O jornalista Breno Altman escreveu para o Portal Brasil 247 uma excelente análise sobre a direita e sua exacerbação dos extremistas que hoje vivem dos arreganhos da falsa democracia para ameaçar o futuro do País.
É texto imperdível para quem quer conhecer o Brasil e seus brasís...
Quem é a direita brasileira?
Por Breno Altman, especial para o 247
O sr. Reinaldo Azevedo, a quem
injustamente referiu-se a ombudsman da Folha de S. Paulo como rottweiler
do conservadorismo, continua a desmentir sua colega de redação.
Qualquer comparação com uma raça canina tão forte e cheia de
personalidade é realmente despropositada. Se o nobre animal lesse
jornal, provavelmente se sentiria insultado. O colunista, tanto pelas
posições que defende quanto por estilo, está mais para cachorrinho de
madame.
Deu-nos mais uma prova, no dia 6 de
dezembro, em artigo intitulado "Direita já!", de qual é o seu pedigree. A
ideia básica é que falta, no Brasil, uma força política que tenha
competitividade eleitoral e, abraçando claramente valores de direita,
faça oposição ao governo. Ou que acredite na hipótese de se tornar
dominante exatamente por defender esses valores. Ainda mais longe vai o
santarrão do conservadorismo: o PT provavelmente continuará a governar
porque não seria possível "candidatura de oposição sem valores de
oposição".
O que Azevedo esconde do leitor, por
ignorância ou má fé, são as razões pelas quais a direita brasileira
atua disfarçada. Esse campo ideológico, afinal, esteve historicamente
comprometido com a quebra da Constituição, o golpismo e a instituição de
ditaduras. Seus valores de raiz são o autoritarismo, o racismo de
índole escravocrata, o preconceito social, o falso moralismo e a
submissão às nações que mandam no mundo. Vamos combinar que não é fácil
conquistar apoios com essa carranca.
Não é de hoje que direitistas
recorrem a truques de maquiagem para não serem reconhecidos. A mais
comum dessas prestidigitações tem sido a de se enrolar em supostas
bandeiras democráticas para cometer malfeitos. Exemplo célebre é o golpe
militar de 1964, quando bateram nas portas dos quartéis e empurraram o
país para uma longa noite de terror, em nome da liberdade e da
democracia.
A ditadura dos generais foi o
desfecho idealizado pela "direita democrática", depois que se viu sem
chances de ganhar pelo voto e tomou o caminho da conspiração. O suicídio
de Getúlio Vargas sustou a intentona por dez anos, mas os ídolos de
Azevedo estavam à espreita para dar o bote. As provas são abundantes:
estão presentes não apenas nos discursos de personalidades da "direita
democrática" de antanho, mas também nas páginas dos jornalões da época,
que clamavam pela ruptura constitucional e a derrubada do presidente
João Goulart.
Algumas dissidências desse setor, a
bem da verdade, tentaram se reconciliar com o campo antiditadura, depois
de largados na estrada pelos generais ou frustrados com sua
truculência. A maioria dos azevedinhos daquele período histórico, no
entanto, seguiu de braços dados com a tortura e a repressão. Eram
ativistas ou simpatizantes do partido da morte. Batiam continência como
braço civil de um sistema talhado para defender os interesses das
grandes corporações, impedindo a organização dos trabalhadores e
massacrando os partidos de esquerda.
O ocaso do regime militar
trouxe-lhes isolamento e desgaste. A direita pró-golpe, mesmo
transmutada em partidos que juravam compromisso com a democracia
reestabelecida, não teve forças para forjar uma candidatura orgânica nas
eleições presidenciais de 1989. Acabaram apoiando Fernando Collor, um
aventureiro de viés bonapartista, para enfrentar o risco representado
por Lula ou Brizola. O resto da história é conhecido.
Depois deste novo fracasso, as
forças reacionárias ficaram desmoralizadas e sem chão. Trataram, em
desabalada carreira, de aderir a algum pastiche que lhes permitisse
sobrevida, afastando-se o quanto podiam da herança ditatorial que lhes
marcava a carne. Viram-se forçadas a buscar, entre as correntes de
trajetória democrática, uma costela a partir da qual pudessem se
reinventar. Encontraram no PSDB, capturado pela burguesia rentista, o
instrumento de sua modernização e o novo organizador do bloco
conservador.
A mágica acabou, porém, quando o PT
chegou ao Planalto, deslocando para a esquerda boa parte do eleitorado
que antes era seduzido pelo conservadorismo. Esse foi o resultado da
adoção de reformas que modificaram e universalizaram providências antes
circunscritas a tímidas medidas compensatórias, como parte de um projeto
que permitiu a ascensão econômico-social da maioria pobre do país. Tais
conquistas tingiram de cores fúnebres, na memória popular, o modelo
privatista e excludente sustentado pelo tucanato.
Enquanto a direita republicana
tratava desesperadamente de estabelecer vínculos entre o sucesso do
governo petista e eventuais políticas do período administrativo
anterior, evitando reivindicar seu próprio programa, outro setor deu-se
conta que, sem diferenciação clara de projetos, seria muito difícil
reconquistar maioria na sociedade e romper a dinâmica estabelecida pela
vitória de Lula em 2002.
Não haveria saída, contra o petismo,
sem promover a mobilização político-ideológica das camadas médias a
partir de seus ímpetos mais entranhadamente individualistas,
preconceituosos e antipopulares. Ao contrário de uma tática que
encurtasse espaços entre os dois polos que definem a disputa nacional, o
correto seria clarificar e radicalizar o confronto.
As legendas eleitorais do
conservadorismo titubeiam a fazer dessa fórmula seu modus operandi, mas
os meios tradicionais de comunicação passaram a estar infestados por
gente como Azevedo e outros profetas do passado. A matilha não tem votos
para bancar nas urnas uma alternativa à sua imagem e semelhança, é
verdade. Seria um erro, no entanto, subestimar-lhe a audiência e o papel
de vanguarda do atraso que atualmente exerce nas fileiras
oposicionistas.
Até porque conta com uma fragilidade
da própria estratégia petista, de melhorar a vida do povo através da
ampliação de direitos e do consumo, mas atenuando ao máximo o
enfrentamento de valores e o esforço para modificar as estruturas
político-ideológicas construídas pela oligarquia, especialmente os meios
massivos de comunicação. O PT logrou formar maioria eleitoral a partir
dos avanços concretos, mas não impulsionou qualquer iniciativa mais
ampla para estabelecer hegemonia cultural e ideológica.
Seria persistir neste equívoco não
dar o devido combate ao conteúdo programático do discurso azevedista.
Sob o rótulo de "direita democrática", o que respira é uma concepção
liberal-fascista, forjada na comunhão das ditaduras chilena e argentina
com a escola de Chicago e os seguidores do economista austríaco Ludwig
Von Mises.
O velho fascismo, que trazia para
dentro do Estado as operações dos conglomerados capitalistas,
tornando-os parasitas econômicos da centralização política, efetivamente
caducou como resposta aos próprios interesses grão-burgueses. Entre
outros motivos, porque retinha parte ponderável da taxa de lucro para o
financiamento do aparato governamental.
A combinação entre ultra-liberalismo
e autoritarismo converteu-se em um modelo mais palatável entre as
elites. O Estado assumia as tarefas de repressão e criminalização das
lutas sociais, na sua forma mais perversa e violenta, soltando as
amarras legais e sociais que regulavam o desenvolvimento dos negócios em
âmbito privado. Não eram à toa os laços afetuosos que uniam Margaret
Thatcher e Ronald Reagan ao fascista Pinochet. O neoconservadorismo se
trata, afinal, do liberal-fascismo sem musculatura ou necessidade de
realizar seu projeto histórico até o talo.
Claro que o ladrar de Azevedo e seus
parceiros não é capaz, nos dias que correm, de ameaçar a estrutura
democrática do país. Mas choca o ovo da serpente pelas ideias e valores
que representa. A melhor vacina para a defesa da democracia, contudo,
como dizem os gaúchos, é manter a canalha segura pelo gasganete. Os
latidos dos cachorrinhos de madame devem ser repelidos, antes que se
sintam à vontade para morder.
Breno Altman é jornalista, diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.