Matéria do "Observatório da Imprensa" põe a nu os critérios de reportagem da revista época, vale dizer, da revistinha dos Irmãos Marinho, aqueles das Organizações Globo:
LEITURAS DE ‘ÉPOCA’
A imprensa Black Bloc
Por Luciano Martins Costa
A revista Época que circula nesta
semana traz na capa a fotografia de uma mulher, de olhos verdes
amendoados, vestindo casaco preto de couro e usando um capuz também
preto na cabeça. É a versão fashion dos Black Blocs, numa
patética aventura jornalística que cobria de ridículo a publicação
semanal da editora Globo apenas algumas horas depois de chegar às
bancas.
“Exclusivo: Os Black Blocs sem máscara - Época
testemunhou o treinamento de ativistas que promovem protestos violentos
- e revela quem são, como se organizam e quem os financia” - diz a
manchete da revista.
A jovem, identificada como Daniela Ferraz,
de 31 anos, faz pose de vilã, com maquilagem cuidadosamente delineada
para destacar o olhar direto para a câmera. Na legenda, afirma-se que
ela é “conhecida como a Pantera dos Black Blocs”. Uma sucessão de
clichês como havia muito não se via numa peça da imprensa completa o
arremedo de reportagem.
Já no sábado (9/11), quando a revista
começou a circular, as páginas do grupo de ativistas no Facebook
desmascaravam a farsa. Leonardo Morelli, controverso dirigente de uma
ONG e apresentado como fonte principal da reportagem, é chamado por
ativistas de “fanfarrão, irresponsável e gozador”. “Chega a ser cômico”,
afirma outro comentário.
As circunstâncias do suposto treinamento
que foi testemunhado pelo repórter provocam reações hilárias. A pretensa
“musa” do movimento foi anunciada por militantes como futura “pin-up”
de revista masculina e candidata a uma vaga no reality show Big Brother Brasil.
Leonardo Morelli, apresentado pela revista
como líder dos Black Blocs e principal fonte da reportagem, é personagem
conhecido no mundo anarquista desde o fim dos anos 1980, quando foi
acusado de haver traído o coletivo de ativistas e infiltrado grupos
punks no movimento em Campinas. Citado na reportagem como coordenador da
ONG Defensoria Social, apresentava-se há dez anos como militante do
ambientalismo, no papel de dirigente da ONG Grito das Águas e
secretário-geral de uma entidade chamada Defensoria das Águas. A suposta
liderança dos Black Blocs é a mais recente de suas múltiplas
caracterizações.
Militantes de aluguel
Dani, a “Pantera dos Black Blocs”, surgiu do nada. Apresentada pela
revista como uma ex-presidiária de 31 anos, condenada por dois assaltos e
ainda em liberdade condicional, corre o risco de voltar para a cadeia
ainda nesta semana, porque a reportagem de Época afirma que ela “armou-se de paus e pedras para atacar agências bancárias”.
A cuidadosa produção fotográfica da moça, sob o vão livre do Museu de
Arte de São Paulo, arrancando a máscara negra com a mão direita,
completa a receita kitsch do trabalho jornalístico.
Qual seria o propósito da revista ao correr o risco de ser ridicularizada por tentar “desvendar” um mistério que não existe?
O coletivo chamado Black Bloc é a manifestação anárquica de variados
descontentamentos, muitos dos quais não têm relação com economia,
política ou cultura. Pesquisadores que acompanham as ações e discursos
de seus integrantes, tanto nas ruas como nas redes sociais, entendem que
se trata de uma típica manifestação da velha doença infantil do
libertarismo voluntarista, que pode se apresentar como radicalmente
esquerdista ou com tinturas do mais ranheta reacionarismo.
Ao especular sobre supostas fontes do movimento, a revista apenas
repete informações sobre financiadores da carreira de Leonardo Morelli,
que esteve ligado a entidades católicas, foi militante do Partido dos
Trabalhadores e aparece entre punks e anarco-sindicalistas. Aos 53 anos,
é apresentado como integrante do grupo que originou a Comissão Pastoral
Operária, que foi fundada entre 1970 e 1975, quando o personagem em
questão tinha entre 10 e 15 anos de idade.
O grupo observado pelo repórter de Época, num sítio abandonado
perto de São Paulo, enfileira reivindicações dignas daquele samba
famoso: ergue bandeiras ambientais, denuncia os lixões e a contaminação
de áreas da periferia, defende a desmilitarização das polícias, a
liberação de biografias não autorizadas, o controle social das pesquisas
científicas, combate o Marco Civil da Internet e exige as renúncias dos
governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do Rio, Sérgio Cabral.
A libertação dos anões de jardim ainda não entrou na pauta.
Enquanto isso, o Globo denunciava, no domingo (10/11) e na
segunda-feira (11), a infiltração de militantes pagos pelo PR, partido
do deputado Anthony Garotinho, em manifestações do Rio.
Os Black Blocs são uma parte dessa complexidade que sai às ruas. Apenas a mais ruidosa. A reportagem de Época é uma ação típica dos Black Bocs: equivale a depredar o jornalismo.