Este texto é boa lição de jornalismo e política do sempre atual mestre Alberto Dines:
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ELEIÇÕES, ESTACA ZERO
Vem aí novo surto de ‘pesquisite’
Por Alberto Dines
“Jogada de mestre”, “bravura política”, “homenagem à coerência”,
“desespero” – qualquer que seja a avaliação sobre a decisão da
ex-ministra Marina Silva de filiar-se ao PSB e concorrer às próximas
presidenciais sem o seu sonhado partido, torna-se inevitável o
aparecimento de um novo surto de pesquisite, o venerando culto
das pesquisas e sondagens de opinião para apontar quem será o cabeça de
chapa, Marina ou o pré-candidato e presidente da agremiação, Eduardo
Campos.
Como os dois parceiros não trataram disso nas negociações do fim de
semana passada – ou pelo menos não revelaram os seus detalhes –, de
agora até meados de 2014 seremos bombardeados por sondagens acompanhando
semanalmente o desempenho de cada um dos parceiros. Se Marina continua
como segunda colocada na disputa com a presidente Dilma Rousseff e
Eduardo Campos fica abaixo dela (hoje está na quarta posição) será
inevitável uma reversão: Marina candidata e Campos, seu vice.
Com isso, muda tudo e as chances de uma pré-temporada de debates
doutrinários tornam-se mínimas. Em seu lugar teremos na imprensa uma
enxurrada de confrontos numerológicos, exercícios estatísticos e
elucubrações adivinhatórias. Como o custo desse tipo de exercício
especulativo é relativamente baixo, devemos contar com a proliferação do
tal “jornalismo de precisão”.
Fato novo
No país do futebol, a corrida pelos placares tem mais apelo do que uma
demorada investigação sobre os cartórios eleitorais. É na máquina
burocrática que se esvazia o Estado de Direito, foi lá que as fichas de
adeptos da Rede Sustentabilidade foram barradas.
A súbita remexida no tabuleiro eleitoral – justamente uma das
aspirações subjacentes nos protestos de junho – poderia ser uma
oportunidade para devassar as brechas onde a nossa democracia torna-se
ficção e os direitos dos cidadãos, peça de retórica. Ao que tudo indica,
está adiada.
Sintoma deste desapreço pelo jornalismo de substância pode ser
observado a partir do domingo (6/10), quando os jornais anunciaram a
decisão de Marina Silva de juntar-se à legenda de Eduardo Campos, o
Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Em plena era da histeria política, quando o presidente Barack Obama
chega a ser apontado como a nova face do marxismo, a palavra socialismo
parece xingamento. No entanto, a Europa moderna, sem guerras e até há
pouco tempo próspera e estável, é fruto da socialdemocracia, irmã-gêmea
do socialismo democrático.
É fascinante a história desse partido nanico, contraditório e rebelde,
chamado de PSB. Desconhecê-la é imaginar que a história do Brasil começa
agora, o resto não conta.
A primeira versão do PSB surgiu em 1932, fez parte da Aliança Nacional
Libertadora que tentava enfrentar a onda fascista que varria o país. Foi
extinto em 1937, com a promulgação do Estado Novo.
A segunda edição coincide com a democratização de 1945, sob o nome de
Esquerda Democrática. Mais do que designação, uma proposta doutrinária.
Reserva moral e política inspirada nos fabianos ingleses,
socialistas-reformistas que acabaram absorvidos pelo Partido
Trabalhista.
A Esquerda Democrática era, na verdade, a ala esquerdista da
conservadora União Democrática Nacional (UDN). Recusava os acenos do
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ferrenha adversária de Getúlio
Vargas, o pai do Estado Novo fascista. Tal como os fabianos ingleses era
o partido dos intelectuais (entre eles Rubem Braga, Joel Silveira,
Sergio Buarque de Hollanda, Antonio Cândido, José Lins do Rego, Raimundo
Magalhães Jr; na Inglaterra, suas figuras emblemáticas foram G.B. Shaw e
H.G. Wells).
Depois de sua criação como partido autônomo (1948), o PSB chegou a
abrigar uma ala trotskista (capitaneada por Edmundo Muniz e Mario
Pedrosa, virulentamente anti-stalinistas). No entanto o partido defendeu
o PCB quando o governo Dutra começou as manobras para colocá-lo na
ilegalidade. Os seus expoentes foram Hermes Lima e João Mangabeira,
ambos com destacada atuação no breve interregno parlamentarista no
mandato de João Goulart.
Em 1953 o PSB produziu um fato novo na política brasileira quando o
desconhecido Jânio Quadros foi eleito prefeito de São Paulo pela
coligação de duas pequenas agremiações (PTN e PSB) e derrotando todos os
grandes partidos (UDN, PSD, PTB e PSP). A tabelinha repetiu a façanha
em 1954 levando o mesmo Jânio ao governo de São Paulo.
Outro retrocesso
A terceira edição do PSB é fruto da redemocratização de 1985. Um
intelectual de alto quilate, Antonio Houaiss, foi um de seus
articuladores. O pernambucano Jarbas Vasconcelos, hoje senador pelo
PMDB, uma de suas estrelas. Figura mais visível, Miguel Arraes, avô de
Eduardo Campos.
No passado o jornalismo político era praticado no Congresso, de olho na
literatura, na história, nas referências internacionais. No fim dos
anos 1990, o jornalista Márcio Moreira Alves (1936-2009) tirou-o da
Praça dos Três Poderes e o levou para a Esplanada dos Ministérios para
apanhar sol e oferecer ao eleitor o debate sobre políticas públicas. Não
colou, depois da sua morte não apareceram sucessores. A cobertura
política passou a ser feita por meio do celular, nos restaurantes,
soprada por “fontes” e assessores.
Doravante, a política será ditada pelos pesquisadores e marqueteiros
empunhando laptops e tablets. Partidos agora são tantos e tão iguais que
passaram a ser identificados com números.
Eleição virou campeonato,
corrida, loteria. Um novo retrocesso é inevitável: a reforma política só
poderá avançar quando mudar a cobertura política.