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sábado, 16 de novembro de 2013

A foto do fato...

A hora da foto

 Paulo Moreira Leite

 Pouco a pouco, se aproxima o dia em que Dirceu, Genoíno e os outros serão fotografados a caminho da prisão. Será que uma imagem vale por 1000 palavras?


 
            Pouco a pouco, o julgamento da ação penal 470 vai chegando a sua hora mais espetacular – aquela de tirar as fotos de José Dirceu, José Genoíno, Delubio Soaras e outros mais na porta da prisão.
          Aprovado pelo placar de 11 votos a 0, o pedido de prisão teve uma característica muito particular. Não se limitava aos réus de culpa consolidada e sedimentada, que, formalmente, já haviam perdido direito legal a apresentar novos recursos.  O pedido foi além.
          Fatiou as penas e incluiu aqueles  condenados que têm direito assegurado aos embargos infringentes, o que dá à medida um componente político óbvio porque apenas com essa inclusão se garantiu a prisão imediata José Dirceu, José Genoíno, Delubio Soares e outros mais.  Ou seja: sem a ampliação, não haveria a foto.
          Sei que esse fatiamento não é uma medida original. O professor de Direito Penal Claudio Lagroiva Pereira, da PUC de São Paulo, lembra que é uma situação que ocorre vez ou outra, em instancias inferiores da Justiça. Em qualquer caso, não é uma medida automática. Cabe a cada juiz decidir se aplica ou não essa regra. No caso dos  condenados do PT, ela foi aplicada.
         Deve ser coincidência, concorda?
         Também são juízes do Superior Tribunal de Justiça que decidiram que as penas de cinco diretores do Banco Nacional, condenados a sentenças entre 8 e 17 anos de prisão, ainda não transitaram em julgado.
       O banco sofreu intervenção em 1995 depois de aplicar um golpe de 5 bilhões (700 vezes aquilo que se diz que o mensalão desviou).
       A condenação  completou dez anos e até hoje o STF considera que não transitou em julgado.
       Não custa lembrar. O fundador do Banco Nacional foi um dos líderes do golpe de 64. Uma das sócias do banco foi nora de Fernando Henrique Cardoso. Deve ser outra coincidência.
      O caso tem 18 anos, na prática. Se tivessem os mesmos direitos, os réus da ação penal 470 teriam direito a ficar em liberdade pelo menos até 2023. Bacana, né?
       
       
      Não custa lembrar que a proposta de prisão imediata dos condenados não estava na pauta do julgamento e foi colocada de surpresa por Joaquim Barbosa.    
        Atos de surpresa não são benvindos na Justiça mas, por 9 a 2,  os ministros recusaram o pedido de abrir a palavra aos advogados de defesa, o que seria bastante razoável do ponto de vista dos direitos dos réus. Ricardo Lewandovski sugeriu um prazo de cinco dias para uma discussão melhor sobre o assunto. Foi apoiado por Marco Aurélio Mello e só. A pressa pagou seu preço inclusive no plano técnico. Como se viu depois do julgamento, o STF tinha necessidade de vários dias para recalcular as penas e examinar a situação de cada réu.  

        Em vez do debate, do contraditório, que é a essência da Justiça, ainda mais quando envolve a privação de liberdade de uma pessoa, o que temos é um show, coerente com o princípio enganoso de que uma imagem vale por 1 000 palavras.      
       Muita gente, até hoje, associa o mensalão a uma imagem, daquele diretor dos Correios que aceitou uma propina de 3 000 reais.  Seria a primeira “prova.” Esqueceram das palavras: tratava-se de um flagrante forjado por amigos do bicheiro Carlinhos Cachoeira, interessados num acerto de contas entre fornecedores da estatal. O assunto não tinha a ver com o PT nem com José Dirceu.
       O caso ficou fora da ação penal 470 e, por uma coincidência negativa – não prejudica quem se gostaria de prejudicar -- ninguém sabe quando será julgado.
       Muitas pessoas lembram de Roberto Jefferson prestando depoimento no Congresso, com sua voz de barítono e oratória perfeita. Outras palavras: depondo à Justiça, ele disse que o mensalão era “criação mental.”
       
    Em função dos mandados de prisão, já podemos ouvir vozes falando na recuperação da imagem do país. O próprio Joaquim disse”
   
      “Quando as instituições se degradam, o País se degrada”.
       Vamos prestar atenção. Ainda que se recorde que os protestos de junho enviaram uma mensagem de descontentamento bruto,  não é razoável perder a medida das coisas.
       É certo que há problemas em toda parte, inclusive na Justiça e  Supremo. A condução do julgamento do mensalão está longe de ser uma unanimidade entre juristas. Mestre insuspeito de simpatias petistas, Ives Gandra Martins sustenta que os réus da ação penal 470 foram ofendidos em seu amplo direito de defesa.  É escandaloso que o próprio STF que decidiu desmembrar o mensalão PSDB-MG tenha negado os mesmos direitos ao réus da ação penal 470. Com isso eles teriam mais direitos, a começar por um segundo grau de jurisdição.

        O cirquinho talvez não fosse tão animado – quantas reportagens você já leu sobre o julgamento em Belo Horizonte? -- a hora de tirar a foto poderia demorar um pouco mais. Mas ninguém teria tantas dúvidas sobre aquela noção de que todos são mesmo iguais perante a lei, não é mesmo? Também seria possível debater com mais profundidade acusações que foram tão mal demonstradas que só era possível sustentar a denuncia com base numa teoria exótica para o caso, do domínio do fato.

       Escândalo internacional, o propinoduto do PSDB-SP bateu um recorde de engavetamentos. Ninguém sabe mais quantos inquéritos foram abertos e arquivados. Nenhum dos oito pedidos de informações da Justiça suíça foi atendido. O caso estava a caminho do esquecimento até que uma serie de reportagens corajosas de Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sergio Parcellas, na Istoé, mostrou os fatos em toda sua dimensão.
       

     Cabe observar algumas questões, contudo. Do ponto de vista político, o  Brasil atravessa o mais longo período democrático de sua história. As sucessões presidenciais se processam sem atropelos desde 1989, e a campanha de 2014 está aí, com 3 candidatos – ou melhor, 3 ½ -- em pleno fôlego. Na economia, o país não precisa se submeter ao FMI, como acontecia antes.  A vida dos pobres melhorou, os negros nunca tiveram tantas oportunidades.  Depois de passar uma década dizendo que o Bolsa Família era demagogia eleitoreira, a oposição agora quer cobrar direitos autorais.
              É por isso que eu acho que nossos sociólogo e profetas da crise deveriam ser mais atentos ao fatos. O país não está a caminho do precipício e, como se percebe pela presença de três herdeiros de Luiz Inácio Lula da Silva em campanha, o copo está mais cheio do que vazio. Quem não percebe isso está confundindo a realidade com seus desejos, e só pode querer abrir caminho para salvadores da pátria.
          
Apenas crises artificiais se resolvem com medidas artificiais – como uma foto. 
        
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Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".