Os governos Lula e Dilma tem feito uma constante opção por acordos internacionais que privilegiem a transferência de tecnologia nas nossas compras de equipamentos, máquinas e produtos mais sofisticados no exterior.
Diferentemente do que aconteceu no ciclo tucano de FHC quando o Brasil chegou a desmontar uma vitoriosa e pujante indústria naval para comprar cascos em Singapura, o país se beneficia.
E a opinião do embaixador José Maurício Bustani - aquele mesmo que foi vetado pelos Estados Unidos ao contestar a existência de armas químicas no Iraque - mostra isso de uma forma extraordinária:
Por José Maria Bustani - Embaixador
A escolha soberana, pelo Brasil, do caça sueco Gripen, no contexto do processo FX2, poderá ter feito com que muita gente não perceba os benefícios, para o Brasil, das nossas parcerias com a França, tão evidentes durante a visita de Estado do presidente François Hollande, que esteve em Brasília e em São Paulo nos dias 12 e 13 de dezembro.
Desde 2006, quando a Parceria Estratégica Brasil-França foi lançada,
acumulamos realizações. No ano de 2013, inauguramos o Estaleiro Naval de
Itaguaí, onde o Brasil está construindo, em parceria entre a Marinha, a
Odebrecht e a empresa francesa DCNS, quatro submarinos convencionais e
um a propulsão nuclear. Trata-se do maior projeto de capacitação
industrial e tecnológica da história da indústria de defesa brasileira.
“O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (ProSub) garante a
transferência de tecnologia e a nacionalização de processos produtivos, o
que coincide com a essência da nossa estratégia nacional de defesa”,
conforme frisou a presidenta Dilma Rousseff em sua entrevista coletiva
com o presidente Hollande.
O ano também foi marcado pelo bem-sucedido voo de teste, dois meses
antes do prazo previsto, do primeiro helicóptero Super-Cougar (EC725)
totalmente produzido na fábrica da Helibras, em Itajubá, no âmbito do
programa H-XBR. Em torno da Helibras, com transferência de tecnologia da
Airbus-Eurocopter, consolida-se o segundo polo aeronáutico do Brasil,
além do de São José dos Campos.
No encontro mais recente entre os dois presidentes, foram lançados
novos programas conjuntos. Entre os dez atos assinados no Palácio do
Planalto, destacam-se os acordos nos campos de supercomputação, espaço,
energia nuclear, indústria naval e formação de pessoal.
O programa que gera perspectivas mais positivas para a capacitação
tecnológica brasileira talvez seja o de área de computação de alto
desempenho. Prevê-se parceria entre o Laboratório Nacional de Computação
Científica (LNCC), a Coppe e a empresa francesa Bull para a montagem e
operação de um supercomputador e de dois centros de pesquisa,
transferindo para o Brasil tecnologia hoje restrita a um punhado de
países. Universidades, empresas nacionais e centros de pesquisa terão
acesso direto a essa capacidade, logrando rodar programas e simulações
antes inacessíveis.
A
empresa brasileira Visiona, empreendimento conjunto da Embraer e da
Telebras, assinou contrato com a empresa francesa Thales, para o
fornecimento do primeiro satélite geoestacionário de defesa e
comunicação (SGDC) do Brasil, de uso civil e militar. Com isso, o Brasil
garante a segurança das suas comunicações estratégicas, antes
terceirizadas para satélites operados por grupo estrangeiro. É apenas o
primeiro passo para a instalação no Brasil, em parceria com a França, da
capacidade de construir satélites de telecomunicações os mais
sofisticados, e para novos projetos na indústria espacial.
A Eletrobrás também celebrou com a empresa francesa Areva, sucessora
da alemã Siemens no domínio da energia nuclear, contrato para o término
da Usina de Angra III, de 1,25 megawatts.
A Odebrecht e a DCNS assinaram memorando para instalar no Brasil uma
empresa estratégica de defesa, com controle brasileiro, para construir e
reparar navios de superfície, aprofundando a parceria naval iniciada
com o ProSub.
O aprofundamento da cooperação do Ministério da Educação com seus
contrapartes franceses, no âmbito dos programas Ciência sem Fronteiras,
Licenciatura sem Fronteiras e Francês sem Fronteiras, garante que a
França continuará a ser o principal parceiro do Brasil na formação de
engenheiros, cientistas, matemáticos e, mais recentemente, professores
do ensino médio e profissional.
Já há mais de 500 empresas francesas estabelecidas no Brasil,
inclusive as construtoras de automóveis PSA e Renault (que está
inaugurando nova fábrica em Resende); a Total e a Technip, parceiras da
Petrobrás no desenvolvimento das reservas do pré-sal; e o gigante da
distribuição Casino, que depois da aquisição do Grupo Pão de Açúcar se
tornou o maior empregador do Brasil. Para que novas empresas
brasileiras, sobretudo pequenas e médias, tenham a oportunidade de
negociar novas parcerias com suas contrapartes francesas, lançamos o
Fórum Econômico Brasil-França.
A conjugação do dinamismo do Brasil com a tecnologia da França
beneficia os dois países e acelera o desenvolvimento brasileiro. O
objetivo brasileiro não é meramente comprar, mas aperfeiçoar a
capacidade de construir e inovar. O objetivo francês não é meramente
vender, mas celebrar parcerias que aumentem a escala de sua indústria e
permitam que ela se mantenha na vanguarda mundial. No século 21, o
Brasil está superando o atraso acumulado das nossas indústrias e
instituições de pesquisa, dando verdadeiros saltos tecnológicos. Entre
os países que estão na vanguarda científica, é com a França que mantemos
a parceria mais diversificada e mais profunda.
É normal que a França, justamente orgulhosa do seu “savoir-faire”,
fique decepcionada com o resultado do FX2, que optou não pelo avião mais
sofisticado, mas pelo mais adequado de acordo com os parâmetros
decididos pelo governo brasileiro. Para que tenhamos uma ideia de como
os franceses se sentem, podemos lembrar como nós, brasileiros, nos
sentimos na final da Copa de 1998. Assim como o Brasil não ganha todas
as Copas, a França não ganha todas as concorrências internacionais.
Mas outras competições virão, e a amizade tradicional e a
complementaridade natural entre Brasil e França trarão novas conquistas
para os dois países.
FONTE: O Estado de São Paulo