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domingo, 7 de abril de 2013

Do "Direto da Redação"

Sofismas neoliberais

Rodolpho Motta Lima

 

 


Sem medo de cometer injustiças, mas sempre no exercício livre da opinião, afirmo que Luís Fernando Veríssimo é o maior e melhor dos cronistas em atividade na mídia nacional, não apenas pelo sabor que imprime ao seu texto, mas também pela visão do mundo que revela, como alguém permanentemente atento à realidade e às suas estranhas – e muitas vezes perversas – contradições.

Estava aqui relendo uma crônica que ele escreveu em 24.03.2000 – lá se vão 13 anos - , intitulada “Silogismo”. Veríssimo tratava, então, de um posicionamento do governo tucano de FHC, que assegurava não poder dar aos trabalhadores um salário-mínimo que corrigisse as perdas de então, porque isso “comprometeria o programa de estabilização do Governo, quebraria a Previdência, inviabilizaria o país”. Era o mantra neoliberal daquela época, que rotulava de irresponsáveis e demagogos quem pensava o contrário.

Veríssimo argumentava, então, com o que denominou “um silogismo bárbaro”: se o salário-mínimo concedido não dava para boa parte da população viver dignamente e se não havia como mudar o panorama (na visão do Governo), uma parcela ponderável do povo estaria condenada “a uma subvida perpétua”, por força de uma política que, subserviente a interesses financeiros internacionais, fundamentava-se na miséria...

Essas e outras visões do pessoal tucano acabaram por desmascarar os milagres que então se apregoavam. Um deles: um “plano real” que era apresentado como produto genuinamente nacional – com direito a heróis e tudo mais - quando, na realidade, era uma necessidade/imposição do mercado globalizado, tanto que, em um passe de mágica, todas as economias de alguma relevância no planeta tiveram então a inflação estabilizada...

Os governos que se seguiram - fruto da saudável decisão popular nas urnas que, quando convém, os demotucanos esquecem - não chegaram a inverter , infelizmente, essa postura de subserviência a um mercado infame em que especuladores, empreiteiros e banqueiros ainda dão as cartas. Conseguiram, no entanto, medidas pontuais que, aqui e ali, estão atuando no sentido de diminuir a perversidade do sistema entre nós, com políticas públicas que apontam para a preocupação com os menos favorecidos. 


Estão aí as diversas “bolsas” que a direita tanto abomina (“Como podem gastar o meu dinheiro com esse bando de desocupados?”); está aí o sistema de cotas que provoca a ira pouco santa das elites (“Isso está estimulando o preconceito racial !”); estão aí, agora, os direitos concedidos às empregadas domésticas secularmente exploradas (“Mas isso vai provocar muitas demissões e um descontrole no âmbito familiar!”).

Não é preciso ser petista, lulista ou qualquer outro ista para perceber a diferença que existe entre o Brasil de hoje e o de então. E, invariavelmente, quando se tenta estabelecer esse paralelo, surge aquela pergunta orquestrada, para fugir do assunto: “Mas... e o mensalão?”.

A pergunta traz embutida, de modo subliminar, a tentativa de fazer vingar uma tese esquisita, beirando a paranoia : a de que o pessoal que se preocupa com as necessidades populares é essencialmente corrupto... 

A pergunta desconhece a história desse país, desde as Capitanias hereditárias, desconhece as folclóricas frases do “Roubo mais faço” de próceres paulistas, desconhece a corrupção no regime militar das obras faraônicas, desconhece (ou finge desconhecer) a Privataria tucana, o mensalão mineiro (também tucano); desconhece/esquece a nunca apurada, mas sempre denunciada, compra de votos para reeleição de um Presidente da República (o que equivaleu a quatro anos de poder e de manutenção de interesse econômicos que é fácil adivinhar...).

O perverso silogismo de Veríssimo volta a atacar, agora, sob nova roupagem, mas com os mesmos atores, diante de posturas e medidas governamentais. Se a Presidenta menciona que o mais importante para o país é a preservação e o incremento das conquistas sociais, as cassandras de plantão apontam para o “nervosismo do mercado”, que, “preocupado”, vê nessas palavras o perigo da “volta da inflação”... Uma chantagem, um estelionato ideológico, que a mídia comprometida repete à exaustão...

No momento em que o país atinge o menor nível de desemprego desde que ele é medido, esse dado, ao invés de ser tratado com o louvor que realmente merece, é sutilmente apresentado como “preocupante”, porque inibe a produtividade, vira custo para a indústria em função da valorização do empregado, “freia o PIB”, “trava o crescimento”. Ou seja, o pessoal neoliberal, coerente na sua perversidade, não muda mesmo. Para eles, o bom seria ter sempre à mão uma boa “reserva de mão de obra”, que alguns economistas de plantão a serviço dos exploradores chamam de “estoque”, reduzindo homens a coisas...

Felizmente, do lado de cá , o Veríssimo e sua visão do mundo também não mudam. E, como ele, pensam muitos dos cidadãos que, famosos ou desconhecidos, constituem o povo brasileiro. 

Se estivesse entre os vivos, Gonzaguinha responderia a esse pessoal que anseia pelo desemprego com os versos da sua composição “Um homem também chora”:Um homem se humilha / Se castram seu sonho / Seu sonho é sua vida / E vida é trabalho / E sem o seu trabalho / Um homem não tem honra / E sem a sua honra / Se morre, se mata / Não dá pra ser feliz / Não dá pra ser feliz “.

Rodolpho Motta Lima



 


Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.