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O misterioso adiamento do mensalão mineiro
Em duas sessões do ano passado,
ministros ensaiaram julgar destino do processo cível do valerioduto
tucano. Nenhum deles sabe explicar por que ação saiu de pauta
Por Eduardo Militão
Um mistério ronda o Supremo Tribunal Federal (STF). Em maio
do ano passado, o então presidente da corte, Carlos Ayres Britto, chegou
a chamar o julgamento da ação cível, aquela que permite a recuperação
de recursos desviados, do mensalão mineiro,
também conhecido como valerioduto tucano. Por algum motivo, que nem
Ayres Britto nem os demais ministros sabem explicar, o processo saiu da
pauta. E não voltou mais. Esta foi a primeira denúncia envolvendo o
esquema de caixa dois do empresário Marcos Valério Fernandes com
políticos a chegar ao Supremo, ainda em 2003, dois anos antes, portanto,
das primeiras acusações que abalaram o governo petista, como revelou a Revista Congresso em Foco.
Enquanto a ação cível contra os tucanos não sai da gaveta, o Supremo já
condenou 25 réus envolvidos no esquema de desvio de dinheiro montado
pelo PT e analisa agora os respectivos recursos.
Exclusivo: veja vídeo em que valerioduto tucano é adiado duas vezes pelo STF
O Congresso em Foco teve acesso à íntegra da
transmissão das duas sessões em que o Supremo ensaiou julgar o mensalão
mineiro – de acordo com o Ministério Público, um esquema de desvio de
dinheiro do governo tucano de Minas Gerais em benefício da campanha
eleitoral do hoje deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e do atual senador
Clésio Andrade (PR-MG), que disputaram o governo estadual em 1998.
Produzido pelo site com base em imagens da TV Justiça, o
vídeo acima mostra a tentativa do então presidente e relator do caso,
ministro Carlos Ayres Britto, de levar a julgamento uma questão técnica
para destravar o andamento da denúncia do Ministério Público, proposta
em 2003 pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles.
Apesar de pautado duas vezes em maio de 2012, a última antes do
intervalo para um lanche, o caso não foi julgado até hoje. Duas semanas
depois, em 6 de junho de 2012, o STF definiria o calendário do mensalão
do PT. Ayres Britto disse que esse calendário contribuiu para adiar o
valerioduto do PSDB. “Qual foi a intercorrência? O mensalão. Fizemos uma
pauta temática para ganhar um pouco de tempo enquanto não viesse o
julgamento do mensalão”, disse ele.
Ouvidos pela reportagem nas últimas semanas, os ministros disseram
não se lembrar de eventuais conversas no cafezinho que teriam tirado o
mensalão mineiro de pauta pela segunda vez.
Leia: Calendário do mensalão do PT atrapalhou caso tucano, diz Britto

Joaquim: “Por que não julgar o mensalão mineiro?”
O objetivo do julgamento do mensalão mineiro nem era o conteúdo da
denúncia da primeira versão do valerioduto, mas apenas julgar se um caso
de improbidade administrativa como aquele deveria ser analisado pela
Justiça de primeira instância de Minas Gerais ou pelo próprio STF. Em
2005, o Supremo já havia decidido, na ação direta de
inconstitucionalidade (Adin) 2797, que situações de improbidade deveriam
ser analisadas nos estados, sem direito a foro privilegiado para
deputados e senadores. Mas Eduardo Azeredo e Ruy Lage, outro réu no
mensalão do PSDB, recorreram para manter o caso no Supremo.
Em 16 de maio de 2012, os ministros tinham acabado de julgar
justamente recurso sobre a Adin 2797, cujas decisões determinaram que
casos de improbidade deveriam correr nos estados, sem foro especial.
Ao anunciar o julgamento do recurso no mensalão mineiro cível
(petição PET 3067), Ayres Britto, relator do caso, informa que o
ministro Gilmar Mendes havia pedido o adiamento do caso. O motivo era a
ausência de Dias Toffoli e Celso de Mello no plenário. Pela mesma
lógica, também seria adiado um outro processo semelhante (PET 3030), que
decidiria se mantinha no Supremo ou mandava para a primeira instância
de Rondônia uma ação de improbidade contra políticos locais.
Inicialmente, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio questionam o motivo de
adiar o mensalão mineiro e o outro processo. O atual presidente do STF
lembra que, pouco antes, haviam acabado de julgar uma Adin sobre o mesmo
tema com a ausência de ministros.
“Se nós julgamos o mais importante, por que não podemos julgar o
agravo regimental [no mensalão mineiro]?”, questionou Joaquim. “É
consequência do que ficou acertado ainda há pouco”, continuou.
Ricardo
Lewandowski é um dos que defendem o adiamento para a semana seguinte,
quando o plenário estivesse completo. Ayres Britto se diz, então, pronto
para julgar o valerioduto do PSDB, mas consulta o plenário. Joaquim
Barbosa desiste da tese e apoia a postergação do caso, mas Marco Aurélio
mantém-se contra. “Há quórum até para matéria de maior envergadura
[Adin]”, reclamou. O caso é adiado para 23 de maio de 2012.
Naquela data, os ministros julgam o outro caso de improbidade
administrativa, a PET 3030. Como era de se esperar, mandam o processo
para a primeira instância de origem. Chega a vez de julgar a PET 3067 e
Ayres Britto anuncia seu voto. “Mas é um voto longo. Faço o pregão
propriamente dito quando do retorno”, disse ele. Os ministros vão para o
lanche.
Entretanto, o presidente volta do intervalo e não chama o processo. Procurado pela Revista Congresso em Foco,
o hoje ex-ministro diz que provavelmente não teve condições de pautar o
processo na volta do intervalo. “É porque eu não obtive condições de
colocar [em votação]”. “Sou uma pessoa atenciosa, eu converso com os
ministros, ninguém vai me negar essa qualidade de buscar a todo instante
o consenso”, disse ele.
O voto de Britto fora feito em 2005, determinando a remessa da
papelada do mensalão mineiro para a Justiça de primeira instância de
Minas Gerais. O ex-ministro é um conhecido opositor do foro
privilegiado. O caso agora está com o ministro Roberto Barroso, que
ainda não estudou o processo porque, segundo sua assessoria, está
concentrado nos embargos de declaração do mensalão do PT.
No caso do PT, o Supremo condenou réus por esquema que desviou
dinheiro público e privado para a compra de apoio político de deputados
durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula por meio do
empresário Marcos Valério e dos bancos Rural e BMG entre 2002 e 2004. O
esquema, segundo a PGR e o STF, era chefiado pelo ex-ministro da Casa
Civil José Dirceu.
No caso do PSDB, o Ministério Público abriu três ações no STF por
esquema de desvio de dinheiro do governo de Minas Gerais em benefício
da campanha eleitoral do hoje deputado Eduardo Azeredo e do atual
senador Clésio Andrade, que disputaram o governo estadual em 1998. Os
valores foram repassados, segundo a denúncia, por patrocínios operados
pela agência de publicidade de Marcos Valério.