O jornal "Folha de S. Paulo" já semeou uma pandemia que não existia levando pessoas a se vacinar com riscos para a saúde, tudo por conta de posições políticas. Agora, a própria Folha se junta ao O Globo para incentivar entre os detentos do complexo penitenciário da Papuda, em Brasília, uma rebelião a ser posta na conta dos condenados da Ação penal 470, o malfadado e inexistente "mensalão"...
Ao que sabemos isso não é notícia, mas sim um crime...
Quem comenta é Paulo Moreira Leite em seu Blog da IstoÉ:
ISTOÉ COLUNISTAS
Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em
Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente
em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época.
Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
"Eu até queria achar algo pesado...."
Subsecretário diz que não há vestígio de descontentamento entre presos da Papuda contra condenados da AP 470
Há três dias os
jornais brasileiros falam de uma revolta dos presos da Papuda contra os
“privilégios” oferecidos aos condenados da ação penal 470. O
descontentamento seria tão grande que eles estariam preparando uma
rebelião.
Foi por isso, explicam, que
três membros da Vara de Execução Penal, que tem a função de zelar pelo
correto cumprimento das penas de cada prisioneiro, teriam pedido
afastamento de suas funções por causa disso.
Depois de investigar a
denúncia, Claudio de Moura Magalhães, Subsecretário do Sistema
Penitenciário, afirma, em entrevista ao Globo de hoje:
-- Eu até queria achar algo
pesado, uma quadrilha que está articulando, para não desmentir a VEP
(Vara de Execuções Penais). Mas não achei.
Conforme o subsecretário, está
tudo dentro da normalidade nessa época do ano. A mesma informação
encontra-se na Folha de S. Paulo, onde a Secretaria de Segurança
informa que boatos de rebelião “acontecem” sempre mas nega qualquer fato
novo neste final de 2013.
Conforme a Folha, de 20
familiares de prisioneiros entrevistados, apenas duas mulheres confirmam
ter ouvido rumores sobre uma rebelião, “mas em outra unidade” da
Papuda, ressalvam.
Nada é tão ilustrativo da
situação como a confissão do subsecretário. Ele “até queria achar algo
pesado para não desmentir a VEP...”
O que é isso?
Mesmo com uma imensa dose de
boa vontade, a autoridade que teria a obrigação de apurar tudo nos
mínimos detalhes e punir os principais responsáveis pela preparação de
uma rebelião crime é obrigado a admitir que nada foi encontrado. Nada.
E lamenta: “eu até queria.”
Autoridades policiais não querem nem deixam de querer.
Em situação normal, não
precisam lamentar o que encontraram ou deixaram de encontrar. Devem
registrar os fatos e limitar-se a eles.
Mas não vivemos uma situação
normal em torno dos prisioneiros da AP 470. E por isso podemos
compreender muito bem as palavras de precaução do subsecretário.
Não há motivo para duvidar da
palavra dos magistrados da VEP. Mas é bom admitir que a autoridade
profissionalmente competente para buscar indícios e trazer provas nada
encontrou. Embora até quisesse, como admitiu.
A explicação que encontrei
junto a autoridades que segue o caso de perto é outra. Para elas, os
juizes pediram afastamento pela mesma razão levou o primeiro responsável
pelas execuções penais da AP 470 a entrar em conflito com Joaquim
Barbosa no primeiro dia: falta de autonomia e excesso de interferência
sobre seu trabalho.
Do alto de minha suprema
ignorância nesses assuntos, gostaria de registrar que pelo simples bom
senso há um elemento absurdo nessa hipotética revolta contra os
“privilégios” dos condenados da AP 470. Pergunto, para começar: onde
estão os privilégios?
Para ir ao ponto essencial da
palavra: do ponto de vista do cumprimento da lei, privilegiado é quem
escapa da Justiça, consegue ser inocentado apesar de provas de sua
culpa, e utiliza de uma posição superior na sociedade para impor
vantagens aos demais.
Será honesto dizer que isso
ocorreu com os condenados da ação penal 470, julgamento criticado por um
número cada vez maior de juristas e advogados de prestígio?
Vamos ao que
ocorreu depois da condenação. Para garantir que fossem presos
imediatamente, o STF realizou o fatiamento de suas penas, autorizando a
detenção inclusive de prisioneiros que ainda aguardam pelo julgamento de
recursos. É uma prática comum com criminosos de alto risco, me dizem
professores de Direito Penal. Mas nem o observador mais delirante diria
que essa decisão marca algum tipo de privilégio.
Os prisioneiros foram
recolhidos num feriado, sem uma carta de sentença onde estaria definida
suas condições de prisão. O esforço para garantir um bom espetáculo se
demonstra por um fato impressionante. A notícia de que os mandados de
prisão haviam sido expedidos chegou antes às emissoras de TV do que à
delegacia da Polícia Federal em São Paulo. Quando os primeiros
prisioneiros chegaram a PF, os delegados de plantão não sabiam de nada.
Por coincidência, a internet estava fora do ar e um deles, após um certo
esforço, conseguiu localizar o mandato – pelo celular.
Enquanto aguardava por uma
decisão dos policiais, um dos prisioneiros ouviu um deles recusar um
pedido insistente, feito pelo telefone, com as seguintes palavras:
“Não sou funcionário da Globo.”
Quando os presos chegaram a
Papuda, a Secretaria de Segurança do Distrito Federal se recusou a
recebe-los por falta de documentação adequada. Em situação normal,
presos nessa situação são devolvidos a Polícia, que resolve o que fazer
com eles. Mas é claro que isso não ficaria bem do ponto de vista do
espetáculo.
Imagine inaugurar o show com uma trapalhada logo na segunda cena.
Com autorização do Ministério
da Justiça, os prisioneiros – inclusive aqueles que tinham direito a
regime semiaberto – foram recolhidos a unidade federal de segurança
máxima, dentro da Papuda, reservada exclusivamente para criminosos de
altíssima periculosidade.
Como se sabe, são áreas feitas
para condenados que integram “facções criminosas” em atividade no
sistema prisional, que possuem esquemas clandestinos poderosos, capazes
de promover fugas quando recolhidos a um presídio comum. Assim, os
condenados “privilegiados” ficaram isolados na segurança máxima durante
os primeiros dias.
O esforço para impedir que
prisioneiros da AP 470 com direito a regime semiaberto possam deixar o
presídio para trabalhar durante o dia levou a que se resolvesse
organizar uma fila para examinar os pedidos de saída, por ordem de
chegada no presídio. É claro que os recém-chegados foram colocados nos
últimos lugares, medida que parece igualitária mas é, na prática, uma
forma de prejudicar quem, como eles, teria maior facilidade para
encontrar emprego do lado de fora. Criou-se assim, uma fila com casos
demorados, complicados, muitas vezes sem solução – infelizmente poucas
pessoas se dispõem a empregar pessoas presas, como sabe qualquer pessoa
que já tentou ajudá-los – cujo efeito foi atrapalhar o caminho de quem
tinha uma saída ao alcance da mão.
Entre o primeiro dia e o fim do
primeiro mês, nenhum prisioneiro com direito ao semi aberto teve
acesso a esse regime, ainda que isso tenha sido definido pelo próprio
STF, a mais alta corte do país. Não há a mais remota previsão para isso
acontecer. A perspectiva é tão ruim que muitos condenados que poderiam
estar trabalhando fora do presídio já começaram a trabalhar atrás das
grades, o que pode até diminuir suas penas mas é muito desvantajoso.
Advogados dos prisioneiros
denunciam que, para impedir que eles tenham direito a visitar suas
famílias no Natal e no Ano Novo, tradição de nosso sistema prisional,
foram definidas regras extremamente duras para que fossem liberados.
Tem-se como certo, hoje, que todos os condenados da AP 470 passarão
esses dias longe de suas famílias.
Vamos brindar ao privilégio com peru, presunto tender e champagne, certo?
A conversa sobre os privilégios
começou de forma distorcida. Nos dias seguintes a prisão, havia um
numeroso contingente de parlamentares interessados em visitar os
condenados da AP 470. É natural e é um direito deles, como sabe toda
pessoa que se interessava pela sorte dos presos políticos durante o
regime militar. Num comportamento que honrava o mandato que possuía,
naquele tempo o senador Teotônio Vilela batia à porta dos presídios,
apresentava-se como Senador da República e ia em frente.
Foi apenas para impedir que o
excesso de visitantes parlamentares à Papuda acabasse por aumentar a
fila das famílias dos demais prisioneiros que se criou um dia especial
para que os presos da AP 470 fossem visitados. Era uma solução
obviamente conveniente para as partes.
Não funcionou por uma razão política.
Interessava – e vai interessar sempre
– denunciar toda tentativa dos prisioneiros da AP 470 de defender
direitos previstos em lei como uma tentativa de proteger privilégios.
Num comportamento estranho para
observadores que acham muito chique falar mal do populismo de
estadistas que tem ideias que detestam e votos que tanto invejam, essa
motivação oculta pautou o debate sobre descontentamento de familiares
dos demais presos da Papuda. Essa famílias têm, sempre tiveram e sempre
terão motivos de sobra para queixar-se do presídio. E como sabe qualquer
cidadão que entrar numa prisão, dificilmente será possível encontrar,
em pessoas aprisionadas, qualquer motivo razoável para elogiar a jaula
em que foram colocados. Sempre haverá um motivo de queixa, uma causa
para apontar uma injustiça. Pense no condenado mais cruel que você já
ouviu falar. Se perguntar, ele vai reclamar uma coisa, pedir uma
reivindicação, clamar por justiça.
Numa típica argumentação que procura
apoio numa retórica progressista para realizar uma proposta reacionária,
o objetivo é mostrar que os presos “populares” sentiam-se “revoltados”
com os “privilegiados.”
Essa esforço guarda um parentesco
direto com o argumento, tão comum no julgamento, de que todo pedido de
recurso, todo esforço para um exame mais acurado da acusação, não
passava de uma manobra protelatória. O que se pretende, na nova fase do
espetáculo, é garantir um ambiente político para o julgamento dos
embargos infringentes, a última esperança dos réus obterem uma redução
significativa das penas.
Do ponto de vista jurídico, o ambiente é hoje favorável aos recursos. Mas a rigor ninguém sabe o que pode ocorrer – num novo ambiente político, semelhante às execuções pela TV do ano passado.
Do ponto de vista jurídico, o ambiente é hoje favorável aos recursos. Mas a rigor ninguém sabe o que pode ocorrer – num novo ambiente político, semelhante às execuções pela TV do ano passado.
O esforço para confundir fatos e
versões, nessa matéria, é muito antigo. Nos primeiros anos da
democratização, a defesa dos direitos humanos era uma questão essencial
da vida dos brasileiros – e incomodava em particular os herdeiros da
direita militar, que gostariam que a tortura e todos aqueles abusos
fossem esquecidos.
Entrevistando essas pessoas em
bairros de classe média de São Paulo, o professor Antônio Flavio
Pierucci registrou, ali, o nascimento de uma nova direita, extremista,
radical, que denunciava o regime democrático por defender os direitos
dos presos (chamados de “mordomias”) e não era capaz de oferecer uma
proposta política para a maioria dos brasileiros. Sua retórica, assim,
era a porrada, a violência contra direitos. Vale a pena ler o professor
que, em dezembro de 1987, deixou um parágrafo tão valioso para o Brasil
de 2013. Vale a pena registrar que ele não está falando de um
conservadorismo tradicional, que respeita os limites da democracia.
Pierucci fala da extrema direita:
“Eis porque a nova cara da
extrema-direita no Brasil é o que é: despolitizada. Despolitizada a
ponto de não lhe restar como via de ancoragem nas massas senão a
demagogia do moralismo. E tanto mais despolitizada por insistir na
velha astúcia de não dizer-se, ou por não querer reconhecer que a
bandeira da intolerância em moral é, na verdade, o último trunfo para
conseguir legitimar-se de voto popular numa sociedade periférica em que
o liberalismo econômico não tem audiência de massa, não mobiliza o
voto, não é bom de palanque. Que dizer então do neoliberalismo, do mito
do ‘Estado mínimo’!