminar. O clima do país é o mesmo, só que um
pouco piorado. Naquele tempo as manifestações eram mais honestas, a
gente ia de cara descoberta. A única proteção era a convicção de estar
fazendo a nossa parte por um país melhor. Evidentemente, os tempos são
outros, mais sofisticados.
O golpe que está em curso não é mais das casernas, embora elas possam
apoia-lo. O golpe em curso promovido e apoiado pela mídia, como em 64,
está ironicamente em gestação na instituição que mais deveria defender a
legalidade.
Nós, sociedade civil, precisamos nos organizar urgentemente para
barrarmos essa travessia do Rubicão que ameaça as conquistas tão
duramente conseguidas com o sofrimento e o sangue dos heróis conhecidos e
anônimos que lutaram nos anos de chumbo. Devemos isto a eles.
Marta Guerra é jornalista, professora aposentada do Departamento de Filosofia da UFRN e advogada