Do Blog "Cidadania" do Eduardo Guimarães, na íntegra:
Preto, pobre, prostituta e petista
“Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações”
Vai Passar (Chico Buarque)
O Brasil amanheceu pior do que ontem. A partir de agora, torna-se
oficial o que, até então, era uma tenebrosa possibilidade: cidadãos
brasileiros estão sendo privados de suas liberdades individuais apenas
pelas ideologias político-partidárias que acalentam.
A “pátria mãe tão distraída” foi “subtraída em tenebrosas transações”
entre grupos políticos partidários e de comunicação e juízes
politiqueiros.
Na foto que ilustra este texto, o leitor pode conferir o único
patrimônio de um político que foi condenado pelos crimes de “corrupção
ativa e formação de quadrilha” pelo Supremo Tribunal Federal em 9 de
outubro de 2012.
Junto com ele, outros políticos ou militantes políticos filiados ao
Partido dos Trabalhadores, todos com evoluções patrimoniais modestas
diante dos cargos que ocupavam na política.
José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato
tiveram suas prisões decretadas com base em condenações por uma Corte na
qual, ao longo de sua existência secular, jamais políticos de tal
importância foram condenados.
A condenação desses quatro homens, todos de relevância
político-partidária, poderia até ser comemorada. Finalmente, políticos
começariam a responder por seus atos. Afinal, até aqui o STF sempre foi
visto como a principal rota de fuga dos políticos corruptos.
Infelizmente, a única condenação a pena de prisão que aquela Corte
promulgou contra um grupo político foi construída em cima de uma farsa
gigantesca, denunciada até por adversários políticos dos condenados,
como, por exemplo, o jurista Ives Gandra Martins, que, apesar de suas
divergências com o PT, reconheceu que não houve provas para condenar
José Dirceu, ou como o formulador da teoria usada para condenar os réus
do mensalão, o alemão Claus Roxin, que condenou o uso que o STF fez de
sua revisão da teoria do Domínio do Fato.
Dirceu e Genoino foram condenados por “formação de quadrilha” e
“corrupção ativa” apesar de o primeiro ter estado infinitamente mais
distante dos fatos que geraram o “escândalo do mensalão” do que estão
Geraldo Alckmin e José Serra dos escândalos Alston e Siemens, por
exemplo.
Acusaram e condenaram Dirceu apesar de, à época dos fatos do
mensalão, estar distante do Partido dos Trabalhadores, por então
integrar o governo Lula. Foi condenado simplesmente porque “teria que
saber” dos fatos delituosos por sua importância no PT.
Por que Dirceu “tinha que saber” das irregularidades enquanto que
Alckmin e Serra não são nem citados pelo Ministério Público, pela
Justiça e pela mídia como tendo responsabilidade direta sobre os
governos nos quais os escândalos supracitados ocorreram?
O caso Genoino é mais grave. Sua vida absolutamente espartana, seu
microscópico patrimônio, sua trajetória ilibada, nada disso pesou ao ser
julgado e condenado como um “corruptor” que teria usado milhões de
reais para “comprar” parlamentares.
O caso João Paulo Cunha é igualmente ridículo, em termos de sua
condenação. Sua mulher foi ao banco sacar, em nome próprio, com seu
próprio CPF, repasse do partido dele para pagar por uma pesquisa
eleitoral. 50 mil reais o condenaram por “corrupção passiva, peculato e
lavagem de dinheiro”.
O caso mais doloroso de todos, porém, talvez seja o de Henrique
Pizzolato, funcionário do Banco do Brasil, filiado ao PT e que, por ter
assinado um documento que dezenas de servidores da mesma instituição
também assinaram sem que contra eles pesasse qualquer consequência, foi
condenado, também, por “corrupção passiva, peculato e lavagem de
dinheiro”.
Isso está acontecendo em um país em que se sabe que dois governadores
do PSDB de São Paulo, apesar de ter ocorrido em suas administrações uma
roubalheira de BILHÕES DE REAIS, não são considerados responsáveis por
nada.
Isso está acontecendo em um país em que um político como Paulo Maluf,
cujas provas de corrupção se avolumam há décadas, jamais foi condenado à
prisão.
Isso está acontecendo em um país em que um governador como Marconi
Perillo, do PSDB, envolveu-se até o pescoço com um criminoso do porte de
Carlinhos Cachoeira, foi gravado em relações promíscuas com esse
criminoso e nem acusado foi pelo Ministério Público.
Isso está acontecendo, finalmente, no mesmo país em que os
ex-prefeitos José Serra e Gilberto Kassab toleraram durante anos
roubalheira dentro da prefeitura e quando essa roubalheira de MEIO
BILHÃO de reais vem à tona, a mídia e o Ministério Público acusam quem
mesmo? O PT, claro.
Já entrou para o imaginário popular, portanto, que, neste país,
cadeia é só para pretos, pobres, prostitutas e, a partir de agora,
petistas.
No Brasil, as pessoas são condenadas com dureza pela “justiça” se
tiverem mais melanina na pele, parcos recursos econômicos, se venderem o
que só pertence a si (o próprio corpo) para sobreviver ou se tiveram
convicções políticas que a elite brasileira não aceita.
A condenação de alguém a perder a liberdade por suas convicções
políticas, porém, é mais grave. É característica das ditaduras, pois a
desigualdade da Justiça com os outros três pês deriva de falta de
recursos para se defender, não de retaliação a um ideário.
Agora, pois, é oficial: você vive em um país em que se deve ter medo
de professar e exercer suas verdadeiras convicções políticas, pois
sabe-se que elas expõem a retaliações ditatoriais como as que levarão
para cadeia homens cuja culpa jamais foi provada.
*
Abaixo, charge do cartunista Vitor feita especialmente para este post