Fernando Henrique Cardoso, o ex-quase-futuro Barão do Higienópolis, apelidado nas suas rodas "o procriador de filho alheio" e outros quetais bem mais pesados, não perde oportunidade de aptentear de público sua senilidade que beira quase a demência senil, tamanhas as sandices que saem de sua boca que já chegou, num lapso de lucidez, a pedir que esquecessem o que ele disse.
Sobre essa falso julgamento do inexistente mensalão, o boquirroto da Academia mereceu crítica contundente de Paulo Moreira Leite em seu blog na revista IstoÉ:
FHC perdeu chance de ficar quieto
Nem por oportunismo rasteiro Fernando Henrique Cardoso deveria juntar-se ao coral que aplaude as prisões dos condenados da ação penal 470
Paulo Moreira Leite
Em pronunciamento, o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso empregou termos duros. Referindo-se às
denuncias dos prisioneiros do mensalão e seus advogados, que têm
críticas consistentes ao julgamento, como tantos juristas admitem,
chegou a dizer: “Temos de dar um basta nisso. Chega de desfaçatez.”
“Desfaçatez?”
“ Basta?”
O retrospecto do PSDB e de seu governo não autorizam um discurso nestes termos.
FHC só manteve-se no Planalto por oito anos depois de conquistar o
direito de disputar a reeleição, num esquema de compra de votos em que
se demonstrou aquilo que apenas se disse sobre o mensalão de Delúbio e
Valério.
O repórter Fernando Rodrigues publicou, já naquela época, o
depoimento de um certo senhor X, que organizou os pagamentos de
parlamentares. Trouxe o depoimento, gravado, de um parlamentar que
assumia ter embolsado o dinheiro. No livro Príncipe da Privataria,
Palmério Doria completou o serviço. Entrevistou o próprio senhor X,
revelou sua identidade verdadeira e explicou que ele comprou 150
parlamentares.
Outro dia, conversei com um deputado do PP que assistiu ao mercado
da reeleição e me disse o seguinte: “O pessoal votava a favor e na saída
do plenário já tinha gente esperando para acertar o pagamento em
dinheiro junto a doleiros. Não tinha erro.”
FHC falou em tom crítico sobre adversários políticos que se
tornaram prisioneiros, enfrentando medidas duras e espetaculares de
Joaquim Barbosa que receberam críticas até de outros ministros do STF. A
verdade é que muitos prisioneiros da ação penal 470 foram mais próximos
de seu governo do que se imagina.
Marcos Valério começou a se aproximar das verbas do Visanet a
partir dos diretores que o PSDB instalou no Banco do Brasil durante o
governo de Fernando Henrique. Foram eles, no segundo mandato de FHC,
que assinaram os primeiros contratos com a agência DNA, que seriam
apenas renovados depois da posse de Lula.
O diretor responsável pelos pagamentos à DNA – aqueles que Joaquim
Barbosa diz que foram desviados para subornar políticos – era um homem
de confiança do governo Fernando Henrique, um diretor chamado Leo
Batista.
Ele tinha esse papel no governo FHC. Seguiu na função depois de
2003. Se alguém foi tão decisivo para o esquema, seu nome não é Henrique
Pizzolato, hoje foragido na Itália, mas Leo Batista. Estava acima de
Pizzolato e tinha a prerrogativa de assinar os cheques.
FHC fez elogios às prisões ao lado de estrelas graúdas do PSDB. Uma
delas era Geraldo Alckmin, cujo governo afunda-se em três gerações de
governadores denunciados no propinoduto Alston-Siemens. Outro era o
presidenciável Aécio Neves. Conforme a CPMI dos Correios, durante seu
governo estatais mineiras fizeram dezenas de milhões de reais em
depósitos nas contas da DNA. Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sócios de
Valério na agência, eram publicitários de reputação firmada no Estado.
As relações de Cristiano Paz com Aécio se assemelham às relações de
Nizan Guanaes com Fernando Henrique. Hollerbach integrou a coordenação
da campanha de Aécio em 2002.
Um ditado popular ensina que não se deve falar de corda em casa de
enforcado, mas o retrospecto mostra que há fundamento para FHC portar-se
como se nada tivesse a ver com estes fatos e pessoas. Em 1997, o
procurador Geraldo Brindeiro encarregou-se de enterrar a denúncia da
compra de votos e a maioria tucana impediu que se fizesse uma CPI.
Embora um homem de confiança do PSDB tenha sido o responsável final
pelos pagamentos para a agência de publicidade do mensalão, nenhum deles
foi investigado na ação penal 470. Por uma questão de hierarquia,
deveria ter sido mais investigado do que Pizzolato. Pela proximidade,
era um caso típico de coautoria. Sua investigação ocorreu em segredo,
num inquérito paralelo, cuja existência só veio a público durante o
próprio julgamento.
O propinoduto paulista foi investigado até na Suíça, mas é alvo
permanente de um esforço para arquivar qualquer indicio e toda denúncia
que possa envolver os tucanos e seus amigos. O procurador Rodrigo de
Grandis recebeu oito solicitações do Ministério da Justiça para prestar
esclarecimentos e não atendeu a nenhuma. O mensalão PSDB-MG está sendo
investigado na primeira instância, em Belo Horizonte, com vagarosidade
espantosa e metodologia diversa. Enquanto os réus da ação penal 470 não
tiveram direito ao duplo grau de jurisdição, o STF autorizou que os
mineiros tivessem um julgamento na primeira instância e, mais tarde, um
segundo julgamento. Entre os petistas, viveu um clima de guerra civil
para um pequeno grupo de condenados conseguir, após diversos lances de
chantagem dos meios de comunicação contra Celso de Mello, o direito de
apresentar embargos infringentes sobre uma das penas recebidas.
Como parece difícil de negar, a principal diferença entre escândalos tucanos e ação penal 470 é a blindagem.
Esse acesso assegurado à impunidade – 100% garantida até aqui na
maioria dos casos – mostra que o PSDB não apenas dedicou-se às mesmas
práticas que condena nos adversários, como tantos indícios confirmam,
mas construiu um impenetrável muro de proteção sobre seus atos, situação
que apenas eleva a gravidade do atos que cometeu.
Vamos combinar que não é um motivo honroso para FHC falar contra a “ desfaçatez” dos adversários.
Derrotado por Jânio Quadros na disputa pela prefeitura em 1985,
quase ministro de Fernando Collor em 1990, Fernando Henrique pode sentir
de perto os efeitos nocivos do nosso moralismo. Tem experiência demais
para dedicar-se a ele.
***
Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".