Quem fala é Alberto Dines, do alto de toda a sua credibilidade de um dos maiores nomes do jornalsimo brasileiro em todos os tempos...
‘EL PAÍS’ EM PORTUGUÊS
Depois de censores togados, jornais-censores
Por Alberto Dines
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) estuda a possibilidade de acionar o grupo espanhol Prisa, editor do diário El País
– um dos melhores do mundo –, por infringir os preceitos
constitucionais do artigo 222 da Carta Magna de 1988, que impõe um
limite de 30% à participação estrangeira no capital das empresas de
comunicação sediadas no país.
A notícia saiu praticamente igual – quase um release – na Folha de S. Paulo (27/11) e no Estadão (29/11), motivada pelo lançamento, no dia 26/11, do esplêndido e oportuno site do jornal em português.
Na pátria do corporativismo até mesmo a grande imprensa é contra a
livre concorrência e a favor da reserva de mercado. A ANJ é uma
intransigente defensora da liberdade de expressão – exceto quando esta
liberdade confronta os interesses comerciais dos associados.
Manobra
O artigo 222 da Constituição foi alterado às pressas
em 28/05/2002 porque o empresariado de comunicação temia que o assunto
fosse decidido no eventual mandato de Lula da Silva, àquela altura
cotado para sair vitorioso no pleito presidencial de outubro seguinte
(ver "Reforma do Artigo 222 abriu setor ao capital estrangeiro").
O texto da emenda foi supervisionado pelas entidades
corporativas (ANJ, ANER, ABERT) e, graças a esta vigilância, previa que
os limites para a participação estrangeira estendiam-se aos veículos de
comunicação social “independente da tecnologia utilizada”. Para
contentar a FENAJ foi incluída uma cláusula oriunda do artigo 221 que
exigia a presença de brasileiros natos no comando e nos quadros
intermediários dos veículos com capital estrangeiro.
Àquela altura, grandes grupos jornalísticos
brasileiros já haviam negociado com grupos internacionais a venda de
seus ativos em áreas não-essenciais, especialmente gráficas.
Capitalizaram-se confortavelmente sem ferir a lei que patrocinavam com
tanto empenho.
Ao denunciar a manobra neste OI este
observador foi acusado de “mentiroso” por um jornalão. Ganhou a questão
na justiça, mas abriu mão de qualquer indenização por danos morais. Como
castigo o OI foi obrigado a mudar de provedor.
Práticas inquisitoriais
É possível que a bela iniciativa do El País tenha amparo legal. À primeira vista não tem. O mais importante é que tem um poderoso amparo moral, social e político.
Além de xenófoba e mesquinha, a ameaça da ANJ fere
os legítimos anseios da sociedade brasileira por uma imprensa pluralista
e diversificada. Fere os princípios da solidariedade institucional que
ao longo de quatro séculos garantiu a sobrevivência do chamado “Quarto
Poder” nos quatro cantos do mundo. Fere, sobretudo, os jornalistas
brasileiros contratados para produzir e adaptar o material em português,
hoje na rua da amargura depois das demissões em massa ocorridas a
partir de abril.
Neste país tão afeito às práticas inquisitoriais não
será de estranhar que depois de juízes favoráveis a mordaças agora
apareçam jornais-censores.