Paulo Moreira Leite
Pouco a pouco, se aproxima o dia em que Dirceu, Genoíno e os outros serão fotografados a caminho da prisão. Será que uma imagem vale por 1000 palavras?
Pouco a
pouco, o julgamento da ação penal 470 vai chegando a sua hora mais
espetacular – aquela de tirar as fotos de José Dirceu, José Genoíno,
Delubio Soaras e outros mais na porta da prisão.
Aprovado pelo placar
de 11 votos a 0, o pedido de prisão teve uma característica muito
particular. Não se limitava aos réus de culpa consolidada e sedimentada,
que, formalmente, já haviam perdido direito legal a apresentar novos
recursos. O pedido foi além.
Fatiou as penas e
incluiu aqueles condenados que têm direito assegurado aos embargos
infringentes, o que dá à medida um componente político óbvio porque
apenas com essa inclusão se garantiu a prisão imediata José Dirceu, José
Genoíno, Delubio Soares e outros mais. Ou seja: sem a ampliação, não
haveria a foto.
Sei que esse
fatiamento não é uma medida original. O professor de Direito Penal
Claudio Lagroiva Pereira, da PUC de São Paulo, lembra que é uma situação
que ocorre vez ou outra, em instancias inferiores da Justiça. Em
qualquer caso, não é uma medida automática. Cabe a cada juiz decidir se
aplica ou não essa regra. No caso dos condenados do PT, ela foi
aplicada.
Deve ser coincidência, concorda?
Também são juízes do
Superior Tribunal de Justiça que decidiram que as penas de cinco
diretores do Banco Nacional, condenados a sentenças entre 8 e 17 anos de
prisão, ainda não transitaram em julgado.
O banco sofreu
intervenção em 1995 depois de aplicar um golpe de 5 bilhões (700 vezes
aquilo que se diz que o mensalão desviou).
A condenação completou dez anos e até hoje o STF considera que não transitou em julgado.
Não custa lembrar. O
fundador do Banco Nacional foi um dos líderes do golpe de 64. Uma das
sócias do banco foi nora de Fernando Henrique Cardoso. Deve ser outra
coincidência.
O caso tem 18 anos, na
prática. Se tivessem os mesmos direitos, os réus da ação penal 470
teriam direito a ficar em liberdade pelo menos até 2023. Bacana, né?
Não custa lembrar que a
proposta de prisão imediata dos condenados não estava na pauta do
julgamento e foi colocada de surpresa por Joaquim Barbosa.
Atos de surpresa não
são benvindos na Justiça mas, por 9 a 2, os ministros recusaram o
pedido de abrir a palavra aos advogados de defesa, o que seria bastante
razoável do ponto de vista dos direitos dos réus. Ricardo Lewandovski
sugeriu um prazo de cinco dias para uma discussão melhor sobre o
assunto. Foi apoiado por Marco Aurélio Mello e só. A pressa pagou seu
preço inclusive no plano técnico. Como se viu depois do julgamento, o
STF tinha necessidade de vários dias para recalcular as penas e examinar
a situação de cada réu.
Em vez do debate, do
contraditório, que é a essência da Justiça, ainda mais quando envolve a
privação de liberdade de uma pessoa, o que temos é um show, coerente com
o princípio enganoso de que uma imagem vale por 1 000 palavras.
Muita gente, até hoje,
associa o mensalão a uma imagem, daquele diretor dos Correios que
aceitou uma propina de 3 000 reais. Seria a primeira “prova.”
Esqueceram das palavras: tratava-se de um flagrante forjado por amigos
do bicheiro Carlinhos Cachoeira, interessados num acerto de contas entre
fornecedores da estatal. O assunto não tinha a ver com o PT nem com
José Dirceu.
O caso ficou fora da
ação penal 470 e, por uma coincidência negativa – não prejudica quem se
gostaria de prejudicar -- ninguém sabe quando será julgado.
Muitas pessoas lembram
de Roberto Jefferson prestando depoimento no Congresso, com sua voz de
barítono e oratória perfeita. Outras palavras: depondo à Justiça, ele
disse que o mensalão era “criação mental.”
Em função dos mandados de prisão, já podemos ouvir vozes falando na recuperação da imagem do país. O próprio Joaquim disse”
“Quando as instituições se degradam, o País se degrada”.
Vamos prestar atenção.
Ainda que se recorde que os protestos de junho enviaram uma mensagem de
descontentamento bruto, não é razoável perder a medida das coisas.
É certo que há problemas
em toda parte, inclusive na Justiça e Supremo. A condução do
julgamento do mensalão está longe de ser uma unanimidade entre juristas.
Mestre insuspeito de simpatias petistas, Ives Gandra Martins sustenta
que os réus da ação penal 470 foram ofendidos em seu amplo direito de
defesa. É escandaloso que o próprio STF que decidiu desmembrar o
mensalão PSDB-MG tenha negado os mesmos direitos ao réus da ação penal
470. Com isso eles teriam mais direitos, a começar por um segundo grau
de jurisdição.
O cirquinho talvez não
fosse tão animado – quantas reportagens você já leu sobre o julgamento
em Belo Horizonte? -- a hora de tirar a foto poderia demorar um pouco
mais. Mas ninguém teria tantas dúvidas sobre aquela noção de que todos
são mesmo iguais perante a lei, não é mesmo? Também seria possível
debater com mais profundidade acusações que foram tão mal demonstradas
que só era possível sustentar a denuncia com base numa teoria exótica
para o caso, do domínio do fato.
Escândalo internacional,
o propinoduto do PSDB-SP bateu um recorde de engavetamentos. Ninguém
sabe mais quantos inquéritos foram abertos e arquivados. Nenhum dos oito
pedidos de informações da Justiça suíça foi atendido. O caso estava a
caminho do esquecimento até que uma serie de reportagens corajosas de
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sergio Parcellas, na Istoé,
mostrou os fatos em toda sua dimensão.
Cabe observar algumas questões,
contudo. Do ponto de vista político, o Brasil atravessa o mais longo
período democrático de sua história. As sucessões presidenciais se
processam sem atropelos desde 1989, e a campanha de 2014 está aí, com 3
candidatos – ou melhor, 3 ½ -- em pleno fôlego. Na economia, o país não
precisa se submeter ao FMI, como acontecia antes. A vida dos pobres
melhorou, os negros nunca tiveram tantas oportunidades. Depois de
passar uma década dizendo que o Bolsa Família era demagogia eleitoreira,
a oposição agora quer cobrar direitos autorais.
É por isso que eu
acho que nossos sociólogo e profetas da crise deveriam ser mais atentos
ao fatos. O país não está a caminho do precipício e, como se percebe
pela presença de três herdeiros de Luiz Inácio Lula da Silva em
campanha, o copo está mais cheio do que vazio. Quem não percebe isso
está confundindo a realidade com seus desejos, e só pode querer abrir
caminho para salvadores da pátria.
Apenas crises artificiais se resolvem com medidas artificiais – como uma foto.
***
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".